GOVERNO DE RONDÔNIA PREPARA NOVO MASSACRE DE CAMPONESES

Há dois meses, desde a chacina que ceifou a vida de três camponeses acampados em Nova Mutum Paraná em Rondônia, um novo ataque é anunciado. O alvo é o Acampamento Tiago dos Santos, onde vivem mais de 600 famílias de camponeses (cerca de 2.000 pessoas). A nova ordem de despejo foi emitida em 27 de setembro de 2021 pelo juiz ILISIR BUENO RODRIGUES em favor do latifundiário e grileiro, Galo Velho (processo nº 7030469-20.2020.8.22.0001). A ordem de despejo já autorizou o “uso de reforço policial” para efetuá-lo.

A área ocupada faz parte de um grande latifúndio de mais de 57 mil hectares, cujo suposto proprietário seria a empresa Leme Empreendimentos Ltda, de propriedade de Antônio Martins (Galo Velho), citado no Livro Branco de Grilagem de Terras como grileiro de mais de 80 mil hectares de terras na região de Porto Velho, capital de Rondônia.

Desde que a área foi ocupada, em março de 2020, as famílias camponesas vivem e produzem nela. Naquelas terras, destinadas apenas à especulação fundiária, a organização popular fez o corte popular e entregou terra para os muitos desempregados que se juntaram aos camponeses pobres sem-terra nos últimos anos de pandemia, devido a fome que assola as periferias das cidades. Buscaram e conseguiram um pedaço de terra para nela viver com dignidade. Esse acampamento já foi despejado em 10 de outubro de 2020, onde os trabalhadores impediram um massacre da Polícia Militar, retornando para a área dias depois. No acampamento já existe escola, posto de saúde, etc. Cada família está nos seus lotes com grande produção de alimentos.

No acampamento, conforme levantamento realizado por advogados da Associação Brasileira dos Advogados do Povo-ABRAPO, há um universo de mais de 600 (seiscentas) famílias que residem no imóvel. As informações foram coletadas com 421 (quatrocentos e vinte e uma) unidades familiares, correspondente a 70% (setenta por cento) das famílias que compõem o Acampamento Tiago Campin dos Santos. O relatório da ABRAPO aponta com convicção que essas famílias se encontram em situação de vulnerabilidade social e de pouco acesso as políticas públicas e sem garantias mínimas de direitos. Conforme esse levantamento há cerca de 500 crianças no acampamento, pessoas idosas, deficientes, etc., que compõem um número expressivo de pessoas vulneráveis.

TERROR E EXECUÇÕES ORQUESTRADAS PELO APARATO REPRESSOR ESTATAL

A situação de conflito agrário já foi alertada às diversas organizações de Direitos Humanos do Brasil e do mundo, especialmente sobre um cerco de repressão aos camponeses que vem cometendo abusos e execuções sumárias, como as que ocorreram no acampamento Ademar Ferreira, vizinho do acampamento Tiago dos Santos, quando em 13 de agosto uma incursão da PM, Força Nacional de Segurança e pistoleiros, ceifou a vida de trabalhadores honestos, os camponeses Amarildo, Amaral e Kevin. (https://www.cptnacional.org.br/noticias/acervo/massacres-no-campo/112-rondonia/5779-porto-velho-2021 e https://cebraspo.blogspot.com/2021/08/chacina-no-estado-de-rondonia-forca.html ). Conforme denúncia feita pelo ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes “Antes do assassinato foram registrados incêndios à barracos, sobrevoos com helicóptero, com o intuito de impor o medo e a coerção à(o)s milhares de camponeses(as) que conquistaram suas terras através de muita luta e resistência” (https://www.andes.org.br/conteudos/nota/circular-no-309-2021-envia-nota-da-diretoria-nacional-do-aNDES-sN-de-solidariedade-a-o-s-camponese-a-s-da-area-rural-de-porto-velho-rO0) e

Em 23 de setembro em outra área camponesa no Distrito de Abunã, três policiais militares à paisana assassinaram dois homens e feriram um terceiro. Os PMs, segundo a imprensa local, estariam de “folga” e faziam “segurança” para uma “Engenheira”. Na maioria dos casos, as forças policiais apresentam a mesma versão de “confronto” para justificar as execuções sumárias e outras arbitrariedades, como as que envolveram os 04 jovens presos no acampamento Manoel Ribeiro, em que as imagens das viaturas e drones da própria polícia comprovam as mentiras da versão oficial de que os camponeses haviam emboscado os policiais.

Nos últimos meses têm ocorrido inúmeras ações de cerco contra as mais de 800 famílias que vivem nos acampamentos Tiago dos Santos (latifúndio Norbrasil/Galo Velho e Boi Sossego) e Ademar Ferreira (Latifúndio Santa Carmem). Atualmente, a mesma área se encontra cercada pela Força Nacional, PM de Rondônia e pistoleiros “seguranças” que seguem cometendo todo tipo de abuso e ilegalidade contra as centenas de famílias.

Relatos dos camponeses do acampamento Ademar Ferreira é a de que avistaram de longe, na última segunda-feira, 04 de outubro, um carro oficial da Secretaria de Assistência Social e família-SEMASF, da prefeitura de Porto Velho, sendo interceptado por pistoleiros quando se dirigiam aos acampamentos. Relatam que o carro foi “fechado” por duas caminhonetes descaracterizadas, com homens armados com fuzis e rostos cobertos com balaclavas. Ao que observaram, o veículo da prefeitura foi obrigado a se deslocar à sede da Fazenda Santa Carmem e depois retornou a Porto Velho, sem realizar levantamento das famílias das áreas.

Moradores dos Distritos vizinhos de Jaci-Paraná e União Bandeirantes denunciam uma movimentação atípica de homens armados de empresas de segurança privada, movimentação policial em escolas e deslocamento de mais efetivos da Força Nacional de Segurança Pública e batalhões policiais para a região.

O CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS – CNDH JÁ INTERVIU EM FAVOR DOS CAMPONESES DA ÁREA TIAGO DOS SANTOS

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH por meio do OFÍCIO N.° 2288/2021/CNDH/SNPG/MMFDH em 05 de outubro de 2021 enviado ao Juiz de Direito ILISIR BUENO RODRIGUES manifestou preocupação e sugere suspensão de despejo no âmbito de ação de reintegração de posse, em meio à pandemia de COVID – 19 – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE n º 7030469-20.2020.8.22.0001. Conforme o documento o Conselho expressa “preocupação em relação a garantia dos direitos humanos das cercas de 600 famílias, duas mil pessoas acampadas, residentes no Acampamento Tiago Campim dos Santos, no Distrito de Nova Mutum Paraná, em Porto Velho, Rondônia, no âmbito de ação de reintegração de posse º 7030469-20.2020.8.22.0001” No documento se informa as medidas já tomadas pelo CNDH na proteção das famílias do acampamento Tiago dos Santos: “Em relação ao conflito fundiário em tela, este CNDH manifestou-se em outubro de 2020 a diversas autoridades do poder público, inclusive ao Governador do Estado de Rondônia – OFÍCIO N. ° 3086/2020/CNDH/SNPG/MMFDH (em anexo), em relação a denúncias de atos de abuso de autoridade pela Polícia Militar no local”. O conselho se expressa com a seguinte cobrança: “Considerando a necessidade do respeito aos direitos fundamentais das cerca de 600 famílias que atualmente residem o Acampamento Tiago Campim dos Santos, este Conselho, vem por meio deste ofício solicitar a observância aos termos da Resolução nº 10, de 17 de outubro de 2018, do CNDH , que dispõe sobre soluções garantidoras de direitos humanos e medidas preventivas em situações de conflitos fundiários coletivos rurais e urbanos, a fim de priorizar a permanência regular Ofício 2288 (2517000) SEI 00135.220261/2020-71 / pg. 1 do grupo que demanda proteção especial nas áreas por eles ocupadas, garantindo-se a permanência das populações nos locais em que tiverem se estabelecido, com destaque para o art. 1º, § 1º, da referida Resolução: “§ 1º Os despejos e deslocamentos forçados de grupos que demandam proteção especial do Estado implicam violações de direitos humanos e devem ser evitados, buscando-se sempre soluções alternativas“.

O CNDH cobra do judiciário e do governador do estado de Rondônia que se deve levar em conta a Recomendação nº 90, de 2 de março de 2021, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que recomenda aos órgãos do Poder Judiciário a adoção de cautela quando da solução de conflitos que versem sobre a desocupação coletiva de imóveis urbanos e rurais durante o período da pandemia do Coronavírus (Covid-19).

Por fim, o CNDH, recomendou ao juiz: “A não emissão de ordem de despejo contra a comunidade; O respeito aos termos da Resolução nº 10, de 17 de outubro de 2018, do CNDH; da Recomendação nº 90, de 2 de março de 2021, do Conselho Nacional de Jus3ça – CNJ; e da medida cautelar decorrente da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 828 do STF; Ofício 2288 (2517000) SEI 00135.220261/2020-71 / pg. 3 13. A abertura de mediação de conflito, pelo juízo da causa, com o propósito de garantir alternativa habitacional para as famílias, mediante chamamento das autoridades municipais e estaduais responsáveis pela política habitacional local além de Ministério Público Estadual, Defensoria Pública do Estado e de representantes das famílias ameaçadas de despejo. O documento da CNDH solicitou, ao final, o compartilhamento de informações, no prazo de 10 (dez) dias, a respeito das ações adotadas por esse órgão para garantia dos direitos humanos da referida comunidade.

UMA MISSÃO DE APOIO, SOLIDARIEDADE E DENÚNCIA DE VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS NA ÁREA DO ACAMPAMENTO TIAGO DOS SANTOS E ADEMAR FERREIRA

Assim como o CNDH, várias entidades Nacionais de Direitos Humanos estão se deslocando para uma missão ao acampamento Tiago dos Santos e Ademar Ferreira. A missão destas organizações também será acompanhada por correspondentes de imprensa democrática nacional. A situação do conflito agrário é muito preocupante, pois as numerosas famílias poderão sofrer todas as formas de violências, com risco de ser uma tragédia com muitas mortes, como o ocorrido em 1995 em Corumbiara, onde um dos comandantes daquele episódio era o atual Secretário de Segurança Pública de Rondônia, Hélio Pachá.

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