Delegado e policiais civis de Rondônia são afastados acusados de tortura

Delegado Cristiano Martins Mattos afastado acusado de torturaNo fim do mês de agosto, o juiz Haruo Mizuasaki atendeu pedido do Ministério Público de Rondônia e decidiu pelo afastamento do delegado de polícia civil, Cristiano Martins Mattos e os policiais civis Fernando dos Anjos Rodrigues e Eliomar Alves da Silva Freitas, todos de Ouro Preto d’Oeste. Eles são acusados de torturar Adimar Dias de Souza.

O juiz determinou a transferência do grupo para outra delegacia e ordenou o afastamento de suas funções pelo prazo de 180 dias ou enquanto durar a instrução criminal. A Corregedoria Geral da Polícia Civil de Rondônia também abriu processo administrativo-disciplinar.

De acordo com o MP e a Corregedoria da Polícia Civil o delegado e os policiais civis torturaram Adimar.

Adimar Dias de Souza, preso e torturado por policiais civis
Adimar Dias de Souza, preso e torturado por policiais civis

Adimar, conhecido como Roliço, é filho de camponeses e nasceu em Vila Verde/ES. Há muito tempo vivia em Jacinópolis com sua família onde adquiriu um lote e passou a produzir na terra. Ele foi preso no dia 23 de abril, acusado sem provas de participação do conflito armado em Buritis que resultou na morte de 6 pessoas, incluindo um agente penitenciário e um policial civil de Ouro Preto, dia 05 de abril deste ano. Adimar foi preso 15 dias após, na casa de seu avô. Segundo informações de moradores da região, antes da prisão, policiais civis espancaram os pais e os filhos de Adimar para obter a sua localização.

O MP denunciou que a prisão de Adimar ocorreu no Município de Novo Horizonte, sem que fosse feito qualquer comunicado às autoridades competentes daquela cidade.

Levado para delegacia, Adimar concedeu entrevista a um canal de televisão negando participação no conflito armado e apresentava perfeito estado físico e mental.

Pouco tempo após sua prisão e sob a tutela do Estado de Rondônia, Adimar foi encaminhado ao Hospital Municipal já desacordado e convulsionando. Posteriormente, foi levado à Casa de Detenção de Ouro Preto em estado de coma. Como não recobrava os sentidos, teve que ser novamente encaminhado ao hospital. No mês de maio deu entrada no Pronto Socorro João Paulo II, em Porto Velho, apresentando sinais de espancamento, asfixia e em estado de coma, conforme aponta movimentação do processo Nº 0001313-27.2012.822.0021 disponível no site do Tribunal de Justiça de Rondônia, comarca de Buritis.

Após sair do estado em que se encontrava, Adimar relatou ter sido torturado para assinar uma confissão, estando hoje com a fala e locomoção comprometidas.

Assim como é condenável a prática da tortura, também é repugnante a cobertura da imprensa marrom sobre o caso. Sobre as acusações de tortura se calam e exaltam os “belos serviços” prestados pelos policiais. Quando se referem a Adimar, vítima de tortura, o tratam como  pistoleiro e assassino sem apresentar nenhuma prova e com isso pretendem justificar a prática de tortura e outras violações dos direitos mais básicos.

O mesmo ocorre na cobertura e organização de manifestação realizada em Ouro Preto por policiais e familiares das pessoas mortas no conflito armado de Buritis. Distorcem e manipulam a dor de parentes que exigiam a apuração e punição para os responsáveis pelas mortes, para condenar o afastamento do delegado e policiais civis acusados de tortura, com dizeres do tipo: “volta delegado” e “deixem a polícia trabalhar”. Na prática é o mesmo que dizer “deixe a polícia torturar”.

flagrante mostra delegado Renato César Morari agredindo suspeito algemado
Flagrante mostra delegado Renato César Morari agredindo suspeito algemado

A tortura e violação dos direitos humanos dentro das delegacias e presídios, longe de ser um caso isolado, é uma prática sistemática em Rondôniaflagrante mostra delegado Renato César Morari agredindo suspeito algemado. Inclusive o Estado já foi condenado várias vezes pela OEA – Organização dos Estados Americanos. Em fevereiro deste ano, o delegado de Polícia Civil de Rolim de Moura Renato César Morari  foi fotografado batendo no rosto de um preso algemado. Após a divulgação das flagrantes imagens, o delegado foi temporariamente afastado. Em agosto deste ano sete detentos do presídio Ênio Pinheiro que estavam sob a responsabilidade do Estado foram mortos carbonizados em consequência de um incêndio.

Recentemente também tem havido denúncias de violações de direitos humanos e trabalhistas e da prática de torturas dentro dos canteiros de obra das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio. Denúncias estas comprovadas por comissão do Congresso Nacional e que originou a criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para aprofundar a apuração dos fatos.

Também não são isolados os casos em que policias civis e militares estão envolvidos em crimes de pistolagem. Recentemente um juiz do Amazonas decretou a prisão de 2 fazendeiros e 14 policiais militares de Rondônia acusados de  ameaça, constrangimento ilegal, pistolagem e formação de quadrilha contra camponeses da região sul de Canutama, perto da fronteira com Rondônia. Isso só para citar os casos mais recentes em que houve maior repercussão ou acusação formal pelo MP e algum tipo de manifestação por parte do judiciário, pois são incontáveis os casos em que sequer são denunciados ou quando o são, não chegam a ser apurados ou sequer acontece qualquer tipo de punição.

Renato Nathan Gonçalves Pereira assassinado cruelmente em Jacinópolis em abril de 2012Também é preciso lembrar o covarde e cruel assassinato do professor Renato Nathan Gonçalves Pereira, assassinado cruelmente enquanto voltava para casa no dia 09 de abril em Jacinópolis, região de Buritis.  Segundo informações e relatos de moradores, Renato foi parado em um bloqueio e covardemente assassinado por agentes da polícia civil de Ouro Preto d’Oeste. Ele foi executado com três tiros à queima roupa, dois na nuca e um no rosto. Sua moto foi encontrada com o capacete ainda no guidom, portanto, uma clara demonstração de que teria sido rendido e depois executado.  Seu corpo apresentava sinais de tortura e tudo leva a crer que sua morte tem relação com uma possível vingança pela morte do agente penitenciário e o policial civil de Ouro Preto no conflito armado ocorrido dias antes em Buritis.

Na ocasião do assassinato do professor Renato, a polícia tendo a frente o agora afastado delegado Cristiano Martins Mattos, o delegado Lucas Torres Ribeiro e o Tenente Coronel Enedy Dias, difundiram pela imprensa ataques e acusações absurdas contra Renato. Ao invés de buscar elucidar os fatos e circunstâncias de sua morte passaram a desqualificar a vítima buscando com isso justificar o assassinato, o que só reforça as suspeitas do envolvimento de policiais na morte de Renato.

Todos esses fatos se somam a uma série de assassinatos e prisões de camponeses não só em Rondônia, mas em todo o país que só esse ano já somam dezenas. A luta camponesa organizada, mais que nunca é criminalizada e atacada pela sanha do latifúndio e seus bandos armados e também diretamente pelos aparatos repressivos do Estado, que agem ao arrepio da lei debaixo do mais ensurdecedor silêncio e cumplicidade do gerenciamento de Dilma Roussef (PT) e Confúcio Moura (PMDB) em Rondônia.

Nós do CEBRASPO sempre condenamos os atos de tortura e assassinatos do passado cometidos pelo regime civil-militar. Tais crimes nunca cessaram e continuam até hoje de forma encoberta no campo e nas cidades e em particular nas verdadeiras masmorras que são as delegacias e presídios brasileiros.

Hoje estamos lutando para que os crimes e criminosos do passado seja revelados e punidos e da mesma forma, exigimos que os praticantes de tortura no presente sejam de fato punidos e paguem pelos crimes que cometeram. Conclamamos a todos os verdadeiros democratas a se somarem a essa luta.

Também repudiamos toda e qualquer afirmação fascista ou tentativa de justificar a prática da tortura e de assassinatos seja ela vinda da imprensa, ou de agentes do Estado que em tese deveriam aplicar a lei.

Abaixo a tortura e o fascismo no Brasil!

CEBRASPO – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos

Rio de Janeiro, 16 de setembro de 2012

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