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Nova lei de terras: demagogia para cessar luta pela terra e impulsionar latifúndio

A absurda alteração na lei de terras imposta pelo
governo de generais e do fascista Bolsonaro, em mais uma de suas
demagogias, cujo suposto objetivo é agilizar e desburocratizar a
concessão de posse de terras, agudizará ainda mais a luta pela terra no
campo. 

A Medida Provisória (MP) 910/2019
assinada por Jair Bolsonaro foi publicada em 10 de dezembro de 2019 e
trata da regularização fundiária em todo território nacional. A medida
diz respeito a todas as terras públicas federais que não estejam em uso,
a lei antes englobava apenas a área da Amazônia Legal. A concessão dos
títulos de posse aos ocupantes passa a ser uma decisão do Ministério da
Economia com apoio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra).

Oficialmente, projeta-se que serão distribuídos cerca
de 600 mil títulos de propriedades rurais para ocupantes de terras
públicas da União e assentados da “reforma agrária”. Mas seria essa a
real destinação dos títulos? 

Em entrevista ao AND,
um representante da Comissão Nacional das Ligas dos Camponeses Pobres
(LCP) afirma que talvez este seja o maior roubo de terras da história do
Brasil na história recente. Ele diz também que as possibilidades de
algum camponês pobre ou sem terra ser beneficiado se desfaz diante das
condições impostas pelo velho Estado.

Imposições para regularização

A área passível de ocupação, que um dia já foi de 300
hectares (ha), foi ampliada em 2017 para até 1,5 mil ha e o valor atual
passa a ser de 2,5 mil há. Isso significa que uma só pessoa pode,
segundo estes novos parâmetros, deter 2,5 mil campos de futebol em
terras. A comprovação de ocupação para os que se encaixam nestes
parâmetros são, por exemplo, uma declaração do ocupante, não sendo mais
necessária uma visita de verificação.

Contudo, os parâmetros para se declarar titular são
pouco acessíveis, como é o caso da exigência da condição de comprovação
de “prática de cultura efetiva, ocupação e exploração direta, mansa e
pacífica, por si ou por seus antecessores” feita por meio de
sensoriamento remoto cujos valores se aproximam de R$ 150 mil
para uma porção de 2,5 mil ha, como constatado em um serviço prestado
por meio de licitação ao Estado por uma empresa privada em 2017.
Consequentemente, o acesso a tal serviço, necessário a regularizar a
terra, é restrito a quem tem capital disponível, isto é, latifundiários e
capitalistas burocráticos.

Outro parâmetro que além de incerto é possível
gerador de futuros conflitos é a exigência de um registro no Cadastro
Ambiental Rural (CAR). Este registro já é altamente contestado, pois o
CAR se baseia em autodeclaração, o que abre a possibilidade de declarar
um loteamento já cadastrado. Atualmente há no CAR 10 milhões de ha
sobrepostos. Sendo que dos mais de 4 milhões de imóveis cadastrados,
aproximadamente 3,7 milhões (95%) possuem algum tipo de sobreposição com
outros imóveis. Destes, aproximadamente 24,8 mil imóveis estão em
Terras Indígenas Homologadas ou Unidades de Conservação de Proteção
Integral (grilagem de latifundiários, sobretudo).

A nova lei também possibilita a posse da terra para
aqueles que as ocuparam em até 2014, sendo passível de que, em casos de
venda direta pelo valor máximo da terra nua, a ocupação possa ter
ocorrido até dezembro de 2018. A data limite anteriormente era 2008. 

Esta diminuição da exigência na data na qual a terra
foi ocupada significa a legalização de fatos já constatados, como é o
caso das grilagens em terras indígenas. De acordo com uma pesquisa
apresentada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no final do ano
de 2019, em 2018 o aumento de invasões em terras indígenas por
grileiros registradas foi para 111 e apenas de janeiro a setembro de
2019, esse número subiu para 160 invasões.

Ocupação ‘mansa e pacífica’

O secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da
Agricultura, Nabhan Garcia, afirmou, em ocasião da divulgação da MP, que
quem merece regularizar a terra é “aquele que está há mais de cinco
anos morando, trabalhando, produzindo de maneira mansa e pacífica. Ele
merece”.

Essa afirmação não está apenas nas falas desse
secretário que já foi líder dos “ruralistas”, mas presente em diversos
artigos da nova legislação, onde consta que um dos pré-requisitos aos
que solicitam a posse é: “ocupação mansa e pacífica: aquela exercida sem
oposição e de forma contínua”. 

Esta medida, que é parte de um projeto corporativo
para colocar a massa camponesa submetida organizadamente pelo velho
Estado, busca isolar as massas camponesas das suas organizações de luta.
Ainda em entrevista ao AND, o representante das LCPs declara: 

— Eles falam que a ocupação da terra tem
que ser mansa e pacífica, e qual posse dos camponeses é considerada
mansa e pacífica? Nenhuma. Nenhum juiz considera a posse dos camponeses
mansa e pacífica. Esse é mais um elemento para poder atacar os
camponeses e para enganar uma parte falando “não, você vai ter o
direito”, mas concretamente acaba com a possibilidade desses mais de 300
milhões de ha, que são terras públicas, serem passados aos seus
verdadeiros donos, que são os camponeses, indígenas e quilombolas.

E a demagogia será acompanhada de repressão, como afirma o representante das LCPs: 

— O desespero e agressividade dessa
medida correspondem, do ponto de vista da luta, à declaração de guerra
com a Garantia da Lei e da Ordem. Você não teria como fazer uma medida
dessa se não tivesse as Forças Armadas no campo – arremata.

O caso de Rondônia e grilagem de terras pelo latifúndio

Medidas como essa, que supostamente ampliam o acesso à
terra para os pequenos camponeses e aos sem terra, em geral só fazem
reproduzir o latifúndio e a situação de penúria dos camponeses. Um caso
ilustrativo é a colonização de Rondônia.

Com a criação do estado de Rondônia,  iniciou-se ali
um intenso processo de colonização. O governo militar fascista, nos anos
1970, lançou o Programa de Integração Nacional (PIN) que, de acordo com
o geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, tinha como objetivo
regularizar e facilitar o monopólio da terra por grandes corporações
agropecuárias e empresas estrangeiras de extração de matéria-prima
vegetal e mineral, associados ao objetivo de “aliviar as tensões
sociais” causadas pelas ocupações de terra pelos camponeses em todo o
país.

Segundo o também geógrafo Márcio Marinho Martins, a
medida propagandeava a idéia de “vazio demográfico” no estado,
desconsiderando a presença das populações indígenas, seringueiros,
comunidades quilombolas e ribeirinhos que já se encontravam na região. 

Durante este processo, monopólios latifundiários,
juntamente com camponeses, se estabeleceram na região. Porém, a
prioridade foi para os que tinham condições de realizar derrubadas, isto
é, capital disponível para impulsionar os empreendimentos
(latifundiários e corporações do capitalismo burocrático e
imperialistas). Para o latifúndio, bastava declarar que ninguém havia
reivindicado legalmente a área que essa lhe era entregue. Além disso, a
expansão também se deu por meio da grilagem, através da falsificação de
inúmeros títulos da terra. 

De acordo com o pesquisador, o processo de
favorecimento dos latifundiários se deu também através de ações
coercitivas do Estado ou através das ações armadas empreendidas pelos
grandes proprietários contra os pequenos e médios camponeses. O apoio
aos camponeses por parte do Incra, por sua vez, foi lento e restrito.

A pesquisadora Ellen Cristina Francisco, também
analisando o estado de Rondônia, mostra que a partir do programa “Terra
Legal”, imposto por Luiz Inácio em 2010 (programa que é a base dessa
nova lei proposta pelo fascista Bolsonaro) é possível verificar um
aumento de 133% de cadastros declarados de grandes propriedades, com
números passando de aproximadamente 54,7 milhões ha para cerca de 127,7
milhões ha de área total sob controle do latifúndio, dos anos de 2003 a
2010. 

O programa que passou por uma auditoria do Tribunal
de Contas da União (TCU), em 2014,  demonstrou que uma série de
irregularidade são cometidas, sendo algumas das mais constatadas a posse
de título para pessoas que trabalham em cargos públicos e a detenção de
outras áreas de acordo com o Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR).
Em Rondônia, 37,5% dos beneficiários apresenta outra área em nome do
seu cônjuge e é o primeiro estado em números de beneficiados com outra
área registrada no SNCR.

Os conflitos por terra durante esse período também se intensificaram e o estado de Rondônia apresenta um total de 4971 famílias envolvidas na luta pela terra só em 2018, segundo o relatório da Comissão Pastoral da Terra.

Escrito por Taís Souza