Viva os 25 anos da Heroica Resistência Camponesa de Corumbiara!

Homenagem durante 9 de Agosto de 2011, no local da batalha da antiga fazenda Santa Elina

Neste 9 de agosto de 2020, completam-se 25 anos da Heroica Resistência Camponesa de Corumbiara. O heroísmo dos camponeses de Santa Elina deve ser sempre celebrado, ainda mais em um momento tão difícil como o de agora, quando o Brasil e o mundo atravessam a terrível pandemia do corona vírus. São tempos difíceis onde há quase três meses morrem em média mil brasileiros por dia; onde a fome, o desemprego e a carestia assombra os lares do povo trabalhador, dos pequenos e médios comerciantes. Por isso, mais do que nunca, precisamos celebrar a Resistência de Corumbiara, porque aquela batalha nos serve de exemplo de que nada é impossível quando as massas decididas se organizam em luta. Se os camponeses resistiram àquela tentativa de massacre, se tiveram força para prosseguir a luta, se tiveram organização para retomar e cortar as terras de Santa Elina, isso nos mostra que também poderemos nos defender dessa pandemia e resistir à crise econômica que já atinge o campo e as cidades de nosso país!

Neste 9 de agosto, é tempo de levantarmos as imagens dos companheiros Sérgio e Nelinho e da pequena Vanessa como nossos estandartes. Eles são como tochas para atravessarmos a escuridão, afinal “toda noite tem aurora”! E os raios que anunciam a tempestade já estão no firmamento, é o que mostra a luta dos negros no EUA que há meses sacode por dentro aquela potência imperialista que saqueia as riquezas do mundo inteiro. Aqui na região, vimos os títulos falsos da Fazenda Vilhena serem cancelados pela justiça, e assistimos o latifundiário Nego Zen, que tantos pobres humilhou e agrediu, ser derrubado dentro da terra que ele mesmo tentava grilar. Nada, companheiros, é impossível de mudar!

E em meio a essa pandemia, quem mais está morrendo são os pobres das favelas e do campo que dependem do SUS. Enquanto o governo federal demora para pagar os R$ 600 do “auxílio emergencial”, para os grandes empresários e latifundiários o dinheiro há muito já está garantido. Para os pequenos produtores a situação está cada vez mais difícil, como é o caso dos camponeses que só podem matar seu gado em grandes frigoríficos, pois com a desculpa de “vigilância sanitária” as prefeituras fecham os pequenos matadouros. O mesmo ocorre com os produtores de leite, de café e de urucum que não possuem nenhuma garantia para o preço de suas mercadorias.

Assim vão fazendo o governo federal e o governo estadual, junto com esse STF de bandidos e Congresso de ladrões. Contam que o povo aceitará calado toda essa calamidade. Acreditam que o povo assistirá em silêncio a regularização fundiária de grandes latifúndios que devastam a amazônia, de grandes mineradoras, enquanto o exército, a PM e a PF persegue implacavelmente os camponeses e os indígenas que precisam das riquezas da floresta para sobreviver. Aos amigos do governo tudo, aos camponeses nada!

É claro que isso não ficará assim. No Brasil já são 50 milhões de desempregados. O povo, principalmente os operários, os camponeses e estudantes, como de outras vezes em nossa história, se levantará e cairá sobre esse sistema podre como uma poderosa tempestade! Os inimigos do povo que sonham com uma massa calada e humilhada, não perdem por esperar. Chegará o dia, e não há de tardar, em que todas as terras de nosso país estarão nas mãos de quem nela vive e trabalha, em que todos os latifúndios estarão tomados e cortados. E aí sim teremos uma Nova Democracia e um Novo Brasil. Neste dia, ao nosso lado, estarão conosco todos os herois da histórica resistência camponesa de Corumbiara! A eles, portanto, toda a nossa homenagem!

A Batalha de Santa Elina nunca será esquecida

Em 1995 o latifúndio e o velho Estado tentaram afogar em sangue a luta camponesa pela terra. Planejaram militarmente um massacre com o objetivo de espalhar terror entre as famílias camponesas e assim paralisar as tomadas de terra do latifúndio na região. No entanto, ao contrário do que se esperava, as 600 famílias acampadas na antiga fazenda Santa Elina opuseram heroica resistência contra a repressão sangrenta e o que era para ser um massacre virou uma batalha.

Foto histórica do acampamento dos camponeses na antiga fazenda Santa Elina às vésperas da batalha

Nos dias anteriores àquele 9 de agosto todas as investidas dos bandos armados de pistoleiros haviam sido derrotadas pela resistência dos camponeses com suas rudimentares armas de caça. A situação começou a preocupar, e os latifundiários pressionaram o governo para levar adiante o massacre planejado. Na época, o então governador e latifundiário Valdir Raupp (PMDB) foi o principal responsável por uma das páginas mais sangrentas da luta pela terra no Brasil, autorizando a ação genocida da Polícia Militar para exterminar a organização dos camponeses. Para cumprir a operação, a polícia teve o financiamento dos latifundiários Antenor Duarte do Valle e Hélio Pereira de Morais.

Na madrugada do dia 9, pistoleiros recrutados nas fazendas da região, usando fardamento da PM e rostos cobertos, iniciaram os ataques ao acampamento. Após horas de tiroteio, os camponeses não tinham mais munições para suas espingardas, foi quando entrou em cena o COE (Comando de Operações Especiais) sob o comando dos oficiais José Hélio Cysneiros Pachá e Mauro Ronaldo Flores. Depois de rendidos, os camponeses foram covardemente atacados, sofreram espancamentos generalizados, execuções sumárias e torturas das mais hediondas. A pequena Vanessa Santos, de apenas 7 anos, foi assassinada com um tiro nas costas.

A PM montou um verdadeiro campo de concentração nas proximidades do acampamento para onde os camponeses foram levados e mantidos presos. Durante todo o dia 9, sob o sol escaldante, mais de 400 camponeses foram submetidos a torturas, insultos, humilhação e todo tipo de abusos na frente de suas mulheres e filhos. Posteriormente foram levados a Colorado do Oeste e novamente foram torturados.

Líderes da resistência foram caçados e sequestrados. O jovem camponês Sérgio Rodrigues Gomes, ferido na batalha, foi levado em uma caminhonete da fazenda e seu corpo foi encontrado 14 dias depois, com marcas de torturas, rosto desfigurado e alvejado por 3 tiros, às margens do rio Tanarú no município de Chupinguaia. Pouco tempo depois, também foi assassinado na porta de sua casa, em Corumbiara, o vereador Manoel Ribeiro, o Nelinho que apoiou as famílias durante toda a ocupação.

Mais de 11 camponeses foram assassinados e muitos desaparecidos. Mais de 200 ficaram com graves sequelas físicas e psicológicas, muitos deles com balas encravadas no corpo. Muitos companheiros faleceram posteriormente por consequência de doenças causadas pelas torturas. A ação da polícia a serviço do latifúndio só não resultou em mais mortes graças à heroica resistência dos camponeses que armados com paus, foices, facões e espingardas, enfrentaram em condições desiguais os assassinos armados até os dentes.

Tentaram afogar em sangue a luta pela terra mas não conseguiram! Nos dias seguintes à batalha, quando as famílias iam se reencontrando diziam: “Vamos retomar Santa Elina!” A coragem superou o medo, porque tinham a certeza de que sua luta era justa, que precisavam de terra para trabalhar. Ao contrário do que o latifúndio esperava, a repressão sangrenta gerou enorme solidariedade e fez explodir o ódio das massas, levantando uma onda de novas tomadas de terra por todo o país.

A resistência camponesa em Corumbiara foi um divisor de águas na luta pela terra no Brasil, ao romper com toda a prática oportunista de negociações com órgãos do governo e traições aos camponeses. A heroica resistência camponesa foi a mãe do movimento camponês de novo tipo no país, dando origem à Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia e Amazônia Ocidental, posteriormente se unindo com outras lutas e se espalhando por todo o país.

A LCP – Liga dos Camponeses Pobres foi fruto desta heroica resistência e sempre serviu e honrou àquelas famílias e a todos camponeses pobres. Após muitas lutas, em 2010 centenas de famílias conquistaram a maior parte da fazenda Santa Elina, dirigidas pela LCP e pelo CODEVISE – Comitê de Defesa das Vítimas de Santa Elina. Enfrentaram ameaças, provocações de bandos de pistoleiros e de policiais, além das sabotagens do Incra e de oportunistas de vários tipos. Mas venceram, e hoje parte do sonho dos camponeses de 1995 floresceu nas Áreas Revolucionárias Zé Bentão, Renato Nathan, Alzira Monteiro, Alberico Carvalho e Maranatã 1 e 2. As terras da maior parte da fazenda Santa Elina foram cortadas e entregues aos camponeses onde hoje vivem e produzem centenas de famílias camponesas. Com a luta organizada e combativa conquistaram energia elétrica, reforma de estradas e pontes, escola, posto de saúde e seguem lutando contra às multas e repressão dos diferentes órgãos do velho Estado (frequentemente da Sedam e ICM-Bio), para conquistarem maquinários, assistência técnica, preço justo para sua produção e a titulação definitiva de suas terras.

Em 2010, o CODEVISE e a LCP organizam a retomada da antiga fazenda Santa Elina

O sonho dos camponeses de 1995 é o mesmo sonho de milhões de camponeses sem terra ou com pouca terra que hoje sofrem a pior crise econômica, sanitária, política e moral desse apodrecido sistema de exploração vigente no país. A luta dos camponeses de Santa Elina deixou claro que o camponês só pode conquistar a terra com luta organizada, combativa e independente de movimentos oportunistas e eleitoreiros. Os combatentes de Santa Elina ajudaram a demarcar o caminho da Revolução Agrária, de muitas dificuldades e sacrifícios, mas o único capaz de destruir o latifúndio e iniciar a construção de uma Nova Democracia e um Brasil novo, unindo com a luta dos operários e demais trabalhadores do campo e da cidade.

Vítimas de Santa Elina: “Não foi feita a justiça!”

Desde agosto de 2001, quando foi fundado o CODEVISE – Comitê de Defesa das Vítimas de Santa Elina, foram organizadas várias lutas pela punição dos assassinos e mandantes e pela indenização de todos os camponeses vitimados. Apesar da vitoriosa conquista das terras da maior parte da antiga fazenda Santa Elina, o velho Estado até hoje segue impune e nenhum dos responsáveis foi punido. O latifundiário Antenor Duarte sequer foi julgado. Valdir Raupp também  seguiu impunemente atuando na politicagem do congresso de bandidos e corruptos. O mesmo ocorreu com José Ventura Pereira, tenente-coronel que comandou as tropas assassinas e Welligton Luiz Barros, comandante geral da PM à época. Apenas o policial Vitório Regis Mena Mendes foi “condenado” num julgamento farsante e respondeu todo o processo em liberdade.

Já os comandantes do COE, os então capitão José Hélio Cysneiro Pachá e o tenente Mauro Ronaldo Flores Correia não foram punidos, ao contrário foram promovidos. José Hélio Cysneiro Pachá chegou a coronel da PM e atualmente é secretário de segurança do governo estadual. E Mauro Ronaldo Flores Correia também virou coronel e até poucos dias atrás era comandante geral da PM. Enquanto os PM seguiram impunes e foram promovidos, três lideranças dos camponeses foram condenadas como responsáveis pelo conflito, sendo que um deles, o Cícero, passou muito tempo na cadeia.

O governo brasileiro foi condenado como responsável pelo massacre pela Corte Interamericana de Justiça da OEA – Organização dos Estados Americanos que indicou a indenização das vítimas. A Corte entendeu que a ação violenta da PM foi uma operação de guerra do Estado contra os camponeses. Mas além de não atender as recomendações e o pagamento das indenizações, o governo estadual (que tem um dos responsáveis direto pela operação sangrenta de 1995 como um dos seus secretários) informou oficialmente à Corte que as indicações da OEA foram encaminhadas e tudo está bem com as vítimas de Santa Elina.

Essa é mais uma mentira do governo de turno que será desmascarada. As vítimas de Santa Elina ainda cobram punição aos mandantes e executores dos crimes de 1995, e exigem o pagamento imediato das indenizações a todas as vítimas de Santa Elina e a seus familiares.

Em 2007 uma comissão de camponeses do CODEVISE esteve acampada em Brasília por vários dias. O então gerente Luis Inácio, que tanta promessa havia feito, não recebeu a comissão.
Vítimas da antiga fazenda Santa Elina, organizadas pelo CODEVISE, acampam na esplanada dos ministérios em Brasília para exigir terra, indenizações, e punição aos criminosos de 1995

Honra e glória aos heróis da Resistência Camponesa de Corumbiara

Rendemos nossas mais profundas homenagens e honras aos heróis do povo tombados na Batalha de Santa Elina que derramaram seu precioso sangue pela conquista daquelas terras, pela Revolução Agrária, por Justiça e uma Nova Democracia em nosso país: Sérgio Rodrigues Gomes, Vanessa dos Santos Silva, Manoel Ribeiro “Nelinho”, Maria Bonita, Ari Pinheiro dos Santos, Alcindo Correia da Silva, Enio Rocha Borges, Ercílio Oliveira de Campos, José Marcondes da Silva, Nelci Ferreira, Odilon Feliciano, Oliveira Inácio Dutra, Jesus Ribeiro de Souza e Darli Martins Pereira.

Rendemos honras aos remanescentes desta luta que faleceram ao longo desses anos sem deixar de lutar por seus direitos e dignidade e deram sua cota preciosa de sangue para a retomada das terras como Alzira Monteiro, Antônio Dias, Liversino Azevedo “Vitor”. E aos dirigentes e ativistas da LCP tombados na luta contra o latifúndio, que, enfrentando a cadeia, a tortura e as balas covardes dos pistoleiros e das forças de repressão, mobilizam, politizam e organizam os camponeses sob a bandeira da Revolução Agrária.

Basta de repressão e roubos das terras pelos latifundiários!

Conquistar a terra, destruir o latifúndio!

Terra para quem nela trabalha!

Por uma Nova Democracia!

Contra a crise, tomar todas as terras do latifúndio!


LCP – Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia e Amazônia Ocidental

CODEVISE – Comitê de Defesa das Vítimas de Santa Elina

Apoio:

STTR – Sindicato das Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Corumbiara

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