‘A luta pela terra no Brasil virou uma guerra’: LCP comenta encontro nacional do grupo paramilitar ‘Invasão Zero’

Luta camponesa

Reproduzimos abaixo matéria de A Nova Democracia com representante da Liga dos Camponeses Pobres, publicada em 11 de junho de 2025.

Camponeses em defesa das terras de Barro Branco. Foto: AND

O encontro de latifundiários, deputados, policiais e mais um punhado de reacionários em um luxuoso hotel em Ilhéus, na Bahia (BA), no dia 7 de junho para participar do primeiro Fórum Nacional do Movimento ‘Invasão Zero’ é uma “afronta vergonhosa à ‘justiça’, aos órgãos do Estado e ao próprio ordenamento jurídico internacional” e uma “comprovação cabal e incontestável de que a Revolução Agrária em curso avança”, defendeu a Liga dos Camponeses Pobres (LCP) em um depoimento exclusivo à Redação de AND

O evento ocorreu no hotel Praia do Sol e mobilizou figuras como os deputados Lucas Polese (ES), Capitão Alden (BA), Coronel Meira (PE), Leandro de Jesus (BA), Diego Casto (BA), Zucco (RS) e o policial da ativa tenente-coronel França, da Polícia Militar de Roraima, que participou do evento embora o código militar proíba PMs de participarem em atos políticos. 

A Comissão Nacional da LCP tem boas razões para acreditar que a organização do movimento paramilitar é uma resposta ao avanço da Revolução Agrária. Somente nos últimos cinco anos, esse processo revolucionário mobilizou milhares de famílias em importantíssimas batalhas camponesas em Rondônia, onde as batalhas ocorreram nos Acampamentos Tiago Campin dos Santos e Manoel Ribeiro, entre 2020 e 2021, e ainda ocorrem na Área Revolucionária Gedeon Duque, em 2025; no Sul da Bahia, onde foi erguido o Acampamento Mãe Bernadete, em 2023, de pé até hoje; em Pernambuco, nas terras de Barro Branco, em Jaqueira, em disputa há anos e palco de potentes conflitos em 2024 e no Alagoas, onde se desenvolve uma resistência depois do despejo da Área Revolucionária Renato Nathan, em Messias, em 2024. 

“Se não fosse assim, por que essa canalha de ladrões de terra, sanguessugas da renda e do orçamento do Estado, que controla o judiciário, o legislativo e o executivo (basta ver a lista de deputados, senadores, policiais, e outros bandidos de menor coturno presentes), que não paga impostos, que controla o monopólio da imprensa, que têm tudo, precisaria ainda de organizar suas próprias hordas de assassinos????”, escreveram os camponeses. 

A posição da LCP de que o congresso foi uma afronta é bem apontada. Uma reportagem do portal Repórter Brasil sobre o fórum pontuou que o Ministério Público Federal (MPF), que investiga o assassinato da indígena Nega Pataxó pelo ‘Invasão Zero’, “vê indícios de que o grupo atua como um ‘esquema paramilitar financiado por grandes latifundiários’”. Investigações de AND sobre o grupo chegaram às mesmas conclusões. 

A mesma reportagem pontua que a relatora da Organização das Nações Unidas, Mary Lawlor, já classificou o grupo como “desprezível”, disse que há “fortes indícios de financiamento de grupos armados e articulação em rede nacional” e orientou que o governo “se mova de forma mais rápida, mais ampla e mais direta”. 

Não obstante, o governo federal e o governo estadual da Bahia não mexeram um dedo sequer para impedir a realização do evento. Para a LCP, é um sinal de inércia injustificada, pois as respostas para as investigações estão claras. “Cadê o governo do oportunismo? Está investigando o quê? Todo mundo sabe quem são há mais de 500 anos! Mas aí já são ‘outros quinhentos’”, disse a Comissão Nacional do movimento. 

‘Valentes para matar, covardes para morrer’

Como resultado, os latifundiários puderam aproveitar a paz de Ilhéus para ensinar uns aos outros as melhores táticas de invadir áreas camponesas, incendiar e destruir itens de famílias pobres do campo e mesmo assassinar posseiros, indígenas e outras massas envolvidas na luta pela terra, classificadas pelos latifundiários como “terroristas” e “bandidos”. O deputado estadual Leandro de Jesus (PL-BA) aproveitou a plateia de celerados para apresentar o plano Alerta Rural, uma forma de mobilizar a “vizinhança” (latifundiários e paramilitares) em momentos de ocupação de terra, por WhatsApp e SMS, a partir de um aplicativo que inclui botão de pânico, geolocalização e um mapa de propriedades.

Nada disso assusta a LCP, calejada em embates com as hordas fascistas do movimento “Invasão Zero”. “Esses covardões são valentes para matar e covardes para morrer. Em vários dos nossos enfrentamentos, as massas organizadas os botaram para correr, como vocês tão bem têm mostrado em importantíssimas e corajosas reportagens”, comentou a Comissão Nacional do movimento, que adenda que, quando os paramilitares saem na pior, eles logo “cobram o apoio imediato das forças policiais do Estado, que nesse caso não falham nunca. Quando a coisa está feia para eles, é busca e apreensão, patrulhas fortemente armadas nas estradas, intimidação de massas, destruição de pertences do povo e tudo mais.”

Um desses casos ocorreu em 2024 em Barro Branco, Jaqueira (PE). O “Invasão Zero” mobilizou dezenas de pistoleiros e latifundiários para atacar com armas de fogo uma terra cultivada por famílias de camponeses posseiros. Os posseiros resistiram e os fascistas saíram em debandada, alguns deles feridos com arma de fogo. No evento em Ilhéus (BA), o coordenador geral do “Invasão Zero” em Pernambuco, que participou do ataque terrorista e ordenou agressões contra mulheres e crianças, relembrou o episódio, lamentando cabisbaixo que “sofreu um ferimento a bala”.

“O mais importante de tudo isso”, continua a LCP, em conclusão. “É que demonstra que, como não nos cansamos de afirmar, a luta pela terra no Brasil virou uma guerra, e a Revolução Agrária é a questão mais importante no momento para derrotar a extrema direita, toda a reação e o imperialismo. Que os verdadeiros democratas se juntem de armas e bagagens com os camponeses, indígenas e quilombolas para derrotá-los.”