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Dois camponeses e uma luta – O caminho e a flor do açaí

A academia, UFAC, em uma sessão temática, se reuniu à comunidade campesina em um abraço de saberes, científicos e tradicionais, discutindo a expropriação e luta pela posse e uso da terra amazônica, mediante a fala em forma de “conversa” de dois camponeses que expressaram o desejo e o sonho dos camponeses pobres do Estado de Rondônia e de todos os cantos e recantos do planeta terra.

As palavras dos dois senhores da terra começaram a brotar e a tomar de conta do anfiteatro como se fossem sementes de açaí nascendo em um limo fértil… Respirei fundo, aconcheguei-me à cadeira, comecei a sentir no peito e na alma o cheiro e a cor do açaí…

Na condição de uma pessoa que faz parte da academia lembrei-me, de pronto, do pensador, biólogo, Humberto Maturana, que prega a biologia do amar e do conhecer para a formação humana, cujo conteúdo favorece a compreensão em todos os domínios da vida.

Aqueles homens da terra, emblemados pela biologia do amor, fundamentam-se na arte de saber mover-se e do prazer de dar-se com a confiança de que serão acolhidos… Seguros disso e com a precisão do caminho percorrido e do ainda a seguir, tinham razão…

As suas ideias, sonhos e vigor de viver decentemente o direito inalienável de se ser feliz, alimentando-se e reproduzindo-se na e com a terra, foram abraçados por nós, mostrando-nos que a densidade do cheiro e sabor do açaí, inerentes à força e justeza de sua luta, lindamente chamada, por hora, de o “corte de terra”, sublinhou em nossas consciências a unidade inseparável e dialógica entre emoção e razão.

E, assim, eles chegaram… E, assim, nos deixaram pensando sobre o caminho que, como diz a sua conversa em forma de canção à vida, se faz ao caminhar…

A conversa expressa a arte de saber fluir sonhos e pegadas como se fosse o fio que cerze o entrelaçamento do linguagear, do emocionar e do viver em espaços relacionais as nossas ações que deverão expressar o pensar, o desejo e o saber fazer…

O mesmo gesto, o mesmo discurso, a mesma conversa terá um sentido, um caráter conforme a emoção que o embalou. Sendo assim, diz Maturana, é a emoção que guia o fluir histórico, são centrais na evolução humana, porque definem o curso de seus afazeres, onde estão, para onde vão, onde buscam seus alimentos de viver e de se reproduzirem…

Com a emoção da arte de saber amar a si próprio, o outro, o irmão e a nossa mãe Terra, que eles caminham com os pés descalços dos valores torpes que fetichizam a forma como a sociedade se encontra organizada sob a vontade autoritária de um capital sem limites.

Fincados a terra, como se fossem a raiz da flor do açaí, sabem que somente eles podem e devem cuidar dela, a terra, porque somente eles sabem prestar atenção aos seus palmos como se possuíssem o princípio sagrado do deus dos povos da floresta, o deus tirawa…

Com a sabedoria apreendida com os ensinamentos da mãe natureza são cônscios de que somente eles sabem ouvir os seus murmúrios a lhes confidenciar os seus segredos e desejos de ficarem livres dos ranços que permeiam os desígnios imperialistas de machucá-la, roubá-la de si mesma e de seus filhos…

Por isso, historicamente, dançam sobre a terra, em forma de uma luta social e política, somente compreendida e respeitada pelos humanos enlaçamentos pelos sentimentos de pertencimento a terra e a vida. Talvez, por essa razão, que não se dobraram a tons que não advém da terra, colocando-se sempre, ao longo da vida, de forma esguia e resistente aos impropérios do avanço da máquina imperialista que produz apenas máquina.

Certamente, por tudo isso, que continuam a reverenciar a Mãe natureza visando cumprir os seus desejos, porque entendem que somente eles, os campesinos e os povos tradicionais em geral, são, de fato, os verdadeiros filhos da mãe terra e, por ela, abençoados…

Elane Andrade Correia Lima