Omissão do Estado brasileiro e milícias de fazendeiros produzem mais mortes

Povos originários

Como foi falado por lideranças indígenas do estado de Mato Grosso do Sul, durante a cúpula dos povos/Rio+20 realizada na cidade do Rio de Janeiro no dia 21 de junho de 2012, “o Estado brasileiro não mede esforços para mostrar ao mundo um Brasil que não existe”.

Não bastasse os já assegurados direitos indígenas em nossa Constituição Federal de 1988 (artigo 231), para o mundo, o Brasil é signatário da Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Autóctones, de 13 de setembro de 2007, que reconheceu importantes direitos em Assembleia da ONU. Fundamentalmente, o Artigo 26 do pacto internacional assegura o reconhecimento e demarcação dos territórios tradicionais indígenas de todo o mundo.

Fez isso perante todos, perante o mundo, alegando não querer deixar equívocos sobre o caminho que o Estado brasileiro pretende seguir na sua relação com seus povos e comunidades indígenas do Brasil.

Porém, a realidade dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul[1], em especial dos povos Kaiowá-Guarani e Terena, já amplamente divulgada em nível nacional e internacional, é tida hoje como uma das piores realidades do mundo no que tange ao desrespeito pelos Estados Nacionais dos direitos humanos fundamentais dos povos indígenas.

Nesse sentido, torna-se vergonhosa e cínica a omissão irresponsável e, diga-se, “criminosa”,dos órgãos do Estado brasileiro, principalmente do Poder Executivo Federal e Judiciário Federal, no sentido de negar incessantemente os direitos fundamentais dos povos, consignados na legislação brasileira e internacional, em não resolverem de uma vez por todas uma demanda histórica que custou a vida de incontáveis indígenas.

Neste cenário de violência, foi registrada na tarde de hoje o assassinato de mais uma liderança indígena na Terra Indígena Ñande Rú Marangatú, no município de Antonio João. Conforme foi noticiado às 16h32min pelo Jornal “Correio do Estado”, de Campo Grande, “Autoridades confirmam morte de indígena em área de conflito no Estado” (disponível em www.correiodoestado.com.br/cidades/autoridades-confirmam-morte-de-indigena-em-area-de-conflito-no/256339/).

Desde o dia 23 de agosto desse ano, os Kaiowá-Guarani vem ocupando várias fazendas incidentes na Terra Indígena Ñande Ru Marangatú. Este período coincide com 10 anos da expulsão dos indígenas dessa terra, após a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal e Tribunal Regional Federal da 3. Região, cujos processos encontram-se até hoje ainda pendentes de julgamentos definitivos.

A demarcação de Ñande Rú Marangatu. Um breve histórico da realidade

A Terra Indígena ÑandeRuMarangatú, localizada no município de Antonio João, vem sendo reivindicada para fins de demarcação há décadas pelo povo Kaiowá-Guarani de Mato Grosso do Sul.

A ocupação da terra indígena pelos Kaiowá remonta tempos imemoriais, sendo que entre o fim da década de 1940 e meados da década de 1950 as famílias começaram a ser drasticamente expulsas de seu território por fazendeiros colonizadores, com a total conivência e apoio do Estado brasileiro. Tais fatos são atestados por laudos antropológicos realizados por perícias determinadas pelo Poder Judiciário.

O procedimento administrativo de identificação e delimitação da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu[2] foi iniciado em 09 de abril de 1999, nos termos do previsto no Decreto nº. 1.775/1996 tendo sido concluído no ano 2001, reconhecendo como terra tradicionalmente ocupada pelos Kaiowá a extensão de 9.317 hectares.

Desde janeiro de 1999, cerca de 1.054 indígenas vinham ocupando apenas 26 hectares de sua terra tradicional no local onde se localiza a aldeia “Campestre”, espaço que foi destinado aos índios pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra).

Em 2001, foi movida pelos fazendeiros incidentes na terra indígena Ação Declaratória visando obter do judiciário o pronunciamento de que a terra “não é de ocupação tradicional indígena”. Referida ação ainda encontra-se em tramitação, aguardando-se uma decisão final que deve ser feita pela Justiça Federal.

Em 30 de outubro de 2002 o então Ministro da Justiça, Paulo de Tarso Ramos Ribeiro, declarou a área Ñande Ru Marangatu como sendo de posse permanente do povo Kaiowá-Guarani sendo que neste mesmo ano, segundo informações da FUNASA coletadas no Sistema de Informação do Programa de Vigilância Nutricional, na Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, 22,06% das crianças entre 0 (zero) e 05 (cinco) anos apresentaram um grave quadro de desnutrição (< P3) e 17, 65% apresentaram um quadro de risco nutricional (P3 – P10, peso abaixo do ideal).

Em 2003, o índice de desnutrição já considerada grave na Terra Indígena Ñande Ru Marangatu subiu para 27, 54% e o de risco nutricional subiu para 26, 09%. Em 2004, tanto o índice de desnutrição grave como o de risco nutricional na Terra Indígena Ñande Ru Marangatu foi de 18, 01%.

Em agosto de 2004, foi contratado pela FUNAI a empresa responsável em realizar a demarcação física dos limites da terra (concluída em janeiro de 2005) e em outubro deste mesmo ano os Kaiowá ocuparam cerca de 500 hectares de parte de sua terra tradicional no local onde incidem as fazendas “Fronteira”, “Itá Brasília”, “Piqueri Santa Cleusa” e “Morro Alto”.

Em 04 de novembro de 2004, foi determinado pela Justiça Federal de Ponta Porã, a partir de Ação de Reintegração de Posse movida por fazendeiros, a retirada compulsória dos indígenas Kaiowá de parte da Terra Indígena Ñande Rú Mrangatú.

Foram interpostos recursos pelo Ministério Público Federal e Funai no TRF3, em São Paulo[3], tendo sido determinado em 02 de março de 2005 a suspensão do cumprimento da liminar expedida pela Justiça Federal de Ponta Porã

Em 28 de março de 2005, após o período de 05 anos, 11 meses e 19 dias do Processo Administrativo de Demarcação da Terra Indígena, o então Presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, expediu Decreto de Homologação da demarcação administrativa da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu.

Subsequentemente à homologação, a então Presidenta do TRF3.ª, suspendeu o cumprimento de decisão liminar proferida pelo Julgador Federal da Subseção Judiciária de Ponta Porã/MS.

Em julho de 2005 foi impetrado pelos fazendeiros incidentes na terra indígena um Mandado de Segurança[4] n. 25463 contra o Decreto de Homologação assinado pelo então  Presidente Lula.

Em 21 de julho de 2005 foi decidido pelo então Ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, pela suspensão dos efeitos da homologação da terra indígena.

Em 02 de dezembro de 2005, a Presidente do Tribunal Regional da 3.ª Região (TRF 3.) reconsiderou, em parte, a sua decisão de suspensão de liminar, proferida no mesmo processo n.º 2005.03.00.006650-0, para determinar que os Kaiowá sejam retirados de parte de sua terra tradicional onde incide a fazenda “Morro Alto”, para que voltem a ficar 26 hectares ocupados desde janeiro de 1999 na antiga “Aldeia Campestre”. O MPF e a FUNAI pediram no Supremo Tribunal Federal a suspensão do despejo, porém o pedido foi negado.

No dia 15 de dezembro de 2005, sob forte aparato bélico, a Polícia Federal despejou os Kaiowá de sua terra tradicional recém ocupada, conforme a determinação do Poder Judiciário Federal. A partir daí, os Kaiowá passam a viver acampados nas margens da rodovia MS-384 que liga os municípios de Antonio João e Bela Vista.

No dia 24 de dezembro de 2005, quando os índios ainda estavam acampados à beira da estrada, seu acampamento sofreu um ataque e o Kaiowá-Guarani Dorvalino Rocha foi assassinado com um tiro à queima-roupa por seguranças contratados por fazendeiros da região, próximo à fazenda Fronteira, de propriedade de Pio Queiroz Silva.

Em 2006, duas crianças Kaiowá-Guarani – Celiandra Pe