Viva os 27 anos da Heróica Resistência Camponesa de Corumbiara!

A Heróica Batalha de Santa Elina, em Corumbiara, Rondônia, é um divisor de águas na história do Movimento Camponês no Brasil. Em 9 de agosto de 1995, 600 famílias camponesas sem terra, após montarem acampamento em defesa do sagrado direito à terra para viver e trabalhar, armadas com paus, foices e espingardas, resistiram bravamente ao ignominioso ataque de latifundiários e policiais militares. Na tentativa de afogar em sangue a luta camponesa, planejaram militarmente um massacre com o objetivo de espalhar terror entre as famílias camponesas e assim paralisar as tomadas de terra do latifúndio na região. No entanto, ao contrário do que se esperava, os camponeses opuseram heroica resistência contra a repressão sangrenta e o que era para ser um massacre virou uma verdadeira batalha.

O verdadeiro terrorismo estatal que visava dar exemplo às massas camponesas da região, se converteria rapidamente na mais profunda derrota. A aparente força tornou-se fraqueza e a aparente fraqueza tornou-se força e do sangue derramado dos imortais camponeses caídos, após um processo de rupturas e depurações, surgiu um pujante movimento de camponeses que tem estremecido não apenas o país, mas repercutido ao redor do mundo: a Liga dos Camponeses Pobres (LCP).

Foto: Manifestação ocorrida em 2009, durante o 5º Congresso da Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia e Amazônia Ocidental

Entre avanços e retiradas, por 27 anos, somente na Amazônia Ocidental, dezenas de milhares de camponeses se mobilizaram avançando na conquista da terra e destruição do latifúndio através da revolução agrária, derrotando sucessivas campanhas de repressão e criminalização, com suas perseguições, prisões, torturas, assassinatos e toda sorte de ataques e mentiras da imprensa lixo a soldo do latifúndio e até mesmo do fascista presidente da “República”. Nada disso foi capaz de parar a luta, ao contrário, foi o movimento camponês de Rondônia – região de colonização recente que concentra milhares de famílias que carregam a história da expulsão do campesinato dos mais diversos rincões desta terra –, que se tornou, de um lado, num fantasma que assombra os latifundiários e grandes burgueses do país e, de outro, em motivo de entusiasmo e um farol que indica ao povo o caminho a trilhar.

Talvez aquelas 600 famílias camponesas não compreendessem a dimensão histórica da luta que empreendiam e não pudessem imaginar o impacto que teria nos anos seguintes, mas, soubessem ou não, estavam apontando o caminho que seria seguido nos anos seguintes por dezenas de milhares de homens e mulheres. Estavam fazendo história. Quanto mais passa o tempo, mais se eleva o exemplo, a coragem e o significado histórico daquela batalha, e mais se rebaixa e reduzem à insignificância os covardes algozes.

 

A retomada das terras da antiga Fazenda Santa Elina, nova derrota da reação

Desde a heroica resistência, os camponeses da região, organizados pela LCP, prometeram que retornariam a Santa Elina e conquistariam todas as suas terras e, desde o início da década passada, o sonho dos camponeses de 1995 floresceu nas áreas Zé Bentão, Renato Nathan, Maranatã 1 e 2, Alzira Monteiro e Alberico Carvalho.

Em 2020, a última parte da antiga fazenda Santa Elina, chamada de fazenda Nossa Senhora Aparecida, foi retomada pelos camponeses que conformaram o acampamento Manoel Ribeiro. As famílias camponesas que tomaram parte desse acampamento descobriram no curso da luta pela terra e pela produção que uma nova forma de vida é possível e que também uma genuína democracia é possível sempre e quando as massas do povo se unam através de princípios de organização justos, o que significa para os camponeses decidir e realizar tudo o que lhes diz respeito através da Assembleia Popular e do seu Comitê de Defesa da Revolução Agrária.

Foto: Acampamento Manoel Ribeiro, em agosto de 2020 onde famílias tomaram as últimas terras da antiga Santa Elina
Foto: Acampamento Manoel Ribeiro, em agosto de 2020 onde famílias tomaram as últimas terras da antiga Santa Elina

Foi essa unidade, em torno da defesa dos interesses mais imediatos da maioria dos camponeses, isto é, em torno de um pedaço de chão para viver e trabalhar, guiados por princípios de organização justos, que permitiu-lhes dar novamente heroicos exemplos, resistindo bravamente e em condições desiguais contra todas as pesadas investidas do latifúndio, seus bandos armados e velho Estado, impondo mais uma vez profunda derrota à reação.

Depois de derrotar todas as investidas criminosas do bando armado do latifundiário “Toninho Miséria”, composto por policias militares que recebiam gordas diárias de R$ 900,00, e das investidas provocativas da pm que diariamente realizava incursões e disparos de armas de fogo contra o acampamento, as famílias do Manoel Ribeiro tiveram que enfrentar uma grande operação policial que realizou cerco completo contra o acampamento e sitiou toda a região. Tal operação foi comandada pelo carniceiro de Santa Elina, o coronel da pm Hélio Cysneiros Pachá, que em 1995 foi um dos oficiais que comandou os assassinatos e torturas contra os camponeses e hoje é o secretário de segurança pública do Estado, contando com a chancela do governador coronel pm Marcos Rocha, pau mandado de Bolsonaro, e marionete dos latifundiários, assim como o apoio dese mesmo capitão-do-mato presidencial.

Trocaram os guaxebas por tropas oficiais, redobraram os esforços logísticos e gastaram rios de dinheiro de verbas públicas, na esperança de “um novo exemplo” que pudesse refrear a luta camponesa.

Leia mais: Berreiro e repressão contra a LCP não vão parar a luta pela terra

Vídeo: Viva a resistência dos camponeses do acampamento Manoel Ribeiro!

Vendo que todas as investidas estavam sendo derrotadas, o velho Estado então se preparou para um ataque ainda mais massivo, contando com o apoio da força nacional de segurança (FNS). Fecharam o cerco contra o acampamento e buscaram penetrar no interior da área para prender todas as famílias, mas colheram mais uma humilhante derrota. Quando entraram, se depararam com o acampamento vazio e apenas uma faixa com a contundente promessa “Voltaremos mais fortes e mais preparados!” .

Foto: Faixa encontrada pela pm no Acampamento Manoel Ribeiro

Como um pugilista experiente que se evade da investida de seu adversário para no momento oportuno devolver-lhe um golpe certeiro, todas as famílias se retiraram organizadamente em plena madrugada e debaixo das barbas das tropas de abestados! Os grandes estrategistas de papel, energúmenos, valentões para massacrar massas desarmadas e covardes para morrer, especialistas em derrotas, além de alcançarem a proeza de cercar o vento, foram capazes de tropeçar sozinhos nos próprios pés. Após a vitoriosa retirada das famílias camponesas, tomadas de terras se seguiram por todo o país e a LCP recebeu apoio cada vez maior de de centenas e milhares de democratas. Por todo país a sigla “LCP” passou a ser tema de discussão entre a juventude, foram feitas notas de intelectuais e organizações populares, tendo o nome da organização se difundido ao redor do mundo.

Moradores e ativistas celebram 1° de maio e expressam solidariedade ao Acampamento Manoel Ribeiro da LCP, durante evento no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro

Veja mais: Pichações em apoio à LCP tomam as ruas de todo país (Atualizado 04/07/2022)

Diante dessa nova e humilhante derrota, a reação buscou vingar-se sobre destemidos jovens que foram presos sob falsas acusações durante a resistência contra a criminosa e ilegal operação policial contra o acampamento. Mesmo sem nenhuma prova e cometendo toda sorte de ilegalidades e arbítrio, o judiciário serviçal do latifúndio os condenou a cumprir penas sem terem cometido crime algum. Porém, uma vez mais, a reação fracassou no seu intento de intimidar e frear luta camponesa.

O certo é que a luta camponesa em Rondônia segue pujante, tendo desde 1995 realizado dezenas de tomadas de terra, sem claudicar. Os camponeses seguem lutando e resistindo, como demonstra hoje a vitoriosa resistência dos acampamentos Tiago dos Santos e Ademar Ferreira. Apesar da reação colérica do latifúndio e seus bandos armados, do velho Estado e seus esbirros, apesar de incontáveis assassinatos e prisões, de suas operações Canaã, Brasil, Nova Mutum, entre outras, os intentos de retirar as famílias de suas terras têm resultado em eminentes fracassos.

Independentemente da vontade de quem quer que seja, não importa quanto sangue seja derramado e quantas humilhações sejam perpetradas contra o povo, o certo é que a luta camponesa no país seguirá até a destruição completa de todo o latifúndio. Certo é também que acabou o tempo em que os crimes da reação ficavam impunes e antes do que pensam seus inimigos os camponeses pobres darão a sua resposta, como em maio de 2019 declarava a Comissão Nacional das Ligas de Camponeses Pobres: “Como os indígenas massacrados neste país os camponeses lutaram em centenas de levantamentos armados e nunca pararam de lutar. O fato das derrotas destes séculos de lutas ocorrerem, ora por falta de condições objetivas e ora por falta de uma direção esclarecida, não os condena eternamente à derrota. Muito ao contrário, foi exatamente a sua persistência na luta, apesar das derrotas e aprendendo delas, que puderam conhecer o caminho da vitória. A reação pensa que sempre derrotará as massas, mas os camponeses têm aprendido muito e lutarão, não segundo a provocação de seus inimigos jurados, mas a seu modo, à sua maneira, e no momento que melhor lhes convier darão fatalmente essa luta de armas na mão.” Aos inimigos do povo só resta fracassar, fracassar e fracassar, até a derrota derradeira.

VIVA OS 27 ANOS DA HEROICA RESISTÊNCIA CAMPONESA ARMADA DE CORUMBIARA!
VIVA A SAGRADA LUTA PELA TERRA! TERRA PARA QUEM NELA VIVE E TRABALHA!
ABAIXO O GOVERNO MILITAR GENOCIDA DE BOLSONARO!
VIVA A REVOLUÇÃO AGRÁRIA, MORTE AO LATIFÚNDIO!

9 de agosto de 2022,

Comissão Nacional das Ligas de Camponeses Pobres

Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia e Amazônia Ocidental

 

A Batalha de Santa Elina nunca será esquecida

Em 1995 o latifúndio e o velho Estado tentaram afogar em sangue a luta camponesa e assim paralisar as tomadas de terra no cone sul de Rondônia. No entanto, as 600 famílias acampadas na antiga fazenda Santa Elina opuseram heroica resistência armada contra a repressão sangrenta, transformando-a numa batalha.

Durante a segunda metade de julho daquele ano, todas as investidas dos bandos armados de pistoleiros haviam sido derrotadas pela resistência dos camponeses com armas rudimentares de caça. A situação começou a preocupar e os latifundiários pressionaram o governo para levar adiante o massacre planejado. O então governador e latifundiário Valdir Raupp (PMDB) foi o principal responsável por uma das páginas mais sangrentas da luta pela terra no Brasil, autorizando a ação genocida da polícia militar para exterminar a organização dos camponeses. Para cumprir a operação, a polícia teve o financiamento dos latifundiários Antenor Duarte do Valle e Hélio Pereira de Morais.

Na madrugada do dia 9 de agosto, pistoleiros recrutados nas fazendas da região, usando fardamento da pm, iniciaram os ataques ao acampamento. Após horas de tiroteio, quando acabaram as munições dos camponeses, a pm assassina invadiu o acampamento. Depois de rendidos, os camponeses sofreram os ataques mais hediondos: a pequena Vanessa Santos, de 7 anos, foi fuzilada nas costas, líderes da resistência foram caçados, sequestrados e torturados, um camponês teve os olhos furados, outro foi obrigado a comer parte do cérebro de um companheiro cuja cabeça foi esmagada pelos policiais, entre tantas outras bestialidades. O jovem camponês Sérgio Rodrigues Gomes, foi levado numa caminhonete da fazenda e seu corpo foi encontrado após 14 dias, com marcas de torturas. Pouco tempo depois, também foi assassinado na porta de sua casa, em Corumbiara, o vereador Manoel Ribeiro, o Nelinho, que apoiou as famílias durante toda a ocupação.

Ao todo, 11 camponeses foram assassinados e vários desapareceram. Mais de 200 ficaram com sequelas físicas e psicológicas e muitos companheiros faleceram posteriormente devido a doenças causadas pelas torturas. O terrorismo de Estado só não resultou em mais mortes graças à heroica resistência camponesa armada, mesmo em condições desiguais contra os assassinos pistoleiros e policiais armados até os dentes.

Tentaram afogar em sangue a luta pela terra mas não conseguiram! Nos dias seguintes à batalha, quando as famílias iam se reencontrando, diziam: “Vamos retomar Santa Elina!” A coragem superou o medo, porque tinham a certeza de que sua luta era justa, que precisavam de terra para viver e trabalhar. Ao contrário do que o latifúndio esperava, a repressão sangrenta gerou enorme solidariedade e fez explodir o ódio das massas, levantando uma onda de novas tomadas de terra por todo o país.

A resistência camponesa armada em Corumbiara foi um divisor de águas na luta pela terra no Brasil, ao romper com toda a prática oportunista de negociações com órgãos do governo e traições aos camponeses. Foi a mãe do movimento camponês de novo tipo no país, dando origem à Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia e Amazônia Ocidental, posteriormente se unindo com outras lutas e se espalhando por todo o país.

A Liga dos Camponeses Pobres (LCP) foi fruto dessa heroica resistência e sempre serviu e honrou àquelas famílias e a todos camponeses pobres. Após muitas lutas, em 2010, centenas de famílias conquistaram a maior parte da fazenda Santa Elina, dirigidas pela LCP e pelo Comitê de Defesa das Vítimas de Santa Elina (CODEVISE). Enfrentaram ameaças, provocações de bandos de pistoleiros e de policiais, além das sabotagens do Incra e de oportunistas de vários tipos.

Apesar disso, os camponeses venceram. As terras da maior parte da fazenda Santa Elina foram cortadas e entregues a centenas famílias camponeses, onde hoje vivem e produzem. Seguindo a luta organizada e combativa, conquistaram energia elétrica, reforma de estradas e pontes, escola, posto de saúde e seguem lutando contra as multas e repressão dos diferentes órgãos do velho Estado (como Sedam e ICM-Bio), para conquistar maquinários, assistência técnica, preço justo para sua produção e titulação definitiva de suas terras.

 

Vítimas de Santa Elina: A justiça não foi feita!

Desde agosto de 2001, quando foi fundado o CODEVISE, foram organizadas várias lutas pela punição dos assassinos e mandantes e pela indenização de todos os camponeses. Apesar da vitoriosa conquista das terras de Santa Elina, o velho Estado segue impune até hoje e nenhum dos responsáveis foi punido. O latifundiário Antenor Duarte sequer foi julgado. Valdir Raupp também seguiu impunemente atuando na politicagem do congresso de bandidos e corruptos. O mesmo ocorreu com José Ventura Pereira, tenente-coronel que comandou as tropas assassinas e Welligton Luiz Barros, comandante geral da pm à época. Apenas o policial Vitório Regis Mena Mendes foi “condenado” num julgamento farsante e respondeu todo o processo em liberdade.

Já os comandantes da Companhia de Operações Especiais (COE), o então capitão José Hélio Cysneiros Pachá e o então tenente Mauro Ronaldo Flores Correia, não apenas deixaram de ser punidos, mas foram promovidos. José Hélio Cysneiros Pachá chegou a coronel da pm e atualmente é secretário de segurança do governo estadual. E Mauro Ronaldo Flores Correia também virou coronel e até poucos dias atrás era comandante geral da pm. Enquanto os pm seguiram impunes e foram promovidos, três lideranças dos camponeses foram condenadas como responsáveis pelo conflito, sendo que um deles, o Cícero, passou muito tempo na cadeia.

O governo brasileiro foi condenado como responsável pelos assassinatos e torturas pela corte interamericana de justiça da Organização dos Estados Americanos (OEA), que entendeu pela indenização das vítimas, já que a ação violenta da pm foi uma operação de guerra do Estado contra os camponeses. Mas, além de não atender às recomendações e ao pagamento das indenizações, o governo estadual informou oficialmente à corte que as indicações da OEA teriam sido encaminhadas e tudo estaria bem com as vítimas de Santa Elina.

Essa é mais uma mentira do governo de turno que será desmascarada. As vítimas de Santa Elina ainda cobram punição aos mandantes e executores dos crimes de 1995 e exigem o pagamento imediato das indenizações a todas as vítimas da repressão e a seus familiares.

 

Honra e glória aos heróis da Resistência Camponesa Armada de Corumbiara!

Rendemos nossas mais profundas homenagens e honras aos heróis do povo tombados na Batalha de Santa Elina, que derramaram seu precioso sangue pela conquista daquelas terras, pela Revolução Agrária, por Justiça e uma Nova Democracia em nosso país: Sérgio Rodrigues Gomes, Vanessa dos Santos Silva, Manoel Ribeiro “Nelinho”, Maria Bonita, Ari Pinheiro dos Santos, Alcindo Correia da Silva, Enio Rocha Borges, Ercílio Oliveira de Campos, José Marcondes da Silva, Nelci Ferreira, Odilon Feliciano, Oliveira Inácio Dutra, Jesus Ribeiro de Souza e Darli Martins Pereira.

 

Veja abaixo imagens de manifestações em solidariedade ao Acampamento Manoel Ribeiro realizadas ao redor do mundo:

 

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