Viva os 30 anos da Heroica Resistência Camponesa de Santa Elina

Luta camponesa


O texto disponibilizado abaixo será publicado em capítulo de livro sobre os 30 anos da batalha de Santa Elina, organizado por pesquisadores da Universidade Federal de Rondônia.

Viva os 30 anos da Heroica Resistência Camponesa de Santa Elina

Juramos pelo sangue derramado dos nossos companheiros na fazenda Santa Elina, levar a qualquer custo a luta pela terra, pela democracia, justiça e trabalho até a vitória final”1

Neste 9 de agosto de 2025 completam-se 30 anos da inesquecível e heroica resistência armada dos camponeses na então fazenda Santa Elina, em Corumbiara-RO. Em 1995, o latifúndio com seus guaxebas2 e os órgãos repressivos do velho Estado tentaram afogar em sangue a luta camponesa pela terra e, assim, paralisar as tomadas de terra na região da Amazônia Ocidental e no País afora. Mas, naquele confronto desigual, as 600 famílias acampadas naquela fazenda opuseram uma heroica resistência armada contra a repressão sangrenta sobre os camponeses em luta por um pedaço de terra, e o que era para ser só mais uma chacina, como tantas ocorridas naqueles rincões distantes dos grandes centros do País e soterradas na história oficial, transformou-se numa batalha feroz.



O açambarcamento de terras da União pelos latifundiários em Rondônia


Paralelo a alguns poucos projetos de colonização dos governos do regime militar fascista, e na medida em que a corrupção na burocracia do INCRA – logo tornado superintendência regional – ia dando a concessão de extensas áreas de terras da União para exploração a grandes latifundiários de diferentes regiões do País, principalmente do Paraná e Rio Grande do Sul, reproduzia a vigência desde sempre em nossa história secular da concentração da propriedade da terra e, ao mesmo tempo, o que ficou sacramentado com a “Lei de Terras”, de 1850, o açambarcamento de terras públicas pelos ricos, através do critério de que a propriedade da terra só se pode acessar pela compra, excluindo os pobres, dentre eles a massa de milhões de ex-escravos 33 anos depois com o fim oficial da escravidão no País. Paralelo a isto, alguns programas de colonização “assentaram” famílias em lotes com quase nenhuma infraestrutura mínima e outras áreas destinadas a meras entregas de parcelas se tornaram quase um inferno para a vida das famílias camponesas: abria-se um linhão de grande extensão e marcavam-se as parcelas para a alocação das famílias, a começar do seu final em relação à conexão com a estrada de ligação com a rodovia BR 364. Isoladas pelas distâncias geográficas e cercadas pelas mata, as famílias tinham que trabalhar e viver com muito pouco contato com as cidades e, assim, quando acometidos pela malária, tinham que transportar em animais, carroças e mesmo nas costas os parentes enfermos, o que resultou em muitas mortes de membros destas famílias.


A luta pela terra no sul de Rondônia

A colonização de Rondônia recebeu grande impulso no final da década de 1970, com sucessivas ondas de migrantes atraídos por promessas de terras férteis do Programa de Integração Nacional do regime militar. Dezenas de milhares de camponeses, vindos principalmente do sul e sudeste do País, estabeleceram-se primeiramente no sul do estado, áreas com as melhores terras que ficaram concentradas nas mãos dos grandes latifundiários criadores de gado, após dizimarem dezenas de aldeias indígenas, sob vistas grossas dos militares, quando não com a sua participação.

No sul de Rondônia, principalmente a partir de 1985, os migrantes camponeses pobres já cansados de esperar pelas promessas não cumpridas dos governos, sofrendo as consequências da malária com perda de entes queridos e pelo grande isolamento geográfico, revoltam-se, abandonando a atitude passiva. Com os seus parcos recursos trazidos de suas regiões de origem esgotados e sem quaisquer condições de retornarem a elas, tanto por não ter mais recursos para a viagem com seus pertences e familiares quanto por terem deixado a terra natal ao terem perdidoquase tudo que tinham, começaram a se mobilizar e se organizar, para juntos entrarem naquelas vastas terras cobertas de matas, fazer a derrubada, levantar uma casa e botar roça nelas. Logo seriam atormentados por bandos de pistoleiros, aos quais deram-lhes a alcunha de guaxebas, que os expulsavam com ameaças de morte e a tiros e incêndios de suas casas.

Sem terem para onde ir, muitas destas famílias se recusavam a virar pedintes nas pequenas cidades e menos ainda na distante capital, fazendo se destacar do seu meio homens e mulheres de muita coragem e determinação, que passaram a encabeçar uma resistência mais ativa, exortando a todos e todas retomarem as terras que haviam desbravado, feito a derrubada, lavrado a terra e botado roça. Assim se iniciou a saga de suor, sangue, lágrimas e esperança dos camponeses migrantes na luta pela terra no sul de Rondônia, na história recente do País.

Com as primeiras lutas vitoriosas, após muitos embates com a pistolagem e forças policiais a mando de grileiros latifundiários, sacrificando muitas vidas suas, mas com muita determinação, muito trabalho e forte união, aquelas famílias foram impondo suas conquistas pouco a pouco e conformando áreas produtivas de posseiros, dando origem às pioneiras vilas de Alto Guarajús, Verde Seringal e Rondolândia, que mais tarde compuseram o que veio a ser, nos anos de 1980, o município de Corumbiara.

Todas estas conquistas foram marcadas por enfrentamentos, em que o latifúndio da grilagem que já vinha se expandindo no então Território3, aumentava sua violência covarde e impune contra as famílias de camponeses que não paravam de chegar na região. O aumento do volume daquelas massas em busca de um pedaço de terra para trabalhar e criar famílias foi elevando o ânimo e o moral da luta camponesa. Em contrapartida, os bandos armados e das polícias do estado, todos a soldo dos latifundiários, aumentaram o terror contra os posseiros, avançando rapidamente com a formação de grandes latifúndios derrubando a mata de vastas áreas de milhares de hectares e formando pasto para a criação de gado. Assim avançou rapidamente o latifúndio, abocanhando as melhores e quase todas terras do Território, restando algumas áreas de preservação ambiental e os territórios indígenas de dezenas de etnias, muitos deles não demarcados ou homologados.


A tomada da fazenda Santa Elina e heroica resistência dos camponeses

Aquelas lutas combativas haviam impulsionado a criação de mais sindicatos e a federação estadual de trabalhadores rurais e atraído o apoio de organizações de luta pela terra, como a CPT e o MST. Muitas das lideranças surgidas destas lutas ingressaram nas fileiras destas organizações e tomaram parte do movimento dos sindicatos, inclusive na criação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Corumbiara. Diante da realidade violenta da luta pela terra naquela região, a direção do MST tomou posição contrária a se fazer ocupações dos grandes latifúndios da região. E foi rompendo com a direção vacilante do MST que algumas lideranças e ativistas surgidas das lutas anteriores da região, particularmente os da área Adriana, no município de Corumbiara, como Adelino, o Dinho, Claudemir, o Pantera, Cícero, o Topa-tudo e Ananias, juntaram-se para fazer a ocupação do grande latifúndio de 18 mil hectares chamado Fazenda Santa Elina, na mesma região. Um dos principais mobilizadores de massas para essa ocupação foi o companheiro Elias de Cerejeiras.

Dezenas de “caminhões boiadeiros” apinhados de massas camponesas sem-terra fizeram o transporte, na noite do dia 15 de julho de 1995, e entraram nas terras da fazenda Santa Elina. As mais de 600 famílias camponesas celebraram com alegria a chegada naquelas terras, prontamente da noite para o dia montaram o acampamento, que rapidamente ganhou o apoio de pequenos e médios camponeses e dos comerciantes de Corumbiara.

Como sempre, em favor dos latifundiários, a Justiça, morosa para as causas de interesse do povo, foi muito rápida em atender aos grileiros. No dia 19 de julho já havia sido expedida a liminar de reintegração de posse. As investidas dos bandos armados de pistoleiros haviam sido todas derrotadas pela resistência camponesa e a situação começou a preocupar os latifundiários e o governo do estado. A imprensa reacionária denunciava as “invasões de terras” e exigia a intervenção de “tropas especiais” e a punição exemplar dos líderes destas. A Sociedade Rural, braço da União Democrática Ruralista (UDR), pressionava o governador Valdir Raupp do PMDB, exigindo o pronto cumprimento da liminar expedida e que o comandante da polícia fosse preso por omissão porque protelava o despejo.

O governador Raupp, político que ligado aos latifundiários ascendeu e enriqueceu rapidamente, venceu as eleições de 1994 com apoio do PT – este, agraciado com duas secretarias de estado – foi o principal responsável por uma das páginas mais sangrentas da luta pela terra no Brasil, autorizando a ação genocida da Polícia Militar para despejar as famílias a qualquer custo. Sabedor de que os ocupantes estavam determinados a defender seu direito àquelas terras e que estes estavam organizados e inclusive com sua autodefesa minimamente armada, decidiu com o concurso de seu secretário da agricultura que lhe fornecera a identidade das lideranças daquela ocupação. O envio da quantidade de tropas e seus armamentos para cumprir a qualquer custo o despejo revelava por si mesma a intenção consciente de fazer um novo massacre de camponeses. Para executar a ordem da justiça e a autorização do governador para usar de todos os meios para expulsar aquelas centenas de famílias e castigar suas lideranças, a polícia teve ainda não só financiamento dos latifundiários como o dito dono da fazenda Santa Elina, Hélio Pereira de Morais, mas também a participação pessoal e direta junto ao seu comando do já conhecido latifundiário da região, o coronel reformado Antenor Duarte do Valle, acusado por várias chacinas de populações indígenas, ocorridas nos anos de 1970.


O ataque pelas tropas da PM e pistoleiros e a resistência dos camponeses

No dia 8 de agosto, chegou ao Acampamento o major PM Ventura acompanhado da imprensa venal daquele estado dizendo estar ali para negociar a desocupação da fazenda. Na rápida conversa ocorrida entre o oficial da PM e a Comissão dos camponeses, não se tratou de qualquer negociação, senão da informação que o major era portador de que o governo dava garantia de que não haveria represálias por parte da PM e que os camponeses poderiam sair no outro dia pela manhã. Para os camponeses ficou claro que o objetivo desta “negociação” era intimidar e enganar, como se pôde verificar na já presença de tropas da PM acantonadas nas sedes de fazendas vizinhas.

Depois desta conversa, os camponeses fizeram a assembleia onde tomaram duas decisões: que só sairiam com a garantia de um pedaço de terra para cada família e de reforçar a autodefesa. No entanto, e o que só veio a se saber posteriormente, é que uma mulher que portava um crachá de imprensa e que chegara para cobrir a dita “negociação” da PM com os sem-terras, havia ocultamente filmado o interior do Acampamento, o que deu ao comando da PM uma visão bem detalhada do terreno a atacar.

E como já dito acima, um dos secretários de estado, militante do PT, através dos canais internos do partido obteve e forneceu à Secretaria de estado de Segurança a identificação dos nomes dos que estavam liderando a mobilização e a organização da ocupação. Em carta dirigida ao governo de estado, a direção do MST da época informou que não tinha nada a ver com aquela ocupação, que os líderes tinham sido afastados do MST, confirmando assim a deleção das lideranças.

Na madrugada do dia 9 de agosto, por volta das 3 horas da madrugada, pistoleiros recrutados nas fazendas da região, inclusive usando camisas do fardamento da PM e de rostos cobertos, iniciaram os ataques ao acampamento, sendo cobertos por policiais. Após horas de tiroteio, com grande efetivo de policiais nos acessos ao interior do Acampamento e os camponeses não tendo mais munições para suas espingardas, entrou em cena o COE (Comando de Operações Especiais) sob o comando dos oficiais José Hélio Cysneiros Pachá e Mauro Ronaldo Flores. Eles utilizavam grandes holofotes, bombas de gás lacrimogêneo e todo tipo de armamento pesado. A correria para se proteger dos tiros expunham as mulheres que protegiam seus filhos, sendo algumas agarradas pelos policiais e pistoleiros sendo usadas como escudo humano, permitindo que avançassem em direção às trincheiras onde homens e mulheres principalmente jovens disparavam suas espingardas.


Torturas e execuções sumárias

Os camponeses resistiram heroicamente com paus, foices e espingardas de caça, o que garantiu que o massacre não fosse maior. Cessados os disparos da parte dos camponeses já sem munições, os policiais e pistoleiros atacavam sem distinção a todos(as) à sua frente com golpes de porrete nas cabeças, chutes no rosto, nas costas e abdômen, com espancamentos generalizados e execuções sumárias, inclusive com uso de motosserras. Ao serem rendidos, os homens ou eram executados ou mutilados, e as mulheres submetidas a vexames e abusos sexuais. A crueldade e selvageria dos policiais não teve limite. Muitos foram obrigados a comer o próprio sangue misturado à terra e até mesmo pedaços de cérebro daqueles que tiveram suas cabeças esmagadas. Outros tantos com arma na cabeça foram obrigados a carregar os corpos dos mortos para um caminhão.

Ao amanhecer do 9 de agosto, a PM montou um verdadeiro campo de concentração nas proximidades do Acampamento para onde os camponeses foram levados e mantidos presos. Durante todo o dia 9, sob o sol escaldante, os homens – em mais de 400 entre os quais muitos gravemente feridos – foram submetidos a torturas, insultos, humilhação e todo tipo de abusos na frente de suas mulheres e filhos. E as torturas e maus-tratos seguiram durante o transporte para a cidade de Colorado do Oeste, a cerca de 70 km do acampamento. Cerca de 70 camponeses foram encaminhados à delegacia de polícia, onde novamente os espancamentos e torturas prosseguiram, e centenas ficaram confinados no ginásio de esportes da cidade.

O jovem camponês Sérgio Rodrigues Gomes, com ferimentos a bala e por espancamentos foi retirado em uma caminhonete da fazenda e seu corpo só foi encontrado 14 dias depois, às margens do rio Tanarú, no município vizinho de Chupinguaia. Seu corpo foi dilacerado, em tantos dias de torturas e suplícios, seu rosto completamente desfigurado tinha a marca de três tiros.

Oficialmente, o Estado anunciou como resultado de sua ação genocida 11 mortes (dois policiais e o restante camponeses, entre os quais a pequena Vanessa de apenas 7 anos, assassinada com tiro pelas costas, ao correr se negando a pisar sobre o corpo de seu pai estirado no solo). No entanto, em razão da chacina e toda a covarde selvageria policial, pelo menos 14 camponeses foram assassinados e outros 7 ficaram desaparecidos, muitos dos feridos continuaram por longos anos com projéteis encravados no corpo e outros seguem assim até hoje. Alguns vieram a falecer posteriormente devido ao agravamento de saúde pelos ferimentos sofridos, sendo que mais de 200 ficaram com graves sequelas físicas e psicológicas.


A heroica resistência de Santa Elina deslindou a linha de classe no movimento camponês

A resistência em Santa Elina teve grande repercussão no País e no exterior, o que obrigou o governo vende pátria de FHC/ACM4 (PSDB/PFL) designar lotes para as 600 famílias. O INCRA encenou a desapropriação da Fazenda Santa Elina e logo, contando com a cumplicidade dos dirigentes do PT e da CUT no estado, os quais intermediaram negociações com o governo, desviou as famílias para outras terras. Após prolongadas negociações, os camponeses foram “assentados” em três áreas diferentes: Rio Crespo (próximo de Ariquemes), Vanessa (região de Corumbiara) e Santa Catarina (hoje Palmares, em Theobroma), onde se concentrou a maioria das famílias.

O massacre foi uma ação planejada militarmente com o objetivo de espalhar terror entre as famílias de camponeses e assim paralisar as tomadas de terra do latifúndio na região. No entanto, ao contrário do que se esperava, a repressão sangrenta gerou enorme solidariedade e fez explodir o ódio das massas, levantando uma onda de novas tomadas de terra por todo o País. No mês de abril de 1996, 8 meses após os acontecimentos de Corumbiara, milhares de camponeses que ocupavam o latifúndio Macaxeira, em Eldorado dos Carajás-PA foram surpreendidos entre dois fogos de tiros da PM daquele estado, quando se encontravam acampados nas margens da rodovia PA70, a caminho de Marabá, para protestar e cobrar do INCRA a desapropriação das terras da fazenda. Dias antes, os camponeses haviam sido fotografados por repórteres do jornal O Liberal portando suas por-fora5. Foram as agressões, os assassinatos de 19 camponeses pobres e massacres que obrigaram o movimento camponês a avançar cada vez mais em sua organização e autodefesa. No ano de 1995, foram registrados 440 conflitos de terra ao nível nacional, dentre os quais 15 em Rondônia.

A resistência camponesa em Corumbiara foi o divisor de águas na luta pela terra no Brasil após o regime militar fascista, ao romper com toda a prática oportunista de submeter a luta às negociações sempre enganosas com órgãos do governo, iludindo os camponeses com a expectativa da espera pelas promessas de “reforma agrária”. Disto originou os acampamentos de sem-terra a beira de rodovias e das cercas dos latifúndios, o engajamento da luta pela terra nas candidaturas aos poderes legislativo e executivo das três esferas do velho Estado (municipal, estadual e federal), pela dita “frente popular” na farsa eleitoral corrupta, a qual é a expressão mais acabada de “democracia” do sistema político de governo do sistema de poder, do velho e genocida Estado de grandes burgueses e latifundiários, serviçais do imperialismo, principalmente ianque (EUA).

A heroica resistência camponesa armada de Santa Elina, um levantamento no geral espontâneo, que esperava vencer através e unicamente por meio de uma guerra de posição, pagando uma cota de sangue com o sacrifício de vidas e sofrimento das massas, pôde vencer temporariamente, não só com as terras conquistadas, mas uma vitória política sumamente importante ao apontar o único caminho da resistência e luta armada e inspirar lutadores e lutadoras, para a conquista nos fatos da terra para os camponeses pobres sem terra ou com pouca terra, e dar solução ao secular problema da concentração da propriedade da terra no País, a revolução agrária desencadeadora da revolução democrática genuína para varrer as três montanhas da exploração e opressão do povo e nação brasileiros: a semifeudalidade encarnada no latifúndio, o imperialismo e o capitalismo burocrático que sustenta. Caminho único capaz de dar solução cabal aos dois problemas do País-Nação, a questão da República Democrática e da Independência nacional completa; questão que senta as bases para triunfar a revolução socialista em nosso País, da revolução democrática, agrária e anti-imperialista.

A batalha de Santa Elina em seu heroismo simbólico é um dos inúmeros combates da grande guerra camponesa que atravessa os séculos de nossa História, cujo período mais recente foi a mãe do movimento camponês de novo tipo no País, dando origem ao Movimento Camponês Corumbiara, o qual organizou outras tomadas de terras e que, através de muitas lutas políticas combatendo o latifúndio, a grande burguesia e o imperialismo, de forma inseparável do combate ao oportunismo encrustado no movimento operário popular, uniu-se firmemente ao processo de conformação das Liga dos Camponeses Pobres, surgido no Norte de Minas Gerais e espalhado para todo o País.


O Comitê de Defesa das Vítimas

No dia 06 de agosto de 2001, foi fundado em Corumbiara o CODEVISE – Comitê de Defesa das Vítimas de Santa Elina. Participaram vítimas do massacre residentes em Palmares e Corumbiara, professores, advogados, estudantes e apoiadores, com o objetivo de organizar a luta em torno de três bandeiras principais: 1) Tratamento médico adequado para as vítimas; 2) Punição dos responsáveis pelo massacre e 3) Luta pela indenização de todos vitimados.

Na questão jurídica, os processos contra o Estado não resultaram em punições aos responsáveis pelo massacre, pelo contrário, os comandantes da PM foram promovidos6 e o latifundiário Antenor Duarte sequer foi julgado, ao passo que três lideranças dos camponeses foram condenados como responsáveis pelo conflito. Em 2008, o governo brasileiro foi condenado como responsável pelo massacre pela Corte Interamericana de Justiça da OEA – Organização dos Estados Americanos que indicou a indenização das vítimas. A Corte entendeu que a ação violenta da PM foi uma operação de guerra do Estado contra os camponeses.

Na questão do tratamento médico, dezenas de camponeses receberam apoio do Socorro Popular (Organização popular para apoio e solidariedade do povo em luta) para realizar seus tratamentos em outros estados e alguns em Porto Velho, graças ao trabalho de solidariedade de médicos e apoiadores.


A luta pela indenização e o oportunismo do PT

Em agosto de 2007, após um longo trabalho de denúncia de sua situação em jornais, TV e rádios sobre o descaso do governo federal, as famílias decidiram ir para Brasília cobrar do presidente Luís Inácio a promessa que ele fez aos camponeses na época do massacre. Ficaram acampados por 23 dias nos gramados do palácio do Planalto e Lula se recusou a recebê-los.

Na Comissão Especial de Direitos Humanos, o ministro de Direitos Humanos Paulo Vanucci e o secretário do gabinete presidencial Gilberto Carvalho, em reuniões com as vítimas, prometeram que em 2 meses as reivindicações seriam encaminhadas. Mas numa reunião em Ji-Paraná em 2012, com 440 pessoas, o ministro Vanucci passou por cima de todas as promessas feitas ao CODEVISE em Brasília de que o governo federal resolveria o problema. Ele simplesmente passou a responsabilidade para o governo de Rondônia e em seguida fugiu da reunião saindo de fininho, causando revolta entre as vítimas presentes.

Sem que houvesse discussão com as vítimas, reconheceu a Fetagro (entidade governista) como responsável pelo levantamento de informações e triagem das vítimas de Corumbiara. Para isto, a Fetagro recebeu verba do governo no valor de R$ 94 mil reais. Mesmo após ser criticada por não consultar o CODEVISE e a LCP – Liga dos Camponeses Pobres sobre o projeto encaminhado ao governo federal, a direção da Fetagro não aceitou as modificações propostas. Diante disso, o CODEVISE e a LCP decidiram não participar desta farsa e desenvolver a luta pela indenização de forma independente do oportunismo eleitoreiro.


A luta pelo corte e a conquista das terras de Santa Elina

Cansados de esperar pelas promessas dos políticos, os camponeses iniciaram a mobilização para retomarem as terras da fazenda Santa Elina. No dia 11 de maio de 2008, cerca de 250 pessoas entraram na área. Novamente, 8 dias após a entrada a justiça já havia dado reintegração de posse, mesmo com os laudos apontando ser terra improdutiva e possuir uma dívida de milhões por multas de desmatamento.

O INCRA fez de tudo para impedir que as famílias permanecessem nas terras. Utilizou “lideranças” escoladas em extorquir e enganar trabalhadores para desmobilizar o acampamento prometendo dinheiro, lona e cestas básicas. Diante de todas as denúncias feitas à época e da disposição de luta dos acampados, esses traidores foram expulsos do acampamento.

Após meses de provocações e ataques de pistoleiros ao acampamento, em setembro de 2008 as famílias foram despejadas das terras, mas mantiveram-se acampadas no assentamento Adriana. Os bandos armados do latifúndio continuaram os ataques, inclusive a alguns moradores deste assentamento por apoiarem a tomada de terra.


Santa Elina é do povo

No início de 2010, o INCRA propôs ação judicial para desapropriação da fazenda Santa Elina mas, maliciosamente, por esta ação apenas uma parte da fazenda seria cortada. E o fez não para entregar as terras para os camponeses, mas para legalizar o latifundiário que ficou de fora da “ação” (explicaremos à frente). Para tentar impedir tomadas de terra na área, realizaram várias ameaças em notas publicadas na internet e através de discussões com lideranças camponesas dizendo que qualquer tentativa seria reprimida pela Polícia Federal e que o INCRA não reconheceria nenhum cadastro de famílias realizado por movimentos sociais, sindicatos ou associações.

Com estas declarações o INCRA, sob a gerência de PT, voltou a criminalizar a luta pela terra e a responsabilizar os camponeses pobres por qualquer conflito que viesse a ocorrer na área, tal como fizeram antes, em 1995, com o massacre ao final da batalha.

O principal interesse do INCRA e da Federação dos Trabalhadores Rurais do estado (então controlada pelo deputado Anselmo de Jesus – PT) era o de usar a luta de quase 15 anos das vítimas de Santa Elina para angariar votos em seus afãs eleitoreiros. Houve ainda, na época, denúncias de que antigos funcionários do INCRA de Colorado do Oeste estariam vendendo o direito a parcelas das terras da fazenda.

No mês de abril de 2010, o CODEVISE, apoiado pela LCP, iniciou a mobilização das vítimas de Corumbiara e de famílias de camponeses sem-terra para retomar a fazenda Santa Elina. Após quase dois meses de mobilização, as famílias entraram na área no dia 25 de julho de 2010 às vésperas de completar 15 anos da histórica batalha de Corumbiara.

A maior parte das terras da fazenda foram tomadas, foi realizado o Corte Popular7 e os lotes entregues às famílias das vítimas e demais camponeses sem terra ou com pouca terra. Depois de muitos meses resistindo à constante repressão da polícia, ação de oportunistas, ingerência do INCRA e governos de turno, em meio a muitas lutas e enfrentando todo tipo de dificuldade, as massas camponesas venceram. Concretizou-se parte do sonho das famílias de 1995 e hoje, nas terras da ex-fazenda Santa Elina, agora áreas Zé Bentão, Renato Nathan, Alzira Monteiro, Alberico Carvalho e Maranatã I e II, vivem e produzem milhares de famílias.


25 anos após a Batalha de Corumbiara

Quando se completaram 25 anos da batalha de Santa Elina (agosto de 2020), centenas de camponeses tomaram o restante das terras da ex-fazenda Santa Elina, atualmente conhecida como Fazenda Nossa Senhora Aparecida, e levantaram o acampamento Manoel Ribeiro8, em Chupinguaia.

Localizada no município de Chupinguaia, na linha MC01, a cerca de 675 km de Porto Velho, o latifúndio Nossa Senhora Aparecida corresponde à terça parte da antiga Fazenda Santa Elina e conta com aproximadamente 6 mil hectares grilados por uma única família que tem enriquecido às custas do uso ilegal dessas terras públicas para pecuária extensiva. Segundo informação dos camponeses, o título de propriedade e o Contrato de Alienação de Terras Públicas (CATP) são falsificados pelo latifundiário que se diz proprietário da Fazenda Nossa Senhora Aparecida. Estes documentos foram falsificados em 2010, como afirmamos acima.

Enquanto os latifundiários falsificam documentos, enriquecem os países imperialistas, destroem nossas florestas, exploram os peões, assassinam camponeses e indígenas, os milhares de camponeses pequenos e médios são responsáveis por mais de 70% da produção de alimentos que abastece a mesa dos brasileiros, segundo último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

As famílias dirigidas pela LCP enfrentaram e derrotaram bandos armados do latifúndio composto por policiais, e também derrotaram gigantesco aparato de guerra mobilizado contra as famílias pelo governador de Rondônia, coronel Marcos Rocha, que como pau mandado cumpriu as exigências dos latifundiários da região e do seu chefe à época, Bolsonaro. As famílias resistiram com todos os meios que tinham disponíveis ao cerco e ataques diuturnos da polícia, e colocaram muitas vezes a PM pra correr. Depois de muitos meses sendo repelidos e sem nunca ter conseguido penetrar na área Manoel Ribeiro, a PM sitiou toda região, bloqueou as estradas e caminhos da região praticando todo tipo de abusos contra o povo, cercou o acampamento com descomunal contingente policial, inclusive tendo reforços de tropas da Força Nacional de Segurança, enviadas pelo governo federal, e prepararam um plano para prender, assassinar lideranças, e realizar nova chacina de camponeses.

Quando os policiais levaram a termo seu plano e invadiram o acampamento, depararam-se com a área vazia e com uma faixa que tanto os assombra: “Voltaremos mais fortes e mais preparados!”. Na véspera e na escuridão da noite, as famílias se retiraram de forma muito organizada sem serem vistos, debaixo das barbas dos covardes da PM, impondo assim mais uma derrota moral aos comandantes da tropa de imbecis e massacradores de gente pobre desarmada, e toda a canalha de politiqueiros que os dirige. E é certo, que assim como desde agosto de 1995 prometemos durante anos seguidos conquistar as terras da Santa Elina, e o cumprimos na maior parte, a promessa de que voltaremos mais fortes e mais preparados para conquistar essas terras regadas com sangue camponês e indígena, se cumprirá mais dia menos dia. Que tremam os latifundiários e seus cupinchas!


O Nosso Caminho

O exemplo da heroica resistência armada dos camponeses de Corumbiara, em 1995, provocou uma forte guinada na luta pela terra e no movimento camponês, exatamente após a capitulação dentro dele pela direção do MST (não carece citar o aglomerado do revisionismo moderno e contemporâneo, os kruschovistas, os eurocomunistas, os adoradores de Xi Ji-ping e Hoxha), abalada ideologicamente pelos acontecimentos no mundo com a ofensiva geral contrarrevolucionária encabeçada pelo imperialismo ianque (EUA) com o concurso do social-imperialismo da URSS de Gorbachov e do Vaticano do papa João Paulo II, que conduziu à derrocada total da URSS social-imperialista e o estabelecimento, no início dos anos de 1990, da “Nova Ordem” do imperialismo ianque, que ganhou e mantém, ainda que em declínio, a condição de superpotência hegemônica única. Esta ofensiva se expressou em nosso País, exatamente com a chegada ao topo do gerenciamento do velho Estado do oportunismo eleitoreiro da “frente popular”, a qual condensava o aglomerado de tendências que, ou renegaram o marxismo ou, verbalizando sua defesa, na prática o negava ao negar sua essência revolucionária e da causa comunista, expressa em seus pilares da necessidade e inevitabilidade da luta de classes, do partido revolucionário do proletariado, da violência revolucionária, da ditadura do proletariado e do socialismo científico.

Este ascenso do oportunismo eleitoreiro ao gerenciamento do velho Estado e governo de turno das classes dominantes locais de grandes burgueses e latifundiários, serviçais do imperialismo, como administradores da crise do capitalismo burocrático no País, crise geral de decomposição, para manter o sistema, salvá-lo de sua ruína ao buscar embelezar suas instituições e lutar para sua manutenção, ao contrário de fazê-las ruir como corresponde ao papel dos marxistas, passou a presidir a repressão às massas populares. E com explicações de que a repressão é obra dos governos dos estados, tenta passar a ideia de que este velho Estado é um aglomerado eclético de estruturas e não a realidade de uma só estrutura burocrática de cima abaixo destinada a impor e defender esta velha ordem secular de exploração e opressão. Direções que sucumbiram sob a justificativa de um interminável refluxo do “movimento de massas”, de que acabou a burguesia nacional e o latifúndio improdutivo no País e que o inimigo a combater é o “capital global”, pérolas de uma análise subjetiva de um mundo de crises e tormentas crescentes, que no País se expressa com a ascensão organizada da extrema direita, fruto do fracasso e bancarrota ideológica da socialdemocracia tupiniquim neoliberal e populista/pós-moderna, respectivamente PSDB e PT com sua Frente, e o PDT acabou quando da morte de seu líder Brizola).

E como já dito, a Batalha de Santa Elina foi um divisor de águas na luta pela terra no Brasil, ao romper com toda a prática oportunista legalista e de traição aos camponeses. Foi a mãe do movimento camponês de novo tipo no país. Desde então os camponeses, livres das direções oportunistas, passaram cada vez mais a enxergar que somente a Revolução Agrária entrega terra aos pobres no campo, que nada podemos esperar dos sucessivos governos de turno a não ser engano, migalhas e repressão. E foi seguindo esse caminho que inúmeras áreas camponesas foram conquistadas em Rondônia e em outros estados do País, tomadas da mão do latifúndio ladrão de terras da União, cortadas em pequenas parcelas e entregues aos camponeses pobres sem-terra ou com pouca terra. Não há caminho fácil para a conquista da terra, assim tem sido ao longo de séculos em nosso país, mas com uma direção conscientemente forjada, politização das massas, organização, combatividade e aplicando a linha da Revolução Agrária se pode enfrentar e vencer o latifúndio, seus pistoleiros e seu braço armado nas forças policiais covardes e sanguinolentas do seu velho Estado.

Da parte desse velho Estado nada podemos esperar a favor do povo. Todos mandantes e executores dos crimes cometidos em agosto de 1995 seguem impunes. Da mesma forma, seguem impunes mandantes e executores de várias chacinas de camponeses, inclusive os covardes assassinos do BOPE, que ceifaram a vida dos nossos companheiros Gedeon, Rafael, Amarildo, Amaral, Kevin, Rodrigo, Raniel entre tantos outros. Mas não se esqueçam senhores, estamos fazendo as contas e pagarão caro! Como diz uma de nossas canções, “o risco que corre o pau, corre o machado”, “aquele que manda matar também tem que morrer!”.

Desse atual governo, menos ainda se pode esperar algo a favor do povo além de migalhas. Basta ter olhos pra ver! Em 1995 Luiz Inácio, em campanha eleitoral, esteve na fazenda Santa Elina prometendo terra, indenizações aos camponeses e punição para mandantes e executores das bestialidades cometidas. Mas quando foi eleito, nada fez e sequer recebeu as famílias organizadas do CODEVISE, quando estes estiveram por cerca de um mês acampados em Brasília, em 2009, para cobrar as promessas. Nos 14 anos anteriores (2003 a 2015) em que estiveram no governo nada fizeram para mudar a realidade agrária no campo, de indecente concentração de terras nas mãos de um punhado de parasitas, os latifundiários (pomposamente chamados de agronegócio), ladrões de terra da União. Menos ainda farão com este atual governo da aliança reacionária de banqueiros com o oportunismo. Como já ocorre, e se não bastasse todas as benesses e privilégios dos latifundiários ao longo dos sucessivos governos, através do tal Plano Safra, presentearam agora com R$ 447 Bilhões (2025) os latifundiários ladrões de terra da União e devastadores das florestas e do meio natural, valores que superam, inclusive, o destinado anteriormente pelo desembestado Bolsonaro, descarado defensor dos latifundiários. Por outro lado, para o que chamam de “agricultura familiar”, os que realmente colocam comida na mesa da população, como sempre, apenas migalhas.

Mais do que nunca, segue vivo o exemplo da resistência armada dos camponeses de Corumbiara e de tantas outras heroicas lutas em áreas que seguem o caminho da Revolução Agrária!

Mais do que nunca devemos seguir o caminho da Revolução Agrária, único caminho possível para destruir o latifúndio e entregar terra a quem nela trabalha, sentando assim base para varrer com a secular dominação do sistema latifundiário, democratizar a propriedade da terra e conduzir nosso país para uma Nova Democracia, unindo trabalhadores do campo e da cidade, e criar um Brasil Novo, onde o povo possa de fato governar, garantir seus direitos e aspirações, e fazer verdadeira justiça!

Terra a quem nela trabalha!

Honra e glória eternas aos heróis e heroínas da resistência camponesa armada de Corumbiara!

Honra e glória eternas aos heróis e heroínas do povo brasileiro que verteram seu sangue na luta pela Revolução Agrária!

Morte ao latifúndio! Viva a Revolução Agrária!

LCP – Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia e Amazônia Ocidental

Agosto de 2025

Notas:

  1. Juramento feito pelos resistentes da Batalha de Santa Elina na fundação do MCC em Jaru, 25 de fevereiro de 1996. Juramento assumido pelos continuadores da luta de Santa Elina e fundadores da LCP. ↩︎
  2. Como os pistoleiros são chamados pelo povo em Rondônia ↩︎
  3. Elevado à categoria de estado em 1981. ↩︎
  4. Fernando Henrique Cardoso, presidente da república e Antônio Carlos Magalhães, senador, presidente do congresso à época. ↩︎
  5. Como é denominada pelos camponeses no sul do PA, a espingarda Fulminante, usada para caça. No campo são em sua maioria de fabricação artesanal, carregadas pelo cano, conhecidas em outras regiões do País por polveira e soca-soca. ↩︎
  6. José Hélio Cysneiros Pachá chegou a coronel da PM e secretário de segurança do governo estadual, quando novamente voltou a comandar pessoalmente a repressão a camponeses da área Manoel Ribeiro que tomaram as terras restantes da antiga fazenda Santa Elina. Mauro Ronaldo Flores Correia também virou coronel e chegou a ser comandante-geral da PM. ↩︎
  7. Como o programa da Liga dos Camponeses Pobres denominam a medição das parcelas e sua distribuição aos camponeses da terra ocupada, feito por eles próprios, cumprindo deliberação da sua Assembleia Popular ↩︎
  8. O nome do acampamento foi dado em homenagem ao companheiro Manoel Ribeiro, o Nelinho. Ele era vereador de Corumbiara que apoiava sincera e energicamente a luta camponesa e as famílias acampadas. Dias depois da batalha na fazenda Santa Elina em 1995 ele foi assassinado. ↩︎