Republicamos abaixo matéria originalmente postada no portal A Nova Democracia, em 13 de agosto de 2025.

Camponeses, indígenas, professores, estudantes e ativistas tomaram as ruas da cidade de Corumbiara no último sábado (09) na passagem dos 30 anos da Heroica Resistência Camponesa de Santa Elina.
A vigorosa manifestação foi convocada pelo Comitê de Defesa das Vítimas de Santa Elina (CODEVISE), pela Liga dos Camponeses Pobres (LCP), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos (CEBRASPO), Associação Brasileira de Advogados do Povo (ABRAPO), Diretório Central dos Estudantes (DCE/UNIR), Organização dos Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso e Sul do Amazonas (OPIROMA), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ExNEPe, GTGA/UNIR, HISTEDBR/UNIR, NEHLI/IFRO, REC/UNIR e teve apoio das entidades sindicais ADUNIR – Seção Sindical do ANDES, SINDSEF-RO, SINTERO, SINDUR, SINPROF, SEEB/RO e SINASEFE.
Concentrando-se às 10h na praça central de Corumbiara, os manifestantes seguiram em marcha organizada em colunas, percorrendo todo o centro da cidade ao som de palavras de ordem como “Conquistar a Terra! Destruir o Latifúndio!”, “Honra e glória eternas aos heróis e heroínas de Corumbiara!”, “Viva a Revolução Agrária!”. Os transeuntes e comerciantes não só assistiram à manifestação, como também demonstraram seu apoio ao protesto. Uma senhora de outro município pediu aos manifestantes que a presenteassem com uma bandeira da LCP. Trabalhadores e operários se uniram para garantir que as vozes não fossem abafadas.
A manifestação teve como pautas centrais a titulação das terras, a indenização para todas as vítimas de Santa Elina, a concessão de financiamento e a demarcação de todas as terras indígenas. Além disso, denunciou a estratégia de criminalização dos movimentos sociais e os crimes do latifúndio contra os camponeses. Recentemente, a Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia (LCP) tem sofrido uma campanha de criminalização por parte dos monopólios de comunicação e agentes estatais.
Entre os presentes estavam várias vítimas da ação criminosa da PM de Valdir Raupp (MDB) que atacou o acampamento na madrugada do dia 09 de agosto de 1995. Organizados pelo CODEVISE, expressaram sua indignação quanto ao descaso dos gerentes de turno, seja no Executivo Federal ou na esfera estadual, que não atenderam ao pedido de indenizações de todas as vítimas.
Indígenas presentes reafirmaram que a causa indígena e camponesa é a mesma: lutar por terra e território contra o latifúndio, a pistolagem e as forças repressivas. Ambos enfrentam a mesma violência do velho Estado e defendem que, somente avançando na luta, é possível conquistar a vitória definitiva. Por fim, as lideranças indígenas denunciaram a invasão de seus territórios e exigiram a demarcação de territórios tradicionais já identificados. Na região do Cone Sul de Rondônia existem Terras Indígenas que sofrem pressão de latifundiários, como a Terra Indígena Tanaru, onde vivia o denominado “índio do Buraco”, último remanescente do seu povo, que morreu há cerca de dois anos. O povo indígena Guarasugwe, da região de Pimenteiras, no Vale do Guaporé, vê seu território invadido por latifundiários, grandes grupos do agronegócio e por políticos.
Intervenções de representantes de entidades presentes manifestaram a falência da reforma agrária no Brasil, exigiram a indenização para todas as vítimas de Santa Elina, denunciaram a criminalização da luta pela terra e inúmeras outras situações de violências cometidas contra os camponeses, indígenas e trabalhadores. Camponeses das áreas Zé Bentão, Renato Nathan, Alzira Monteiro, Alberico Carvalho e Maranatã 1 e 2, denunciaram que não têm acesso ao crédito, o que tem dificultado sua situação para produzir e comercializar sua produção.
Homenagens às vítimas de 1995, a intelectuais honestos, revolucionários e ativistas da Luta Camponesa
Entre os homenageados da manifestação estão as vítimas fatais: Nelci Ferreira, Enio Rocha Borges, José Marcondes, Ercilio Oliveira Campos, Odilon Feliciano, Ari Pinheiro dos Santos, Alcino Correia da Silva, Darli Martins, Sérgio Rodrigues Gomes e a pequena Vanessa dos Santos Silva, que tinha apenas 7 anos em 1995. Também foi prestada homenagem ao vereador de Corumbiara, Manoel Ribeiro (Nelinho), assassinado em 18 de dezembro de 1995 por apoiar os camponeses da fazenda Santa Elina. Em seguida, foram homenageados os sobreviventes que morreram ao longo dos anos, em virtude das sequelas das agressões e torturas sofridas. O velho Estado brasileiro ainda não indenizou nenhum dos familiares das vítimas fatais e vítimas que têm sequelas, mesmo havendo decisão e recomendação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Governo Federal e o estadual nunca assumiram seu papel quanto às indenizações.

s manifestantes também prestaram homenagem ao Secretário-Geral do Partido Comunista da Índia (Maoista), conhecido como Basavaraj, assassinado pelo velho Estado indiano no dia 21 de junho; ao Professor Fausto Arruda, que atuou em Rondônia na educação dos camponeses, fundador e diretor-geral de AND, e ao geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, grande estudioso da questão agrária, que faleceu no último dia 02 de agosto. Também prestaram homenagem ao professor Renato Nathan, assassinado em 09 de abril de 2012, e a inúmeros outros camponeses assassinados ou que morreram ao longo dos últimos anos, dentre eles: José Fonseca (Pelé), Cleomar Rodrigues, Valdiro Chagas, Amarildo Aparecido Rodrigues, Amaral José Stocco Rodrigues, Kevin Fernando Holanda de Souza, Gedeon José Duque, Rafael Gasparini Tedesco, entre outros camponeses. O ato denunciou os ataques à Área Revolucionária Valdiro Chagas e prestou homenagem ao camponês Caviar, assassinado pelo BOPE, neste 8 de agosto.
Sementes como símbolo de resistência
O ato foi encerrado ao meio-dia em frente à Igreja Matriz de Corumbiara, com os participantes entoando canções e com a distribuição de sementes crioulas de feijão, organizadas pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO). Com as sementes havia uma mensagem que destacava que estas eram símbolos de resistência, um bem coletivo que não pertence a corporações, que são patrimônio histórico dos povos e carregam a memória das lutas dos povos.

Pesquisadores e ativistas visitam a Área Zé Bentão
Ainda no dia 09 de agosto, professores e estudantes do IFRO e da UNIR, representantes de entidades, advogados, indígenas e médicos se deslocaram para a antiga sede da fazenda Santa Elina, na escola Água Viva, na na Área Camponesa Zé Bentão, onde puderam conhecer melhor a situação vivida pelas famílias que lá residem, levantando demanda para outras ações de Pesquisa e Extensão. Na oportunidade, também foi realizado atendimento médico. “É a Universidade a Serviço do Povo! É a ciência e a técnica a serviço dos que mais necessitam!”, destacou um professor.
Os camponeses relataram as duras lutas desde 2010, no período de acampamento, a resistência às investidas da PM, a ação do oportunismo para dividir as massas camponesas e a politicagem do INCRA relacionada à titulação das terras. Uma das principais denúncias é o embargo sob o qual vivem as famílias camponesas daquelas áreas, que não têm acesso a crédito para a produção.

Breve histórico
Na madrugada do dia 9 de agosto de 1995, tropas da PM e pistoleiros recrutados nas fazendas da região, usando fardamento da polícia, iniciaram os ataques ao acampamento. Após horas de tiroteio, a PM invadiu o acampamento. Depois de rendidos, os camponeses sofreram humilhações, torturas e execuções à queima-roupa, chegaram a fuzilar pelas costas a pequena Vanessa, de apenas 7 anos. Entre outras inúmeras bestialidades, detiveram o jovem camponês Sérgio Rodrigues Gomes, que tinha sido ferido no confronto, e o transportaram para a sede da fazenda, onde ele foi submetido a todo tipo de tortura por muitos dias até matá-lo, lançando seu corpo dilacerado num rio da região. Dias depois, assassinaram Manoel Ribeiro, o Nelinho, vereador de Corumbiara que apoiava a luta camponesa e as famílias acampadas na fazenda.

Oficialmente, até hoje, registra-se que 11 camponeses foram assassinados e dois policiais foram mortos, mas vários outros ficaram desaparecidos desde então. Centenas ficaram com sequelas físicas e psicológicas e, como consequência disso, muitos faleceram posteriormente. O terrorismo de Estado só não resultou em mais mortes graças à heroica resistência armada dos camponeses, que, mesmo em condições desiguais, enfrentou heroicamente os assassinos da polícia de Rondônia e pistoleiros armados até os dentes.
Os sinistros planos de aterrorizar os camponeses e frear a luta pela terra foram frustrados. A repressão sangrenta gerou enorme solidariedade e fez explodir o ódio das massas, levantando uma onda de novas tomadas de terra por todo o país. Além disso, a resistência armada de Santa Elina foi um divisor de águas no movimento camponês, pois dela resultou, depois de árdua luta e depuração, a Liga dos Camponeses Pobres (LCP).
Em 2005, no IV Congresso da LCP de Rondônia realizado em Corumbiara, uma grande manifestação com centenas de camponeses reafirmou o compromisso de cortar as terras do latifúndio Santa Elina e lutar pelas indenizações das vítimas.
Após lutas cobrando indenização e tentativas de retomar em 2008 aquelas terras, em 2010 centenas de famílias dirigidas pela LCP e pelo Codevise – Comitê de Defesa das Vítimas de Santa Elina, retomaram as terras da maior parte da fazenda, conquistando-as definitivamente. Em meio a muitas lutas e enfrentando todo tipo de dificuldade, as massas camponesas venceram e concretizaram parte do sonho das famílias de 1995: as terras da antiga fazenda Santa Elina agora são do povo e se transformaram nas Áreas Camponesas Zé Bentão, Renato Nathan, Alzira Monteiro, Alberico Carvalho e Maranatã 1 e 2, onde vivem e produzem centenas de famílias.