Reproduzimos abaixo matéria divulgada pelo Jornal A Nova Democracia, publicada em seu portal em 08 de agosto de 2025.

O cartaz, pendurado em uma parede limpa e iluminada, ostentava a foto de Luiz Inácio (PT): chapéu na cabeça, caminhando em meio a homens sobre o chão de terra e galhos quebrados. Ao lado, em letras grandes, a frase propagandística: “Em 1995, Lula ouviu de perto o clamor dos que resistiram. (Fazenda Santa Elina/Corumbiara)”. Logo abaixo, o texto exaltava a suposta transformação da “memória de violência em política de reparação” e listava seis assentamentos criados na região, como se o Estado tivesse sido o agente da conquista. Assinado pelo Incra e pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, o material celebrava a data com promessas de crédito e futuro para famílias assentadas.
Dias depois, no mesmo solo onde a propaganda se apoiava, um camponês foi morto pelo Batalhão de Operação Especiais (Bope) da Polícia Militar (PM) de Rondônia. Helicópteros sobrevoaram a Área Valdiro Chagas, em Machadinho d’Oeste, enquanto tropas armadas disparavam para intimidar homens, mulheres e crianças. O comandante da PM, tenente-coronel Régis Braguin – mais conhecido por vídeos performáticos no Tiktok – anunciou ter “neutralizado um terrorista da LCP”, em menção à Liga dos Camponeses Pobres, sem contudo exibir qualquer mandado judicial ou justificativa legal. Para as famílias, não foi operação: foi execução a serviço do latifúndio.
A ofensiva ocorreu às vésperas dos 30 anos da Heroica Resistência de Santa Elina, episódio que a propaganda oficial trata como capítulo de “superação”, mas que a Liga dos Camponeses Pobres (LCP) descreve como divisor de águas da luta pela terra. Em agosto de 1995, mais de 600 famílias ocuparam a fazenda Santa Elina, em Corumbiara, e resistiram, minimamente armadas com espingardas de caça, paus e pedras, ao cerco de pistoleiros e forças policiais enviadas pelo governo estadual a mando de latifundiários.
A batalha terminou com 13 camponeses assassinados e outros desaparecidos e torturados – inclusive crianças, como a menina Vanessa, de 7 anos, morta por PMs. Como resultado, lideranças e camponeses romperam com a política de espera e negociação e inspirou um novo ciclo de ocupações combativas pelo País.
O assassinato do camponês nessa sexta-feira foi denunciado pela Associação Brasileira de Advogados do Povo Gabriel Pimenta (Abrapo), que também fala da “preparação de um massacre” em Rondônia. “Informamos que a ação continua em curso e que os números de mortos podem aumentar não apenas do que já foram atingidos, mas também os que podem ser, caso esta ação ilegal e desmedida não seja interrompida”, escreveu a Abrapo.
A associação também condenou que o assassinato ocorreu “com a presença do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no Estado de Rondônia, sem qualquer manifestação de repúdio ou ação concreta para conter os abusos das forças repressivas”. “É preciso romper o silêncio e agir”.
Luiz Inácio chegou à Rondônia hoje em sua primeira visita ao estado desde 2010 para anunciar um pacote de “75 obras e investimentos” que, segundo o governo, “beneficiariam 94% da população” do estado. Nenhuma palavra foi dita sobre a morte do camponês, nem sobre a operação armada contra a comunidade.
A coincidência das agendas – incluindo a publicidade da resistência camponesa de 1995 em vergonhoso contraste à repressão sangrenta contra camponeses de 2025 – expõe a contradição central diversas vezes denunciada pela LCP: o mesmo Estado que se apresenta como “protetor” é o que financia e garante a violência contra os que lutam pela terra.
Para a LCP, o folder oficial é “demagogia pura”. E sentenciam, em nota publicada essa semana: “As terras de Santa Elina foram arrancadas com luta e sangue, não com decretos ou favores de governo algum”. O próprio governo de Luiz Inácio é conhecido por sua demagogia em relação à Santa Elina. O portal Resistência Camponesa relembrou em seu portal uma nota publicada pelo Comitê de Defesa das Vítimas de Santa Elina em 2007, na qual as famílias denunciam o governo do PT por não entregar as terras prometidas.
“O governo Lula/FMI já teve mais de 4 anos para fazer alguma coisa e até hoje nada. Se depender deles, vão nos empurrando com a barriga, fazendo reuniões e negociações com pequenos grupos onde só nos defendem de boca”, diz a nota do Comitê. “Não podemos deixar que o senhor Luiz Inácio esqueça a promessa que ele nos fez dias depois do massacre, lá em Corumbiara, quando ainda era candidato”, continua o texto, que conclui conclamando as massas para a luta pela terra.
Já na nota publicada essa semana, a LCP acusou os sucessivos mandatos de Luiz Inácio de fortalecer o latifúndio, tanto pela omissão na entrega de terras quanto pelo financiamento bilionário ao chamado “agronegócio”. Só em 2025, o Plano Safra destinou R$ 447 bilhões ao setor, um recorde que superou os valores concedidos no governo do ultrarreacionário Bolsonaro, enquanto a chamada “agricultura familiar”, responsável por mais de 70% do alimento que chega à mesa da população, recebeu apenas migalhas.
Essa disparidade encoraja o latifúndio a agir com a certeza da impunidade e fomenta a violência, pois o financiamento ao latifúndio fortalece o papel desse setor na economia nacional, aumentando a valorização e disputa pela terra e, em última instância, a violência dos latifundiários contra os pobres do campo.
A Área Valdiro Chagas, alvo da operação, é formada por famílias que produzem alimentos para o mercado interno e reivindicam terras hoje usadas ilegalmente para pecuária extensiva. A LCP afirma que, assim como em Santa Elina, a Resistência não será quebrada pela violência reacionária estatal.
O contraste entre o cartaz verde e amarelo, com slogans sobre “vida” e “futuro”, e o som dos helicópteros sobrevoando comunidades sitiadas, resume a política agrária brasileira: propaganda de paz, sobre o sangue ainda fresco. Trinta anos depois, a luta pela terra continua a ser travada nos campos de Rondônia, não nas salas refrigeradas de anúncios oficiais. E, como em 1995, as famílias insistem que a única reparação verdadeira virá da conquista e defesa das terras com as próprias mãos.