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Após 15 anos Fazenda Santa Elina é cortada pelos camponeses

Entrada da Fazenda Santa Elina tomada pelos camponeses - 2010

Entrada da Fazenda Santa Elina tomada pelos camponeses - 2010

Bandeiras do CODEVISE e da LCPDepois de 15 anos de muita luta e resistência, finalmente as terras da fazenda Santa Elina começaram a ser cortadas pelas mãos dos camponeses.  No mês de outubro foi concluído o corte popular de parte da Fazenda Santa Elina totalizando 3.164 alqueires (correspondente a área denominada como Água Viva) que já não pertence mais ao latifúndio.

Todo o processo do corte foi decidido, preparado e executado pelos próprios camponeses, organizados pelo CODEVISE – Comitê de Defesa das Vítimas de Santa Elina e pela LCP – Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia e Amazônia Ocidental. Em assembleia foi definido todos os detalhes de como seria feito o corte e uma comissão foi encarregada para executar a decisão. Vários camponeses foram envolvidos e se revezaram nas diversas tarefas, enquanto uns operavam os equipamentos, outros preparavam a alimentação, outros carregavam água, abriam picadas, organizavam os marcos, etc.

Os trabalhos se iniciavam de manhã bem cedo e iam até tarde da noite. E assim foi diariamente, durante quase dois meses de trabalho. Apesar de cansativo, era um trabalho feito com gosto e que dava alegria em todos, pois sabiam que estava sendo concretizada uma promessa de mais de 15 anos.

Estavam cortando a terra com suas próprias forças sem depender de enrolação e mentiras de Incra e de nenhum órgão do governo.  A terra que antes era de apenas uma família e só produzia capim e miséria, agora serve para produzir alimentos, sustentar centenas de famílias e desenvolver a região.  E mais que isso, foi finalmente cortada a terra que a 15 anos atrás foi regada com o sangue de tantos companheiros que por ela lutaram. E por isso o corte dessa terra tem um significado muito especial.

A área foi cortada em cerca de 250 lotes de 8 alqueires e foi preservado cerca de mil alqueires de mata. Assim que as linhas iam sendo abertas, recebiam o nome de um dos camponeses assassinados em 1995. E a medida que as parcelas iam sendo cortadas já era prontamente realizado o sorteio e a entrega dos lotes aos seus novos e legítimos donos. Chegada de famíliasO sorteio foi realizado por grupos, por ordem de chegada ao acampamento e intercalando com as famílias das vítimas de 1995.

Durante os sorteios, muitos não conseguiam esconder a emoção. Vários camponeses tiravam o papelzinho com o número do seu lote com os olhos brilhando, outros nem conseguiam abrir de tanto que a mão tremia. Nas diversas falações, os camponeses expuseram a imensa alegria que estavam sentindo pela realização do sonho de ter um pedaço de terra, e a maioria falou com firmeza: “dessa terra, agora ninguém me tira mais!”.

E várias famílias não perderam tempo, já partiram pra cima de sua parcela, estão construindo suas casas e iniciando a produção. Vários lotes já foram gradeados e iniciaram a semeadura de diversos cultivos. Além disso, uma horta coletiva já havia sido organizada desde o início de setembro.
Trator gradeando a terra - 2010terra pronta para receber as sementesplantio de sementes

Velho Estado quer manter os camponeses fora da terra, pagando multa ou na cadeia

Mas o avanço da Revolução Agrária na área da fazenda Santa Elina não tem sido fácil. Além de ter que enfrentar diversos elementos oportunistas dentro e fora da área, os camponeses têm sofrido com as ameaças do velho Estado, através de seu judiciário e aparatos policiais.

Desde a ocupação em 25 de julho de 2010, já foram mais de 5 incursões seja da polícia militar como da civil na área. Em todas elas o objetivo era intimidar os camponeses, ameaçar e mesmo prender lideranças, além de fazer levantamento e reconhecimento da área para ações de repressão.

Já a juíza Sandra Beatriz Merenda, da 2ª Vara Cível de Vilhena, expediu em agosto de 2010 uma liminar de reintegração de posse para a área ocupada, alegando que “se trata de propriedade plenamente produtiva”, estipula multa diária de R$ 500,00 e determina que a polícia identifique e conduza os ocupantes para a delegacia. Além disso, determinou para as fazendas vizinhas o interdito proibitório, mandando prender todos os que simplesmente estiverem próximos daquela área.

Em nenhum momento a juíza leva em consideração o fato de que a área em questão já foi palco de um dos mais sanguinários crimes do latifúndio contra a luta camponesa. A juíza simplesmente ignorou todo o processo de discussão do Comitê de Defesa das Vítimas de Santa Elina com o governo federal , tendo inclusive a área sido disponibilizada para fins de reforma agrária, através de decreto.

Mas como é de praxe em Rondônia, a “justiça” do velho Estado serve aos interesses dos exploradores, os latifundiários, os grandes burgueses e seus politiqueiros. E a cada nova decisão judicial enquanto por um lado se ataca os mais pobres, particularmente os camponeses, e criminaliza sua justa luta, por outro a “justiça” acoberta os mais odiosos crimes do latifúndio.

Vítimas de Santa Elina em Brasília exigem indenização e corte da Fazenda Santa Elina - 2007

Incra se soma aos ataques contra a luta das famílias da Santa Elina

Recentemente funcionários do Incra de Colorado  do Oeste tem dado declarações responsabilizando as famílias que ocuparam a área pelo não andamento do processo  de desapropriação da Fazenda Santa Elina. Ora, já são mais de 15 anos de espera, de negociações, conversas, acordos e promessas não cumpridas. Será que é mesmo responsabilidade das famílias até hoje a Santa Elina não ter sido cortada pelo governo? Com razão o povo já cansou de esperar por quem não vem, já cansou de esperar pela falida reforma agrária do governo e agora está aplicando a Revolução Agrária, tomando e cortando as terras e entregando as parcelas para quem nela trabalha.

Manifestação em Corumbiara

E várias famílias da área afirmam sem dúvida, “que se hoje estamos vendo a Santa Elina sendo cortada, devemos isso a LCP e principalmente ao CODEVISE, que desde muitos anos tem lutado com nós, fazendo ocupações, denúncias, organizando tratamento de saúde, fomos a Brasília acampamos quase um mês lá em 2007, acampamos na terra várias vezes… Se não fosse a Liga e a luta das vítimas, ninguém nem estaria discutindo sobre essas terras hoje.”

E diante das ameaças de repressão e despejos, reproduzimos trecho de nota do CODEVISE, onde deixa claro a disposição de resistência das famílias: “E uma vez mais, reafirmamos que nós, vítimas de Santa Elina e demais camponeses que desde o dia 25 de julho estamos acampados nessa fazenda estamos dispostos a resistir a qualquer tentativa de despejo.

Essa terra é nossa, está regada com o nosso sangue e o de nossos familiares. Retomamos essa terra e dela não vamos mais sair, aqui vamos cortar os lotes, distribuir para as vítimas de Santa Elina e demais famílias de camponeses pobres. Nessa terra vamos trabalhar, viver com dignidade e construir um novo futuro para nossos filhos, custe o que custar!.”

Que assim seja!