Após chacina macabra, Guarani Kaiowá conquistam apoio democrático em todo país

Luta camponesaPovos originários

Reproduzimos a seguir compilado das mais recentes notícias acerca da luta do povo Guarani Kaiowá em MS, todas de autoria da jornalista Taís Souza e publicadas em www.anovademocracia.com.br, em 8 de julho de 2022 e na edição impressa nº 248

MS: Povo Guarani Kaiowá retoma território após assassinato de jovem guerreiro

Na madrugada de 22 de maio, o povo Guarani Kaiowá realizou uma retomada de território na fazenda Taquaperi, no município de Coronel Sapucaia, Mato Grosso do Sul, fronteira com o Paraguai. No local, um dia antes, o jovem indígena Alex Ricarte Vasques Lopes, de 18 anos, havia sido assassinado pelo latifúndio, de acordo com as denúncias de lideranças indígenas. A ação evidencia que os povos indígenas não deixarão de responder aos crimes contra o povo.

Guarani Kaiowá retomam território e o nomeiam Tekoha Jopara

O covarde assassinato

Em 21/05, Alex Lopes junto a outros dois jovens indígenas da Tekoha Kurusu Amba deslocaram-se da Terra Indígena Taquaperi para coletar lenha devido às baixas temperaturas que assolavam o sul do MS. De acordo com o Comitê de Apoio a Luta dos Povos Indígenas — Calpi, os indígenas foram surpreendidos com disparos de arma de fogo vindos da fazenda Taquaperi. Alex foi alvejado por pelo menos cinco tiros e faleceu no local.

Segundo relatos dos indígenas, o corpo do jovem foi abandonado em território paraguaio localizado a menos de 10 km dos limites da TI. Alex Lopes é o quarto membro da família a ser assassinado pelo latifúndio desde 2007 em Coronel Sapucaia.

A retomada de Jopara

Antes do raiar do dia seguinte ao assassinato, os Guarani Kaiowá organizaram uma grandiosa retomada do latifúndio onde ocorreu o crime. O local foi denominado Tekoha Jopara.

Durante a tarde do dia 22/05, após a retomada, o Departamento de Operações de Fronteira — DOF, agindo à serviço do latifúndio, iniciou um cerco policial, bloqueando com viaturas a rodovia MS-286, via de acesso à Tekoha Jopara, TI Taquaperi e outros territórios indígenas.

Em 23/05, drones e viaturas circularam no local e latifundiários se reuniram junto à barreira policial. Porém, a resistência dos indígenas seguiu e o povo permaneceu acampado.

No mesmo dia, em carta emitida pela Grande Assembleia Kaiowá e Guarani da Aty Guasu, os indígenas se pronunciaram: “Alex não é um caso isolado e não podemos deixar que assim seja definido. A morte de Alex é mais um ataque contra nosso território e a vida de nosso povo. Não foi apenas uma família, a de Alex, que se levantou contra seu assassinato, mas sim toda uma comunidade. Isso não se daria caso a comunidade não tivesse em sua alma a noção de que lhes foi infringido um ataque coletivo, mais um de tantos.”.

Chamado aos democratas

O Calpi, conclamando estudantes, professores e entidades democráticas, afirma que “as rebeliões indígenas em face do assassinato de seus irmãos e irmãs brada para que as massas se juntem aos Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul em apoio à luta pela retomada dos territórios tradicionais, avanço pela autodemarcação e o direito à autodeterminação, e a punição de seus carrascos.”

Após chacina macabra, Guarani Kaiowá conquistam apoio democrático em todo país

Diversas demonstrações de solidariedade ao povo indígena Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul ocorrem em todo solo nacional após os criminosos ataques e assassinatos promovidos por tropas da Polícia Militar e pelo latifúndio nas retomadas Jopara, Guapo’y e Kurupy.

A solidariedade ocorre após a sinistra e macabra chacina perpetuada pela Tropa de Choque da PM e pistoleiros no dia 24 de junho. Na ocasião, os reacionários, mobilizando um helicóptero e cerca de 100 agentes junto a pistoleiros a serviço do latifúndio, promoveram uma covarde chacina contra jovens Guarani Kaiowá, no território de retomada Tekoha Gwapo’y Mi Tujury, em Amambai, no Mato Grosso do Sul. De acordo com denúncias do povo Guarani Kaiowá recebidas pela redação de AND, cinco pessoas foram assassinadas e outras dez foram hospitalizadas, algumas em estado grave.

‘Colocamos todas as nossas forças à disposição’

Em nota a Comissão Guarani Yvyrupa — CGY em solidariedade aos Guarani Kaiowá afirmou: “Não aceitamos que nossos parentes Guarani Kaiowá sigam sendo tratados como estrangeiros em suas próprias terras e mortos pela ação de milícias armadas, a serviço do agronegócio e do Estado”. A CGY, organização indígena que reúne diversos grupos do povo Guarani Kaiowá nas regiões Sul e Sudeste do Brasil na luta pela terra, declarou também: “A luta dos Guarani Kaiowá em MS também é a nossa luta, por isso colocamos todas as nossas forças à disposição da Aty Guasu para, lado a lado, enfrentarmos mais esse triste capítulo de violação de nossos direitos fundamentais”.

O povo Akroá Gamella do Maranhão manifestou solidariedade aos Guarani Kaiowá, dizendo: “A nossa resistência à morte antes do tempo não deixa e jamais deixará que os nossos inimigos durmam seu sono tranquilamente. Cada gota de sangue derramada regará a Terra dos nossos ancestrais e os nossos corpos-sementes germinarão. Este sentimento que carregamos é alimentado pela Memória Subversiva dos que são tombados em Luta. Por eles tocamos nossos Maracás”. 

A Executiva Nacional dos Estudantes de Pedagogia — ExNEPe em nota repudiou mais esse bárbaro crime e prestou solidariedade com a família de Vitor e todo o povo Guarani Kaiowá. “Como estudantes classistas, adotamos a postura de nos colocar ao lado do povo e defender sem reservas todas as suas lutas”, declarou a organização estudantil fazendo também um chamado a todos os estudantes a também denunciarem esse crime com todas as forças e se colocarem ao lado do povo Guarani Kaiowá na sagrada luta por seu território. Os estudantes encerram a nota com as seguintes palavras de ordem: Viva a autodemarcação dos povos indígenas!, Viva a luta do povo Guarani Kaiowá!, Liberdade para os indígenas presos!, Lutar não é crime! e Guerreiro Vitor Fernandes: presente na luta!.

Uma pichação clamando vingança pelo sangue indígena derramado foi encontrada no muro do Ministério Público Federal, na cidade de Dourados/MS. A consigna “Todo sangue indígena será vingado! Morte ao latifúndio!” é vista gravada na parede.

Pichação encontrada em Dourados, no Mato Grosso do Sul. Foto: Banco de dados AND

Demonstrando a ligação entre os indígenas e camponeses pobres em luta pela terra o Jornal Resistência Camponesa declarou: “A luta dos povos originários desta terra é parte inseparável da luta geral dos camponeses pobres, e a via da autodemarcação é o mesmo caminho da resistência camponesa e da Revolução Agrária. A sanha bovina dos promotores deste massacre é antes demonstração de temor que de força”.

Um nota assinada por mais de 70 organizações democráticas entre elas a Associação de Juízes pela Democracia — AJD, Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior — Andes e Associação dos Geógrafos Brasileiros — AGB, as entidades se solidarizaram com o povo Guarani Kaiowá, repudiaram os ataques da PM e reafirmaram a necessidade da garantia dos direitos dos povos originários como a demarcação da terra indígena.

Os covardes ataques e a resistência dos povos

No final do mês de maio, após o assassinato do jovem indígena Alex Lopes na fazenda Taquaperi  – pelas mãos do latifúndio, segundo denúncias da comunidade –, uma série de retomadas se iniciaram. Na cidade de Coronel Sapucaia, Amambai e Naviraí dezenas de famílias Guarani Kaiowá formaram as retomadas Jopara, Guapo’y e Kurupy reconquistando seus territórios roubados. 

Diante do vigor e disposição das massas indígenas, os reacionários promoveram uma verdadeira guerra injusta adentrando o território indígena e com tropas militares e paramilitares atacaram as famílias que lutavam pelos seus justos direitos. Como resultado da ação, mais um indígena, Vito Fernandes, foi assassinado.

Lado a lado o latifúndio, pistoleiros e agentes da polícia promovem uma verdadeira campanha de terror que segue em curso. Contudo, mesmo diante desses covardes ataques, assassinatos e tentativas de massacres, o povo Guarani Kaiowá segue em resistência e recebe apoio de outros povos, organizações e democratas por todo o país.

MS: Guarani Kaiowá resistem às investidas da reação após chacina

Mais de dez dias depois da Chacina de Amambai, onde tropas da Polícia Militar a serviço do latifúndio atacaram covardemente dezenas de famílias indígenas em retomadas, ação ilegal que ceifou a vida de ao menos um jovem indígena, a luta dos Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul segue em curso e os indígenas resistem bravamente. O enterro de Vito Fernandes contou com a participação de milhares de pessoas que deram demonstrações de combatividade e solidariedade, fato que expressou a disposição do povo Guarani Kaiowá em continuar a defesa dos territórios indígenas através das retomadas, que recentemente se alastraram como resposta ao assassinato de outro jovem indígena, Alex Lopes, na mesma região. 

As famílias das retomadas Jopara, Guapo’y e Kurupy travam uma dura luta contra o latifúndio e seus lacaios, e nos muros de MS já se lê: Todo sangue indígena será vingado! Morte ao latifúndio!

Milhares de pessoas acompanharam o enterro de Vito Fernandes, assassinado durante a Chacina de Amambai. Foto: Reprodução

Enterro de guerreiro tombado e a retomada

No dia 27 de junho, aproximadamente 2 mil pessoas participaram do enterro de Vito Fernandes Guarani Kaiowá, 42 anos, que foi assassinado durante a Chacina de Amambai dentro da Tekoha Guapo’y Mi Tujury, três dias antes. 

Assim como outros, Vito foi alvejado pela Tropa de Choque da PM, que disparou balas de borracha e armas letais contra os indígenas durante a incursão homicida. 

Após a liberação do corpo, a comunidade permaneceu em resistência velando até que conseguisse enterrá-lo na Tekoha Guapo’y. O latifúndio tentou impedir através de uma ação judicial o acesso ao território. Porém, após trâmites legais, realizaram o enterro dentro da retomada.

Uma grande multidão se reuniu no cortejo fúnebre. Cartazes de denúncias, exigências e palavras de ordem como Vamos resistir até o fim! foram levantados pelas massas que entoavam canções tradicionais. Uma faixa exigia justiça para as vítimas da chacina, nela constava o nome de cinco pessoas: Vito, Natiele, Naiara, Vilke e Julio. 

Durante o enterro a polícia ainda estava na região, porém, os indígenas seguiram em resistência. Segundo o Comitê de Apoio à Luta dos Povos Indígenas — Calpi, após o enterro, o povo Guarani permaneceu na fazenda e reergueu a retomadas. Nos dias posteriores, o latifundiário pediu a reintegração de posse, que foi negada.

Após enterro os indígenas reergueram a retomada Guapoy. Foto: Povo Guarani Kaiowá
Em enterro, povo Guarani Kaiowá exige demarcação e justiça. Foto: Reprodução
Mais de 2 mil pessoas prestaram solidariedade durante enterro de jovem indígena assassinado em chacina. Foto: @atyjovemgk

Leia também: Urgente: Tropa de Choque chacina jovens Guarani Kaiowá em Amambai, MS

Quem é o latifundiário que disputa as terras indígenas?

A retomada que deu origem a Tekoha Guapo’y foi realizada em 23/06 na chamada Fazenda Borda da Mata, no município de Amambai/MS, a 352 quilômetros de Campo Grande. 

Sobreposta no território indígena, a fazenda — um imóvel declarado com uma área de 269 ha –  pertence à empresa VT Brasil Administração e Participação, cujos proprietários são Waldir Candido Torelli Junior, Rodrigo Adolfi Torelli e Eduardo Adolfi Torelli, filhos do latifundiário Waldir Candido Torelli, fundador do Grupo Torlim. Essa, contudo, não é a única área de Torelli que incide sobre o território reivindicado pelos indígenas. 

Os Guarani Kaiowá denunciam que mais de mil hectares de suas terras foram invadidos pelo latifúndio. O latifundiário Torelli possui dez propriedades em Amambai que somam um total de 3,7 mil ha. A Terra Indígena Amambai já demarcada pelo velho Estado possui apenas 2,4 ha, área onde atualmente vivem mais de 10 mil pessoas.

Além das terras, o latifundiário detém vários frigoríficos e consta na lista dos 500 maiores devedores da União, com dívida ativa acumulada em R$ 493,2 milhões.

Waldir Torreli foi um dos réus na Operação “Jurupari” no ano de 2013; ele era investigado por formação de quadrilha, desmatamento e extração ilegal de madeira. 

Em 2018 a VT Brasil entrou com uma ação contra a Fundação Nacional do Índio — Funai, a União e os Guarani Kaiowá, afirmando que os indígenas estariam “molestando sua posse no imóvel rural Fazenda Borda da Mata”, conforme apurou o portal “De olho nos ruralistas”. Contudo, o judiciário não foi favorável ao latifúndio. 

Esta posição, entretanto, não foi suficiente para frear a ação das tropas da PM que agiram ao arrepio da lei.

Tropas da PM promovem covarde ataque contra retomada Guapoy em Amambai — MS no final do mês de junho. Foto: Reprodução

Em Naviraí, os Guarani Kaiowá resistem a outras investidas criminosas

No mesmo dia em que ocorria a Chacina de Amambai, a retomada Kurupy em Naviraí — MS foi alvo de outra ação criminosa. Agentes da PM, junto com latifundiários e pistoleiros, invadiram em 24/06 o território e montaram uma base de operações realizando uma verdadeira caçada contra o povo Guarani que percorreu os dias seguintes.

Em 1º de julho, caminhonetes com pistoleiros adentraram a área, rondando a retomada. Aviões também realizaram voos rasantes sobre o território lançando fogos de artifício. De acordo com denúncias, as forças reacionárias permanecem na região disparando desde a base montada pela PM, contra os indígenas.

A retomada que está sendo alvo desses ataques foi formada no 23/06, quando dezenas de indígenas adentraram a área localizada no macro território Dourados-Amambai Pegua II, em Naviraí, formando a Tekoha Kurupy/Santiago Kue. Os indígenas ocuparam a sede da fazenda Tejuí. 

A cerca de 20 anos, 28 famílias Guarani Kaiowá viviam às margens da BR-163. A retomada aconteceu junto a uma onda de retomadas que se alastraram após o assassinato do jovem Alex Lopes, de 18 anos. O jovem foi atingido por tiros, que segundo as denúncias da comunidade, foi disparado pelo latifundiário que ocupava o território indígena em Coronel Sapucaia — MS. No dia seguinte ao assassinato, os indígenas retomaram as terras onde ocorreu o crime formando a Tekoha Jopara.

A retomada Kupuri segue em resistência, tensionados para resistir à mobilização das tropas reacionárias. Uma grande faixa localizada na retomada aponta o ultrarreacionário Bolsonaro como assassino, denuncia o Marco temporal e exige: Fora latifúndio de nosso território!

Faixa estendida na retomada Kurupy denuncia os reacionários. Foto: Cimi

Indígenas clamam por justiça

Em nota intitulada “Nosso sangue clama por justiça!”, a Aty Guasu, grande assembleia dos Guarani Kaiowá, afirma que em mais uma ação ilegal a PM tem agido como cão de guarda do latifúndio e do velho Estado. “Foram atacados crianças, jovens, idosos, famílias que decidiram, depois de muito esperar sem alcançar seu direito, retomar um território que sempre foi deles e que foi roubado no passado de nosso povo”, denuncia.

A Aty Guasu, em declarações durante o enterro de Vito, reafirmou a decisão de lutar e resistir e, se preciso morrer, até o último Guarani e Kaiowá em defesa de seus territórios. “Nós, da Aty Guasu, levaremos a todas as esferas esse Massacre e não desistiremos até que os responsáveis sejam punidos e responsabilizados”, declararam.

O povo indígena declarou que com sangue farão a demarcação e recuperarão as terras indígenas invadidas pelo latifúndio genocida, deixando explícito que já não esperam do velho Estado e suas políticas latifundistas garantir os direitos dos povos. Demonstrações de solidariedade e apoio à resistência dos indígenas Guarani Kaiowá em MS, se erguem por todo país.