Notícias da Luta Camponesa 03: Continuidade da luta em MS

Nota da redação: Reproduzimos aos leitores duas notas publicadas pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), respectivamente em 27 e 29 de junho de 2022, acerca da continuidade da luta dos povos originários no Mato Grosso do Sul.

Tais notas comprovam mais uma vez o ascenso da luta camponesa e dos povos originários, e nem o sangue nem o fogo é capaz de fazê-la cessar, mas a impulsionam, unindo ainda mais o povo contra seus algozes.

O apoio e a massividade no enterro do indígena assassinado, assim como as desesperadas ações policiais ocorridas em Naviraí (MS), de forma quase simultânea ao massacre de Guapoy, são ao mesmo tempo a demonstração da impotência da reação e a demonstração da força do povo!

Confira as notas completas a seguir.

Em solidariedade, cerca de 2 mil pessoas acompanham enterro de Vitor Guarani Kaiowá, assassinado no território de Guapoy (MS)

Por Marina Oliveira em 27/06/2022

Enterro de Vitor Guarani Kaiowa, em Guapoy, Amambai (MS). Vitor foi assassinado, brutalmente, por policiais militares após indígenas retomarem parte do território de Guapoy. Foto: povos Guarani Kaiowa

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

Cerca de 2 mil pessoas marcharam e acompanharam, na tarde desta segunda-feira (27), o enterro de Vitor Guarani Kaiowá, indígena brutalmente assassinado pela Polícia Militar na última sexta-feira (24), no território Guapoy, em Amambai, no Mato Grosso do Sul.

A marcha ocorre após a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF) realizarem um acordo [1] com o fazendeiro que ocupa, atualmente, a área da retomada dos Guarani Kaiowá.

O acordo estabelecido é de que o enterro em cova seja feito até 15 metros da cerca – uma forma de evitar um novo episódio de violência policial e permitindo, assim, que amigos e parentes de Vitor possam visitar o túmulo.

“Desde que o corpo foi liberado, fizeram um velório e mantiveram o corpo, demandando o direito de enterrar sobre o território. E isso é uma questão importante para os povos Guarani Kaiowá. Eles fazem essa ligação: de onde tomba o guerreiro com a questão espiritual de estar plantado sobre a terra tradicional”, afirmou um dos representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – que, por segurança, terá sua identidade preservada.

“Os Guarani Kaiowá fazem a ligação de onde tomba o guerreiro com a questão espiritual de estar plantado sobre a terra tradicional”

No dia 24 de junho de 2022, policiais militares atiraram, com balas de borracha e armas de fogo, contra indígenas da retomada Guapoy, em Amambai (MS). Nove pessoas ficaram feridas e uma veio a óbito. Foto: povos Guarani Kaiowá

Na manhã do dia 24 de junho, fazendeiros da região e policiais militares invadiram o território de Guapoy, em Amambai, em Mato Grosso do Sul, no intuito de expulsar, por meio do uso da força, os indígenas – mesmo não havendo ordem judicial. Devido à gravidade e truculência do ataque, os indígenas referem-se à situação como “massacre de Guapoy [2]”.

Na ocasião, policiais militares dispararam tiros de borracha e de arma de fogo contra os indígenas, deixando ao menos nove feridos e um morto – Vitor Guarani Kaiowá, de 42 anos. A comunidade denuncia ainda ser alvo de uma série de preconceitos e acusações que não encontra respaldo na realidade dos fatos.

A reserva de Amambai é a segunda maior do estado de Mato Grosso do Sul em termos populacionais, com quase 10 mil indígenas.

Para os Guarani Kaiowá, Guapoy é parte de um território tradicional que lhes foi roubado – quando houve a subtração de parte da reserva de Amambai. Os indígenas clamam atenção, exigem proteção às suas vidas e seus direitos.

Além de se solidarizar e seguir acompanhando o caso [3], o Cimi pede, com urgência, o envolvimento de órgãos federais, bem como do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), a fim de controlar a situação e investigar os episódios.

1. Baixe aqui o acordo

2. Massacre de Guapoy

3. Solidarizar e seguir acompanhando o caso

Acesse aqui a nota no site do Cimi

Além do ‘Massacre de Guapoy’, Polícia Militar ataca famílias Kaiowá e Guarani, de Kurupi, em Naviraí (MS)

Por Marina Oliveira em 27/06/2022

Guarani e Kaiowá em manifestação em Brasília. Fotos: Laila Mendes e Egon Heck/Cimi
Guarani e Kaiowá em manifestação em Brasília. Fotos: Laila Mendes e Egon Heck/Cimi

Por Cimi Regional Mato Grosso do Sul

Ao mesmo tempo em que ocorria o ‘Massacre de Guapoy [1]’, episódio marcado pela violenta ação da Policia Militar (PM) do estado de Mato Grosso do Sul, que assassinou o indígena Vitor Fernandes e deixou dezenas de feridos, uma série de outros ataques igualmente protagonizados pela PM e fazendeiros da região de Naviraí (MS) ficaram ofuscados e sub-noticiados.

Esses ataques são importantes para, na contramão do que tem argumentado a Polícia Militar em relação ao ‘Massacre de Guapoy’, elucidar o fato de que, em Mato Grosso do Sul, as forças de segurança têm agido organicamente e de maneira ilegal na defesa de interesses privados.

Acampados há pelo menos duas décadas na beira da BR-163, cerca de 28 famílias Kaiowá e Guarani, do território de Kurupi/Santiago Kue, estão sob a mira de policias, fazendeiros e jagunços há pelo menos cinco dias – sofrendo ataques e cercos diários, envoltos em clima de terror.

Ataques Recentes

Na noite de quinta-feira (23), cerca de 30 indígenas retomaram parte de seu território ancestral, localizado dentro do macro território Dourados-Amambai Pegua II, em Naviraí (MS). Os indígenas chegaram a ocupar a Sede da Fazenda Tejui, uma das que incide sobre seu território.

De acordo com uma das lideranças da comunidade, a motivação da retomada ocorreu em razão das diversas ameaças que os indígenas voltaram a sofrer por parte dos fazendeiros da região. E, ao mesmo tempo, por medo de as demarcações sofrerem retrocessos perante o atual cenário político, ainda mais após a retirada de pauta do julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365.

Logo após a retomada, os indígenas sofreram um pesado ataque armado. Nesse momento, identificaram, entre seus agressores, fazendeiros, jagunços e integrantes da PM – esses últimos, inclusive, postaram vídeos em redes sociais comemorando a ação de despejo ilegal. O ataque em Naviraí começou ainda na madrugada da última quinta-feira e se estendeu até o início da manhã seguinte, resultando no desaparecimento de três pessoas – que foram encontradas dias depois.

“Logo após a retomada, os indígenas sofreram um pesado ataque armado.  Identificaram, entre seus agressores, fazendeiros, jagunços e integrantes da PM “

Os indígenas relatam a intensidade dos disparos efetuados por arma de fogo e denunciam que, por muito pouco, não ocorreu um segundo massacre, na mesma manhã que ocorria o de Guapoy.

Após esse primeiro ataque, entre sábado (25) e terça-feira (28) os cercos e disparos têm sido incessantes e diários, sendo que nessas novas investidas os ataques têm sido proferidos contra o pequeno acampamento Kaiowá e Guarani espremido entre as fazendas e a BR-163. No domingo (26), ao alvorecer, disparos foram efetuados contra a comunidade, que buscou dissuadir os policias e fazendeiros com gritos e barulhos.

Já nessa segunda, dia 27, indígenas denunciam que unidades policias se instalaram dentro da Sede da Fazenda Tejui e, de lá, passaram a organizar momentos de disparos contra a comunidade, um desses flagrado por meio de gravações de vídeos – os tiros são claramente escutados. Novamente, nesse caso, os indígenas saíram até o limite do acampamento para tentar impedir um possível deslocamento dos fazendeiros e policiais até o local onde estão  suas famílias.

“Após esse primeiro ataque, entre sábado (25) e terça-feira (28) os cercos e disparos têm sido incessantes e diários”

Infelizmente, ataques ilegais efetuados por policias, sejam eles despejos sem ordem de reintegração de posse ou cercos e disparos contra comunidades, têm se tornado evento cotidiano no estado de Mato Grosso do Sul. Em razão disso e, pela vulnerabilidade do local onde os indígenas de Kurupi se encontram, a comunidade segue pedindo socorro e atenção das instâncias responsáveis.

Ataques se somam a histórico de violações

Infelizmente, os últimos ataques protagonizados pelos policiais e fazendeiros não são as primeiras violações conhecidas pelos indígenas de Kurupi. Os indígenas esperam acampados há duas décadas a publicação de um Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), já concluído pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

O ato em si já é uma terrível violação aos Direitos Humanos e Indígenas, uma vez que, sem seu território, os Guarani e Kaiowá encontram-se em péssimas condições de vida e vêm passando por longos períodos de fome. Tendo o território negligenciado, ficam à mercê de inúmeros ataques.

1. Massacre de Guapoy

2. Acesse aqui o vídeo que acompanha a nota

Acesse aqui a nota no site do Cimi

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