LCP divulga Dossiê sobre a área João Batista

A LCP divulgou um Dossiê onde faz denúncias de diversos crimes cometidos contra os camponeses de Cujubim, como tortura, ameaças e tentativas de assassinato. Segundo o Dossiê esses crimes estão sendo cometidos por pistoleiros contratados pela latifundiária Maria Della Libera e madeireiros, sendo tudo acobertado e apoiado por juízes e policiais.

Dossiê
Acampamento João Batista

Rio Crespo e Cujubim/Rondônia
Março de 2009


Histórico do Acampamento João Batista

Em janeiro de 2009, cerca de 30 camponeses tomaram um burareiro na linha C100, estrada do Oriente Novo, Lote 03, na divisa dos municípios de Rio Crespo e Cujubim, Rondônia e montaram o acampamento João Batista. A área estava abandonada, inclusive os camponeses já tinham pedido vistoria para o INCRA desde 2008, mas como não tiveram resposta, tomaram por conta própria. Quem se diz dono da área é Maria Della Libera, moradora de Ariquemes.

Área Terra Boa
Área Terra Boa

O precursor do acampamento João Batista foi o acampamento Terra Boa, que existe desde final de 2007 em um Burareiro na linha C100 no município de Rio Crespo. São acampamentos vizinhos que juntos somam 80 lotes. Depois de cortados os lotes do João Batista os camponeses do Terra Boa e Lamarquinha precisarão percorrer apenas 37 Km para chegar em Cujubim, diferente dos 66 Km de hoje. Também facilitará o acesso de Rio Crespo a Cujubim. Em apenas um ano os camponeses do Terra Boa cortaram os lotes por conta, distribuíram, começaram a construir suas casas e preparar a produção. Durante este período eles contaram com o apoio dos camponeses vizinhos da Área Lamarquinha que reconhecem que a região melhorou depois do início do Acampamento Terra Boa.

Também os camponeses da linha C90 e do Oriente Novo apóiam os acampamentos, pois eles estão transformando em terra produtiva esta região que é um verdadeiro deserto de latifúndios e burareiros abandonados.

Desde 2008 Cujubim vem sofrendo com a Operação Arco de Fogo do Ibama, Polícia Federal e Força Nacional que fechou várias madeireiras e serrarias, jogando a própria sorte centenas de trabalhadores e acabando com pequenos e médios comércios das cidades. O depoimento de alguns dos acampados ilustra bem esta situação:

“Eu morava em Cujubim e trabalhava numa serraria. Depois que a Força Nacional e Polícia Federal fecharam várias madeireiras eu fui demitido. Conheci uma pessoa que me informou sobre o novo Acampamento e disse que lá eu poderia conseguir um pedaço de terra para trabalhar. Como eu não tinha saída, fui para o acampamento.”

“Morava no Vale do Paraíso, lá não tem emprego, cidade pequena, todo mundo sabe. Vim atrás de conseguir uma terra.”

“Morava e trabalhava em Cujubim. Aí com essa operação do Ibama que chegou fechou as madereiras, ficamos desempregados. Como não estávamos em condições de pagar aluguel viemos pra o acampamento.”


Juiz de Ariquemes toma partido da fazendeira descaradamente

No dia 2 de fevereiro, o juiz Danilo Augusto Kanthack Paccini convocou uma audiência para ouvir as duas partes do conflito, mas nem se deu ao trabalho de tentar disfarçar seu posicionamento totalmente favorável à fazendeira Maria Della Libera. Sem investigar, aos gritos, histérico, disse que no acampamento não havia sem-terras, apenas bandidos.

O juiz Danilo Paccini trabalhou antes na comarca de Buritis aonde também perseguiu camponeses em luta pela terra.


Sem nenhuma ordem judicial, polícia acompanha pistoleiros para vistoriar e ameaçar aos camponeses

TirosNo dia 4 de março a PM e a Polícia Ambiental acompanharam 8 pistoleiros ao acampamento João Batista. Eles não tinham nenhuma ordem judicial, apenas a ata da audiência com o juiz Danilo Paccini em fevereiro. Queriam saber se tinha alguma arma no acampamento, os camponeses disseram que suas armas eram foice, enxada, enxadão. Revistaram bolsas, barracos e objetos pessoais. Apreenderam 10 foguetes, fotografaram as placas de motos, pegaram documentos de todos e ainda ameaçaram voltar a qualquer momento e queimar todos os barracos com os pertences pessoais dentro se os camponeses não saíssem da área. Depois que os policiais saíram, os pistoleiros ficaram na sede da fazenda disparando vários tiros contra o acampamento, comandados por um dos filhos da fazendeira Maria Della Libera. Nos dias seguintes eles ficaram portando armas ostensivamente, inclusive um adolescente de cerca de 15 anos, intimidando e ameaçando os camponeses. Fizeram barreira num carreador que dá saída pro Lamarquinha, paravam todos que passavam pela estrada e impediam a passagem.

A ida da polícia deu força para a fazendeira, sua família e seus pistoleiros. Como eles se certificaram de que os camponeses não tinham armas quase fizeram um massacre no acampamento.

Despejo

No dia 12 de março, os camponeses do acampamento João Batista foram despejados por cerca de 12 policiais do GOE de Ariquemes acompanhados da fazendeira Maria Della Libera, seus filhos e pistoleiros. Eles estavam em três viaturas da GOE, um gol preto da fazendeira e numa caminhonete Hilux preta de propriedade do madeireiro Chaule.

Os camponeses saíram das terras e montaram acampamento no outro lado da estrada. Depois do despejo os policiais fizeram uma pequena comemoração regada a refrigerante e pão com carne moída, contando piadas e dando muita risada com a fazendeira, seus filhos e pistoleiros. Camponeses viram policiais entregarem algumas munições aos pistoleiros.

Depois que os policiais foram embora os pistoleiros deram tiros e gritaram: “Agora o negócio vai ser na bala!”. Derrubaram os barracos com moto-serra e meteram fogo em tudo, envenenaram os 4 poços construídos pelos camponeses com diesel e veneno para mato.


Pistoleiros da Maria Della Libera torturam um jovem camponês

Camponês torturado em Cujubim
Camponês torturado em Cujubim

No mesmo dia 12 de março, por volta das 19 horas camponeses estavam tomando banho no rio próximo ao acampamento provisório quando uma caminhonete Frontier chegou em alta velocidade e parou em cima da ponte. Três pistoleiros saíram com as armas apontadas para os camponeses, gritando, xingando e atirando para todos os lados. Eles estavam embriagados e provavelmente sob efeito de entorpecentes. A fazendeira Maria Della Libera acompanhou tudo de dentro da caminhonete.

Os pistoleiros pegaram um jovem camponês, todos os outros conseguiram fugir. O jovem se ajoelhou com as mãos pra cima, levou vários chutes na cabeça e um na nuca, que o fez cair pra frente, quando levou um golpe no peito com o cano de uma espingarda que o deixou sem ar por um momento e com um vergão no peito e pescoço. Os pistoleiros ameaçaram matá-lo se ele não dissesse quem era o líder do acampamento, mas ele respondeu que não sabia. Um pistoleiro chamou-o separadamente, o jovem não quis ir com medo de ser assassinado, mas o pistoleiro puxou-o com violência. Disse que era P2, estava ganhando um dinheiro extra e que repartiria com ele se cooperasse. O jovem foi empurrado aos socos para dentro da caminhonete e levado para a sede da fazenda.

Na sede, tinha um pistoleiro na porteira e outros na casa e na mata, que se comunicaram com tiros pra cima. Lá, continuaram a torturar o jovem querendo que ele dissesse quem era o líder do acampamento. O jovem sustentou que era novo no acampamento e que não conhecia nenhum líder, que aprendeu que o líder é o povo, pois todos estão ali com o mesmo objetivo, pensando a mesma coisa. Um pistoleiro que estava mascarado apontou o revólver na testa do jovem e disse: “Hoje você vai morrer!”, desviou um pouco a mira e disparou o revólver até descarregá-lo. Os tiros passaram próximo do ouvido do jovem. O pistoleiro recarregou o revólver e disparou novamente. Depois ele se afastou um pouco e deu um chute no rosto do jovem.

Os pistoleiros levaram o jovem para o acampamento. Chegaram lá atirando pro alto e apontando para os camponeses. Alguns acampados, inclusive mulheres e crianças correram para mata assustados. Enquanto isso o jovem ficou na caminhonete vigiado pela fazendeira Maria Della Libera que estava com uma arma longa. Os pistoleiros falaram pros camponeses colocarem seus pertences no carro que eles levariam aonde os camponeses quisessem. As famílias perguntaram pelo jovem, os pistoleiros o tiraram do carro e mandaram-no também arrumar suas coisas. Ele e outros camponeses conseguiram se esconder na mata. Uma mulher com 4 crianças e dois homens pediram para serem levados para o acampamento Terra Boa, mas foram deixados na boca da linha, distante 60 Km aonde os camponeses passaram a noite, ao relento.


Pistoleiros da Maria Della Libera acertam dois tiros no camponês Pelé

Marcas de tiro na perna do camponês Pelé
Marcas de tiro na perna do camponês Pelé

Às 10 horas da noite, o camponês Pelé e duas camponesas representantes do Acampamento João Batista chegaram de táxi no local onde os camponeses estavam acampados. Eles tinham ido denunciar a situação do acampamento na sede da LCP, em Jaru, para a representante da Ouvidoria Agrária Nacional, Sra. Márcia, do Incra de Rondônia e para o presidente Luiz Inácio que esteve em Porto Velho, no dia 12. Quando o táxi parou para deixar as duas representantes do acampamento, a fazendeira Maria Della Libera, três filhos, nora e pistoleiros fortemente armados abriram a porta do taxi, apontaram armas para os ocupantes, falaram: “Sai, sai, sai, deita no chão!” e xingaram palavrões. Quando reconheceram o Pelé mandaram-no deitar no chão enquanto gritavam: “Vocês são da Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia. Você é o chefe da área”. Apontaram uma arma para sua cabeça e disseram que iam atirar para matar. Os camponeses escondidos no mato atiraram pedras nos pistoleiros e gritaram “Não matem ele senão a coisa vai ficar feia”. Os pistoleiros viraram-se para o lado dos camponeses e nesse momento Pelé correu, atravessou uma ponte, pulou um barranco e entrou na mata. Assim que viram, os pistoleiros descarregaram uma pistola 9mm na direção de Pelé e conseguiram acertar dois tiros em sua perna. Depois deram vários tiros, na direção do Pelé, foram tantos que a estrada ficou cheia de cascas de munição e algumas árvores foram cortadas. A fazendeira e os pistoleiros ameaçaram achar Pelé onde ele estiver e matá-lo e matar todas as famílias, inclusive as mulheres e crianças, se não saíssem das terras ou se voltassem.

Depois de atingido o Pelé caiu numa lagoa, saiu e deitou-se no chão para se proteger dos tiros. Ele se arrastou pela mata a noite inteira com uma bala encravada na carne que ele mesmo arrancou com um espinho. Ele foi chegar na casa de um camponês às 2 horas da tarde do outro dia.

Pelé não é líder do Acampamento João Batista, é um apoiador da luta pelo sagrado direito à terra, uma liderança camponesa antiga de Rondônia. Ele é odiado por latifundiários da região, já foi preso e processado diversas vezes e já sofreu vários atentados.

Pouco depois, o camponês que tinha ido denunciar em Cujubim chegou acompanhado de policiais da PM, Polícia Federal e da Força Nacional. Eles ouviram as denúncias dos camponeses e viram as cascas das munições disparadas pela fazendeira e pistoleiros, mas como sempre, nada fizeram.


Força Nacional faz “vista grossa” para os crimes da Maria Della Libera

Marcas de tiro na perna do camponês Pelé
Marcas de tiro na perna do camponês Pelé

No dia 13 de março de manhã o jovem camponês que foi torturado pelos pistoleiros esteve em Cujubim registrar ocorrência. Doze policiais da Força Nacional e Polícia Militar foram em três viaturas para o acampamento provisório. Saíram da cidade dizendo que iam achar, prender e desarmar os pistoleiros, mas era só fogo de palha. Quando chegaram, não fizeram nada, mesmo o Pelé ainda estando sumido no mato, mesmo vendo as cascas das munições recolhidas pelos camponeses, mesmo vendo as marcas de tiros nas árvores, mesmo ouvindo os relatos das famílias. Disseram que não podiam fazer nada porque não tinham ordem judicial. Os camponeses estavam desesperados e pediram para eles ajudarem a procurar o Pelé, mas fizeram ouvido de mercador.

Um policial da Força Nacional falou com dois camponeses: “Gente, vão embora daqui, isto aqui não é pra vocês, estão correndo risco de pegar uma malária, levar um tiro. A fazendeira já provou que tem documento da terra, vocês vão perder.”

No dia 16 de março uma caminhonete passou pela estrada do acampamento Terra Boa em direção ao acampamento João Batista. Na volta os camponeses pararam-na e três homens se apresentaram como doutor Alex (falou que era advogado, procurador do dono da área do Terra Boa e da Ouvidoria Agrária), Welington Ponsi, Edimar Mendes (estes dois também disseram ser procuradores do dono). Se disseram amigos do povo e perguntaram o que aconteceu no acampamento João Batista.

Estavam numa caminhonete Hillux prata de placa dianteira NDZ 3540, a placa traseira estava violada.


Latifundiários e madeireiros de Cujubim se juntam para reprimir camponeses

Os camponeses desconfiam que a fazendeira Maria Della Libera não está agindo sozinha e sim sendo apoiada pelo madeireiro Chaule e outros fazendeiros, latifundiários e bandidos da região. Chaule é um dos três maiores madeireiros de Cujubim, conhecido em Cujubim como um boyzinho que dirige em alta velocidade pelas ruas da cidade. Chaule está ajudando os latifundiários interessado em explorar a madeira. O que não conseguirá se as terras forem tomadas pelos camponeses. Sabemos de vários planos de manejo suspeitos do Chaule na região.

PeléNo Acampamento Terra Boa. José Pierre Matias, que se diz proprietário da área, formou um grupo de pistoleiros que fez ameaças e ataques covardes contra as famílias. Pierre contou com o apoio de Chaule (que em troca escondeu na área do Terra Boa bois piratas seus que estavam em áreas de reservas) e Ernandes (assumiu a área, tudo indica que ele compraria as terras se conseguisse expulsar os camponeses. Ele é albergado, por isso quem mais atuava na área era seu irmão Nô, que disse aos camponeses acampados “Não sou o Pierre, vou tirar vocês eu mesmo, não vou chamar polícia, não”).

O pior ataque ocorreu em abril de 2008, quando 28 pistoleiros humilharam e machucaram vários camponeses do acampamento, inclusive mulheres e crianças, e sequestraram, torturaram e ameaçaram dois camponeses da Área Lamarquinha. Camponeses do Terra Boa foram obrigados a carregar semente de capim do fazendeiro.

Apesar das várias denúncias dos camponeses, até hoje ninguém foi punido.

A luta pela terra não é crime!

Esta tem sido a dura realidade enfrentada pelos camponeses de Rondônia e várias partes do país que lutam pelo direito à terra. Exigimos punição para a fazendeira Maria Della Libera e todos outros latifundiários envolvidos em crimes de pistolagem na região. Exigimos a liberação imediata das terras dos Acampamentos João Batista e Terra Boa. O camponês Pelé está correndo risco de morte, avisamos que qualquer coisa que aconteça a ele ou a outro camponês será de inteira responsabilidade da fazendeira Maria Della Libera, do madeireiro Chaule e do Incra e todo o governo Lula que tem os meios para resolver este conflito e não faz nada!

Conclamamos a todos camponeses, trabalhadores da cidade, estudantes, democratas e lideranças populares a denunciarem estes crimes do latifúndio, da justiça e polícia de Rondônia e apoiar a luta dos camponeses do Acampamento João Batista.

Luta pela terra não é crime!
Punição imediata para a latifundiária Maria Della Libera e seus pistoleiros!
Liberação imediata das terras para os camponeses!
Fora Ibama, agentes do imperialismo na Amazônia!
Destruir o latifúndio! Viva a Revolução Agrária!

LCP – Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia e Amazônia Ocidental

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