Advogado denuncia prisão e julgamento de quilombolas de “Brejo dos Crioulos”

Desde 1999 o território quilombola denominado Brejo dos Crioulos, com uma área já demarcada e em processo de expropriação pelo INCRA/MG, de 17.302,00,00/ha (dezessete mil, trezentos e dois hectares) localizada entre os municípios fronteiriços de São João da Ponte, Varzelândia e Verdelândia no Norte de Minas Gerais, tem marcado em sua história recente conflitos pela reconquista da terra ancestral do povo remanescente de quilombolas.

A área referida vem sofrendo inúmeros casos de violência contra os quilombolas, cujas denúncias já foram objeto de audiências realizadas pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais por mais de três ocasiões.

Ademais, as violências perpetradas pelos fazendeiros descontentes com a expropriação desse território, também já foi objeto de investigação pela Polícia Federal e por fim, pela Equipe de investigação da Policia Civil de Minas Gerais, chefiadas pela Ilustre Delegada, Dra Andrea Pochman, a qual relatou em inquérito policial que de fato havia formação de milícias armadas nesse território quilombola.

Não obstante, as investigações realizadas e a conclusão de que havia um esquema de formação de milicia financiada por fazendeiros e “vaqueiros”, travestidos de jagunços contratados, todos bem armados, a policia requereu na justiça local a prisão preventiva e a busca e apreensão das armas dos integrantes dessa quadrilha, tendo sido indeferido (negada) a prisão dos fazendeiros e jagunços, bem como a apreensão das armas, em meados de dezembro de 2011 a janeiro de 2012.

Tal fato, da negativa pela justiça local, da prisão dessa milícia armada, causou perplexidade à todas as organizações de Direitos Humanos, bem como, foi interpretado pelos jagunços de que poderiam continuar com as intimidações e violência aos quilombolas livremente dada a omissão das autoridades locais.

Após esse episódio, nos meses seguintes do ano de 2012, outras denúncias de violência contra os quilombolas foram encaminhadas às diversas Instituições governamentais e não governamentais pela Comissão Pastoral da Terra.

Extraem-se, dentre as denuncias referidas, notícias de ameaças, tentativas de homicídio, facadas, brigas e discussões contra os quilombolas.

Até que, em meados de junho de 2011 um dos jagunços, cuja prisão fora pedida pela policia e negada pela justiça local, de nome ROBERTO CARLOS PEREIRA, numa covarde ação, desfere vários golpes de faca contra um quilombola de nome EDMILSON DE LIMA DUTRA que quase veio a óbito.

Desta feita, mesmo que o autor da tentativa de homicídio contra o quilombola Edmilson, de nome ROBERTO CARLOS PEREIRA, já tivesse sua prisão requerida pela polícia e negada pela justiça local por formação de bando/milícia, após esse fato das facadas por ele desferidas, não teve sua prisão decretada, respondendo ao processo de tentativa de homicídio contra o quilombola EDMILSON, solto.

Tal ROBERTO CARLOS, era conhecido na região por ser agressivo e violento, mas mesmo assim, não teve sua prisão decretada pela tentativa de homicídio contra EDMILSON.

No dia 14 para 15 de setembro do ano de 2012, numa manifestação dos quilombolas contra a morosidade do INCRA/MG em acelerar as expropriações do território quilombola, preocupados também, que o decreto presidencial de desapropriação expedido em 29/09/2011, conforme publicação no D.O.U., caducasse, reocuparam a Fazenda N. S. Aparecida/Orion e desse desfecho resultou na morte de ROBERTO CARLOS PEREIRA por um disparo de arma de fogo.

No mesmo dia 15/09/2012, ainda na parte da manhã, foram presos em flagrante delito por porte de arma, quatro jagunços, tendo sido soltos no mesmo dia por meio de pagamento de fiança, e mesmo diante das antigas violências relatadas pela Delegada Andréa Pochman, a prisão deles não foi decretada.

No dia 21/09/2013, a policia local, prende Edmilson de Lima Dutra, nas primeiras horas do dia, sem mandado judicial. Todavia, sob o argumento de que o Edmilson estaria fugindo para São Paulo, o Delegado de Policia pede a prisão preventiva e o mandado só foi expedido na parte da tarde do dia 21/09/2012, mas o mesmo já se encontrava preso.

Constata-se pelas apurações que Edmilson estava indo da comunidade rural para o centro de São João da Ponte em busca de tratamento pelas sequelas das facadas que recebera de ROBERTO CARLOS PEREIRA.

No dia 27/09/2012, a policia, prende mais quatro das lideranças quilombolas, entre eles: Joaquim Fernandes de Souza, Joanes Rodrigues de Castro, Édio José Francisco e Sérgio Cardoso de Jesus, ao argumento de que havia recebido denúncias anônimas de que estes eram os autores do homicídio contra o tal ROBERTO CARLOS PEREIRA. Mesmo com tais denúncias anônimas, nas diligëncias em que a própria policia efetuou, não havia identificado, o, ou, os autores, remetendo o relatório da policia inconcluso para o Ministério Público local, que, mesmo sem elementos probatórios suficientes de autoria ofereceu a denuncia contra os referidos quilombolas e outros sem qualificação completa, que não foram citados para o processo penal por não terem sido identificados, permanecendo o mandado de prisão em aberto contra esses últimos e havendo o desmembramento do processo contra eles.

Destaca-se pelos vários depoimentos das testemunhas dos quilombolas presos, que nenhum deles participaram ou sequer estavam no local dos fatos, mas, mesmo assim a justiça em reiteradas vezes nega a liberdade dos aprisionados.

Face a esses acontecimentos, a Comissão Pastoral da Terra, vem se posicionando pela verdadeira e isenta apuração dos fatos, com punição ao verdadeiro autor dos fatos, com apuração e averiguação séria e imparcial por parte das autoridades locais, mas, se posiciona contra qualquer suspeita de tentativa de criminalização de lideranças que buscam a efetividade do direito à titulação das terras ancestrais do povo quilombola.

Ato contínuo, mesmo que os acusados tenham apresentado cerca de 17 testemunhas que afirmaram em Juízo que eles não estavam no dia dos fatos que culminaram com a morte do vaqueiro ROBERTO CARLOS PEREIRA, o Juiz da Comarca de São João da Ponte, Dr. Isaias Caldeira Veloso, pronunciou a todos mandando o julgamento deles para o Tribunal do Juri da Comarca de S. J. da Ponte/MG.

Cabe destacar, o pensamento do Juízo local no tocante ao seu julgamento ideológico e visão preconceituosa contra os quilombolas, veja-se este pequeno fragmento da sentença de pronúncia, diz o Juiz:

“…A incitação ideológica é a mãe da barbárie e essa gente simples brasileira se vê usada como massa de manobra de radicais políticos, que querem a implementação dos seus objetivos a qualquer custo, mesmo que de vidas inocentes…” (nesse ponto abro parênteses para relembrar que a vítima fatal era um conhecido jagunço com passagem pela policia por tentativa de homicídio contra um quilombola e agressões na comunidade. Inocente? Só o juiz que entendeu isso).

Continua o Juiz:

“….Tangidos por discursos inflamados de ideólogos, perdem a natural afeição aos seus, e como na implementação do comunismo na Rússia, irmãos e amigos de infância esquecem-se desses laços comuns, e agem como feras, sem medirem seus atos, inclusive assassinando, se assim entenderem. São os menos culpados, mas aqueles que os orientam nunca se sentam nos bancos dos réus, restando aos executores dos atos criminosos a força da lei….”(pág. 641 dos autos n. 0019747-50.2012.8.13.06240-Vara única da Comarca de S. J. da Ponte/MG).

Diante disso, o julgamento dos quilombolas nessa comarca é temerário, na medida em que os ânimos da população local demonstram a aversão pelas ocupações de terras pela comunidade quilombola, mesmo já tendo o INCRA INICIADO AS DESAPROPRIAÇÕES por meio do decreto expropriatório expedido pela Dilma em 29/09/2011.

ELCIO PACHECO
OAB/MG 117511.

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