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Nota de Repúdio: Despejo e ação arbitrária contra as famílias do Acampamento Tiago dos Santos

Famílias camponesas denunciam o cerco policial e despejo ilegal em megaoperação de despejos da operação Nova Mutum realizada por forças segurança do Estado com apoio da Força Nacional, em Rondônia

O Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH), rede composta por 42 organizações da sociedade civil e movimentos sociais, manifesta preocupação e repudia a ação arbitrária e truculenta da Secretaria de Estado da Segurança, defesa e Cidadania (Sesdec), com reforço e apoio da Força Nacional, contra o Acampamento Tiago Campin dos Santos e Ademar Ferreira, em Rondônia. De acordo com as denúncias, o cerco policial fez despejos ilegais dentro do acampamento, sem a presença de qualquer oficial de justiça, na noite de terça-feira (19).

Além das forças de segurança da Polícia Militar, Civil e da Força Nacional, há a denúncia de que homens encapuzados – seguranças privadas (guaxebas) de latifundiários – acompanham a operação. Advogados populares que atuam em áreas de conflitos agrários na região, também denunciam que o cerco policial vem impedindo a entrada e saída de pessoas tanto dentro do acampamento quanto no entorno. Eles também sofreram ameaças verbais do comandante da operação de que caso voltassem ao acampamento.

“Nestas terras griladas da união pelos latifundiários Antônio Martins dos Santos (Galo Velho) e da família Leite, onde nada havia antes, hoje há produção de alimentos como mandioca, banana, feijão, milho, abóbora, etc., além de centenas de moradias. Aqui estão homens, mulheres, idosos e mais de 400 crianças e adolescentes que tentam, juntos com suas famílias, construir uma nova vida, fugindo da crise, do aumento do custo de vida e do desemprego nas cidades para produzirem seus próprios alimentos e garantirem seus sustentos”, diz a carta da Assembleia Popular da área Tiago Campin dos Santos e da área Ademar Ferreira.

Operação Nova Mutum

A operação Nova Mutum foi deflagrada na última terça-feira (19) para cumprir ordem de despejos e mandados de reintegração de posse em oito latifúndios de Rondônia, em áreas de conflitos agrários. Dentre eles, está a área ocupada pelo Acampamento Tiago Campin dos Santos, ocupado por 800 famílias camponesas em março de 2020 no início da pandemia de Covid-19. O latifúndio ocupado, com mais de 57 mil hectares, estava sem qualquer utilidade pública.

Ainda, segundo a denúncia, além das forças de segurança da Polícia Militar, Civil e da Força Nacional, homens encapuzados – que seriam seguranças privados (guaxebas) de latifundiários – acompanharam a operação. Advogados populares que atuam em áreas de conflitos agrários na região também denunciam que o cerco policial vem impedindo a entrada e saída de pessoas tanto dentro do acampamento quanto no entorno. Eles sofreram ameaças das forças de segurança do Estado de Rondônia que, se caso voltassem a ocupação, “sofrem as consequências”.

Há denúncias sérias violações de direitos humanos e supressão de alimentos – elas foram impedidas de se alimentar desde a noite de terça-feira, 19 de outubro, às 18h30. “As crianças estão com fome. Fomos desalojados às seis e meia da noite e só agora chegamos no local para onde foram trazidas a gente. As crianças ficam com fome. Isso é uma irresponsabilidade do Estado. Criança com malária, pai de família com malária… e traz a gente pra um lugar desse aqui que nem comida tem”, protesta uma camponesa.

As pessoas despejadas estão sendo abrigadas em uma escola em Vila da Penha, que fica há cerca de 10km da BR 364 e da BR 345. No local, há apenas um assistente social técnico da Prefeitura de Porto Velho. O local foi preparado para receber 60 pessoas, porém, já chegaram a 250. A informação é de que à noite, mais 500 pessoas vão ser direcionadas para o local que não tem qualquer estrutura para receber as famílias. Não há comida ou local para armazenar parte dos pertences das famílias.

Para o Comitê, ainda que haja uma liminar de ordem de reintegração de posse emitida, o fato de despejos terem acontecido à noite e sem a presença de um oficial de justiça, sem assistência social, alimentar e de abrigos para as famílias, é uma grave violação de direitos humanos do Estado.

Todo o cenário de vulnerabilidade produzida pelo próprio Estado se trata de uma tentativa de criminalização da ocupação das famílias camponesas, um ataque à liberdade de atuação dos movimentos sociais e a violação de garantias jurídicas das famílias, uma vez que o cerco policial impede a presença de advogados populares da área de conflitos agrários.

A ordem de despejo, que autorizou o “uso de reforço policial” para efetuar a megaoperação de despejos Nova Mutum, é efetuada após episódios recentes de ataques de pistoleiros direcionados ao Acampamento Tiago dos Santos e Acampamento Ademar Ferreira, onde viviam camponeses assassinados em agosto deste ano.

Por todas as evidências e fatos relatados, o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos torna pública esta nota de repúdio, bem como clama pela preservação e respeito às normas e princípios legais. O Comitê também repudia a narrativa das forças de segurança do estado e mídia local que criminalizam as famílias camponesas.

Camponeses em meio a resistência ocorrida em outubro de 2020. Foto: Banco de dados AND

Segundo levantamento socioeconômico e familiar do Acampamento Tiago Campin dos Santos realizado pela Associação Brasileira de Advogados do Povo (Abrapo), no período de 5 de abril a 25 de setembro, 98% das famílias que compõem o acampamento, ocuparam a área porque não conseguiam “uma terra para trabalhar, produzir e morar; superar as desigualdades sociais vividas na cidade, a pobreza, a criminalização e a fome; em busca de melhores condições de vida e autonomia de trabalho (deixar de trabalhar para terceiros)”.

O Acampamento Tiago Campin dos Santos está localizado nas fazendas NorBrasil e Arco-Íris, em Nova Mutum, Distrito de Porto Velho, em Rondônia. A área ocupada seria de propriedade da empresa Leme Empreendimentos Ltda, de propriedade de Antônio Martins, conhecido como Galo Velho. Ele é citado no livro Branco de Grilagem de Terras como grileiro de mais de 80 mil hectares de terras na região de Porto Velho, capital de Rondônia.

De acordo com dossiê  “Rondônia: Violações e violência contra o Acampamento Tiago”, publicado pelo jornal A Nova Democracia, a área ocupada teve uma ação de reintegração de posse encerrada em 2017 (autos: 0012311.86.2014.4.01.4100 e 0003261-31.2017.4.01.4100 – 5ª Vara Federal do TRF1), processo devidamente arquivado e que prova que se trata de área de conflitos agrários desde o ano de 2014, cuja origem dominial não foi esclarecida e frente ao histórico do Galo Velho no Estado de Rondônia pode se tratar de área pública grilada. Esta é a segunda vez que o acampamento sofre de tentativa de despejo com práticas ilegais e truculentas na ação policial contra as famílias.

Conflitos no campo em Rondônia

Segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgados em junho deste ano, Rondônia é o terceiro estado da Amazônia Legal com mais registros de conflitos no campo. Ao todo, o território rondoniense acumula 678 ocorrências de conflito agrário entre 2010 e 2019.

Escrito por Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH)