Crítica ao livro “Corumbiara caso enterrado”, de João Peres/PT

Luta camponesa

Manifestação em Corumbiara, durante o 4° Congresso da LCP (9/8/2005). Nessa ocasião a LCP reafirmou seu compromisso de lutar pela tomada e corte da fazenda Santa Elina.

No dia 9 de agosto, completaram-se 20 anos da heroica resistência camponesa de Corumbiara, conhecida internacionalmente como massacre de Corumbiara. Este fato importantíssimo da nossa história, nunca foi esquecido por organizações populares e democráticas de todo o país, uma vez que a compreensão profunda de seu significado revela que os camponeses só conquistam a terra e demais direitos lutando de forma organizada e combativa. E mais, que eleição não muda nada e que a luta camponesa é fundamental para mudanças verdadeiras no país como um todo.

O livro Corumbiara, caso enterrado, está sendo lançado em todo o Brasil com ampla cobertura dos monopólios da imprensa. Já na contra capa, se auto proclama “uma nova chance de se conciliar com a realidade” e na página 15, promete honestidade e imparcialidade. Mas as páginas escritas por João Peres, certamente com a supervisão de alguns quadros do PT, são tendenciosas. Apesar de criticar o latifúndio, o ex-governador Valdir Raupp (PMDB) e alguns oficiais das polícias, apresentando dados concretos, esmiuçando a farsa da investigação e julgamento, faz isso para confundir e esconder seu verdadeiro objetivo: atacar a luta camponesa combativa e defender o PT e o oportunismo.

O PT tenta com este livro se mostrar apoiador da luta das famílias de Santa Elina e esconder a realidade: nos últimos 20 anos, 12 dos quais sob gerenciamento petista, melhorou a situação do latifúndio e piorou a situação dos camponeses, populações indígenas, ribeirinhos e quilombolas, especialmente de suas lideranças combativas. Os latifundiários aumentaram seu poder no velho Estado, cresceu enormemente os empréstimos públicos para o “agronegócio”, aumentou a concentração de terras, Lula chegou a dizer que os usineiros, que enriquecem às custas de trabalho escravo, são “heróis nacionais”. Apesar da reforma agrária ter sido uma das principais promessas de Lula/PT, assentaram menos camponeses que o bandido FHC, incrementaram a repressão aos camponeses em luta pela terra com o uso de tropas da Força Nacional e do Exército, aumentou o número de camponeses e indígenas assassinados. Há anos, Rondônia divide com o Pará o posto de estado com mais mortes em conflitos por terra, mas para João Peres/PT isso não importa, pois “Rondônia adotou uma correção de rumos nas operações de reintegração de posse” (p. 22).

A política agrária pró-latifúndio do PT não aparece no livro. Já a LCP (Liga dos Camponeses Pobres), outras organizações e pessoas combativas são mostradas como vilões, do mesmo gabarito que os mandantes de toda sorte de barbaridades cometidas contra os camponeses – o latifundiário Antenor Duarte, o governador na época Valdir Raupp (PMDB) e o comandante da PM tenente coronel José Ventura Pereira. Não podíamos esperar tratamento diferente do PT, nós que sempre os desmascaramos como sendo farinha do mesmo saco, do PSDB, DEM, Pecedobê e todas as outras siglas do Partido Único.

Não deixaremos que este lixo produzido pelo PT manche a memória dos bravos combatentes, dos homens, mulheres e crianças que deram suas vidas em 1995 lutando pelo sonho de um pedacinho de terra, nem as organizações populares, democráticas, revolucionárias que seguem lutando, enfrentando toda sorte de violências, ameaças, difamações, prisões, desaparecimentos, torturas e assassinatos, assim como os povos indígenas Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, dispostos a lutar até a morte por suas terras.

Vamos à verdade dos fatos.

Luta pela indenização das vítimas de Santa Elina

A LCP, o Codevise (Comitê de Defesa das Vítimas de Santa Elina), o Socorro Popular, a Liga Operária e outras organizações populares democráticas sempre lutaram com as famílias de Corumbiara pelo tratamento de saúde, indenização e a retomada da fazenda Santa Elina. Não só em palavras, principalmente em ações.

Uma das principais lutas foi em meados de 2007, o acampamento em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília, onde famílias de Corumbiara estenderam uma grande faixa: “Presidente, cumpra sua promessa!” Em 1995, nos dias seguintes a batalha de Corumbiara, Lula, então candidato a presidente, esteve no acampamento e prometeu que se fosse eleito, cortaria a fazenda Santa Elina para as famílias, indenizaria as vítimas e puniria os responsáveis. Em 2007, no primeiro ano de seu segundo mandato, Lula sequer recebeu os camponeses que acamparam durante 23 dias, enfrentando as intempéries, tentativas de despejo pela polícia e todo tipo de pressão.

Importante frisar: os organizadores da luta pediram apoio e arrecadação para diversas entidades, inclusive para o STR e a Fetagro, mas estes não ajudaram com NADA! Ao contrário, a então senadora Fátima Cleide/PT foi até o acampamento em Brasília tentar esvaziar a luta, oferecendo passagem aérea para quem quisesse desistir do acampamento e voltar para Rondônia.

Posteriormente, fruto desta luta, ocorreu uma “reunião” em Ji Paraná com Paulo Vanucci, então secretário de direitos humanos do governo federal (coincidentemente João Peres já trabalhou para essa secretaria do gerenciamento do PT). Centenas de camponeses de Santa Elina de toda Rondônia participaram, esperançosos por resultados. Vanucci/PT falou por quinze minutos, disse que a indenização era de responsabilidade do governo estadual, virou as costas e deu por encerrada a reunião, revoltando todos os presentes.

Apesar do governo Lula/PT ter acertado que o Codevise era a organização que representava as famílias de Santa Elina, liberou R$98.000,00 para um projeto da Fetagro, que previa assistência jurídica e psicológica para os camponeses de Corumbiara e outras áreas. Típica manobra da Fetagro, desviar recursos para campanha eleitoral dos candidatos petistas, como Lazinho da Fetagro/PT. Representantes do Codevise e LCP convocaram uma reunião com a Fetagro para tentar modificar o projeto, de modo que atendesse apenas às famílias de Santa Elina. Os camponeses, vítimas de Santa Elina, não viram nem a sombra desse dinheiro.

Devido a esta politicagem suja do governo federal do PT e seus agentes nos movimentos oportunistas e que causou desânimo das famílias após mais uma tentativa frustrada da conquista de indenização, o Codevise e a LCP propuseram concentrar na retomada da fazenda Santa Elina.

Este relato, bem resumido, é facilmente encontrado na imprensa popular democrática, mas João Peres/PT mente descaradamente sobre a ocupação em Brasília, na página 270: afirmando que Codevise, Fetagro e STR de Corumbiara organizaram esta luta e omitindo as divergências políticas que a LCP tem com a Fetagro, insinuando que a LCP estava interessada apenas no dinheiro do projeto. E no livro todo, o PT aparece como um apoiador da causa dos camponeses de Corumbiara, coisa que de fato, nunca foi.

Na página 114, o autor cita uma fala de Lula defendendo a indenização, mas em nenhum momento questiona o fato dela não ter saído ainda, mesmo após 12 anos de gerenciamento do velho Estado. As vítimas de Santa Elina tiveram tratamento de saúde física e psicológica graças a organizações populares como o Socorro Popular em Belo Horizonte. Todo ano, camponeses com sequelas das torturas nunca tratadas adequadamente, morrem de doenças, sem terem recebido indenização que poderiam usar para tratamento médico.

Retomada da fazenda Santa Elina

Em 2008 camponeses dirigidos pelo Codevise e com o apoio da LCP retomaram a fazenda Santa Elina. Os oportunistas ligados ao PT e à Fetagro apoiaram elementos bandidos dentro do acampamento, criaram intrigas para dividir as massas, lançaram medo e propuseram acampar fora da fazenda; sabotaram o quanto puderam a retomada da fazenda. Isto, somado a ameaças de pistoleiros, foram determinantes para a derrota temporária desta luta. Em 2010, sob a firme direção da LCP, os camponeses retomaram quase dois terços da antiga fazenda Santa Elina.

Os camponeses seguiram travando duras batalhas, contra ameaças e provocações de pistoleiros e policiais, sabotagens do Incra e dos oportunistas do PT, pressões do Ouvidor Agrário Nacional, Gercino Silva, com suas operações da Polícia Federal e do Exército. Em meio a todo este ataque, os camponeses cortaram as terras por conta, distribuíram os lotes para famílias das vítimas de 1995 e outros camponeses pobres, iniciaram a produção, construíram estradas, pontes e casas, tudo com recursos próprios. As terras regadas com sangue da heroica resistência em 1995 foram inicialmente rebatizadas de Área Revolucionária Zé Bentão, uma homenagem a um dos fundadores da LCP, assassinado em 2008.

Como não conseguiram evitar a retomada da Santa Elina, o PT, através do Incra, Ouvidor Agrário e a Fetagro, impuseram uma lista de famílias totalmente alheias àquela luta histórica, a maioria cabos eleitorais de vereadores, deputados petistas e seus apadrinhados; iludiram a massa para que saíssem de suas terras, dizendo que o corte popular feito por elas não valia e prometendo créditos e financiamentos a rodo. A LCP alertou sobre essa manobra, mas as famílias decidiram sair e o Incra entrou para fazer novo corte das terras. Uma ação que revoltou até os topógrafos do Incra ao constatarem que o corte popular estava impecável. Sob a direção do PT, o Incra diminuiu o tamanho dos lotes, distribuiu mal as fontes de água, deixando mais parcelas secas, mudou o sentido dos lotes fazendo perder as estradas, casas e roças que os camponeses construíram com tanto esforço. Novamente, João Peres não viu nada disto em seus dias de viagem, pesquisa e entrevistas? Ele deve ter sido acometido de cegueira e surdez seletivas, quem sabe?

Mas não fica só nas omissões, que João Peres/PT condena na página 20: “Nada é mais nocivo à construção de versões honestas que a omissão e a ocultação.”No livro não são economizados adjetivos negativos sobre a LCP: manipuladora, faz “do coletivo uma voz em uníssono em que impressões pessoais desaparecem” (p. 253) e inventa o oportunismo de outros movimentospara criar sua imagem de revolucionária (p. 256); igual aos latifundiários, ameaça Claudemir de morte e impede seu retorno à Rondônia (p. 199, 248, 288); alimenta a vaidade das lideranças (p. 197) e tenta comprá-las com tratamento de saúde (p. 136), ao contrário da CUT, que quando faz o mesmo é considerado solidariedade! Aliás, o livro foi encomendado numa boa hora, em que operários de Jirau, metalúrgicos do Rio de Janeiro e professores do Rio Grande do Sul