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Entrevista com a LCP – Liga dos Camponeses Pobres

Camponeses aprovam propostas de luta durante 4º Congresso da LCP

Por várias oportunidades o jornal Resistência Camponesa esteve visitando as áreas camponesas em Rondônia e no final de março entrevistamos Joaquim Ramos de Souza, um dos coordenadores da Liga de Camponeses Pobres de Rondônia.

Abaixo, apresentamos trechos desta entrevista que trata de questões atuais como a perseguição aos camponeses em Rondônia, o avanço da Revolução Agrária e as novas formas de organização e luta dos camponeses da região.

Resistência Camponesa: Em primeiro lugar agradecemos por nos conceder esta entrevista e gostaríamos de saber por que vocês aceitaram falar para o nosso jornal quando a imprensa dos poderosos afirmam que a Liga não fala com a imprensa?

Joaquim: Nós é que agradecemos a atenção de vocês. Por uma razão muito simples falamos com vocês, nós conhecemos o trabalho do jornal Resistência Camponesa que apoia a luta dos camponeses pela terra e de todos os trabalhadores, defende causas democráticas e populares. Mas principalmente porque vocês não mentem, não manipulam nem distorcem as palavras das pessoas e escrevem o que elas declaram.

RC: O que está por trás destas campanhas contra o movimento camponês?

Camponeses aprovam propostas de luta durante 4º Congresso da LCPJoaquim: Na história do Brasil, sempre que o povo tentou se organizar e lutar por seus direitos as classes dominantes reprimiram, principalmente a luta camponesa. E sempre pintaram as lutas do povo como crime, para justificar seus massacres.

Em Rondônia o abuso de autoridade e a repressão aos camponeses são sistemáticos, sempre ocorreram. Às vezes ganha um destaque maior, mas o dia a dia está repleto de casos que confirmam isso.

Desde 2003 sofremos ataques de todo tipo, iguais aos que estamos vendo agora, com a publicação de matérias mentirosas que difamam o movimento camponês, tratando como bandidos os que lutam pela terra.

Há mais de 3 anos temos sido acusados pelo jornal Folha de Rondônia de manter “grupos armados”. A polícia, juntamente com bandos armados do latifúndio, realizou ações de despejo, repressão, perseguições, prisões e assassinatos de camponeses em todo o estado. Conseguimos realizar atos contra a criminalização do movimento camponês, que é uma forma de mostrar para a sociedade a verdade dos fatos. E por outro lado, seguimos tomando terras e organizando os camponeses, que é a melhor forma de responder a estes ataques. Quando nos atacam com tanto ódio é sinal que estamos conseguindo nossos objetivos na conquista da terra e nossos direitos.

Somos uma organização camponesa, não somos guerrilheiros, não somos bandidos e nunca tivemos ligação com as FARC – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia ou coisa parecida. São mentiras grosseiras e sensacionalistas que vão ser desmascaradas, porque não suportam a luz da verdade.

RC: Quais são as principais lutas que a LCP tem organizado?

Camponeses de Jacinópolis fecham a BR 364, para exigir a regularização de suas terras em 2007.Joaquim: Bom, nós realizamos o 4º Congresso da LCP no ano de 2005, na cidade de Corumbiara. Participaram cerca de 700 camponeses de várias áreas, onde discutimos e aprovamos como principais objetivos 4 bandeiras de luta. Que foram:

1. Passar a uma nova tática na luta pela terra, ou seja, fazer grande agitação e preparação para tomar grandes áreas e elevar a propaganda da Revolução Agrária.

2. Lutar pela indenização das famílias vítimas de Corumbiara e o corte da fazenda Santa Elina.

3. Dar um salto na organização do movimento camponês estimulando as massas nas áreas tomadas do latifúndio a aumentarem sua organização em todos os níveis através da constituição de sua Assembleia soberana para decidir sobre todos os assuntos de suas vidas.

4. Campanha pela liberdade do companheiro Wenderson Francisco, o Ruço.

A campanha pela libertação do Ruço e Joel repercutiu em todo o Brasil e no exterior, com atos, manifestações e uma carta aberta que contou com mais de 600 assinaturas de entidades, movimentos, organizações, intelectuais e personalidades democráticas. O resultado foi a libertação dos companheiros, ou seja, todas mentiras criadas pela polícia e pelo latifúndio foram desmascaradas. Significou uma grande vitória dos camponeses.

No caso do companheiro Caco, que também tinha sido arbitrariamente preso e mantido encarcerado ilegalmente por quase dois meses, conseguimos que fosse solto ainda em 2003. Porém ele sofreu muito com a prisão e ficou muito revoltado com tamanha injustiça. Ele resolveu não mais se apresentar à justiça porque temia que, com tanta montagem da polícia e da juíza Fabíola Inocêncio Sarkis de Jaru fosse condenado por um crime que não cometeu.

Outra luta foi a ida das vítimas de Santa Elina à Brasília para exigir indenização e o corte da fazenda. Após 12 anos do massacre o governo brasileiro, condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, se recusa a pagar indenização. Durante 19 dias o Comitê de Defesa das Vítimas esteve em Brasília para denunciar toda esta situação e cobrar uma posição do governo Lula que até agora não resolveu nada, é só blá-blá-blá. Então esta luta vai continuar até os companheiros serem indenizados e a Santa Elina ser cortada.

Realizamos também inúmeras atividades de formação de ativistas, encontros nas áreas, manifestações, celebrações, discussões sobre a produção e sua melhora.

Desde 2006 modificamos a forma de preparar as tomadas de terra, temos trabalhado com grandes mobilizações de famílias com o objetivo de ocupar grandes áreas.

No ano passado fechamos a BR-364, principal estrada da região, por mais de 36 horas exigindo a regularização das terras de Jacinópolis, Rio Pardo, União Bandeirantes e Jaci-Paraná.

RC: A LCP têm um programa de luta?

Joaquim: Sim, ao longo de mais de 12 anos de luta e com base na experiência das lutas do nosso povo e em princípios classistas desenvolvemos um Programa Agrário. Os Princípios podem ser resumidos em 4 pontos:

1 – as massas é que fazem a história;
2 – apoiar-se nas próprias forças;
3 – combater o oportunismo juntamente com o combate ao latifúndio, à burguesia e ao imperialismo;
4 – a rebelião se justifica.

O Programa Agrário pode ser resumido também em 4 pontos fundamentais:

1 – tomar todas as terras do latifúndio e distribuí-las aos camponeses pobres sem terra ou com pouca terra;

2 – libertação das forças produtivas (do homem e da técnica) com a transformação das relações de produção, suprimindo as relações de exploração, através da adesão voluntária à Ajuda Mútua e outras formas de cooperação na produção e comercialização, e de forma crescente até atingirmos formas superiores de cooperação. Além da utilização dos meios de produção (ferramentas, máquinas, etc.) e das técnicas mais modernas;

3 – desenvolver a organização e o exercício do Poder Político pelas massas de camponeses nas áreas já tomadas;

4 – a longo prazo, nacionalizar e pôr nas mãos do futuro Estado Popular as grandes empresas capitalistas rurais nas áreas tomadas. Que é o que chamam de agronegócio. Estas não vale a pena cortar e dividir em lotes. Seria um retrocesso. Neste caso seria passado para os trabalhadores a administração e controle da produção.

O Programa Agrário só é viável como parte de uma profunda transformação democrática-revolucionária da sociedade.

RC: Qual a diferença entre reforma agrária e Revolução Agrária?

Reunião da Assembleia PopularJoaquim: Veja bem, a reforma agrária já morreu e o INCRA faliu há muitos anos. No 4º congresso, discutimos que não deveríamos mais esperar pela reforma agrária do governo, que não existe, é apenas um arremedo e uma demagogia. Para isso é preciso ocupar as terras, tomar as grandes fazendas que tem na região, cortar a terra o mais rápido possível e entregar as parcelas aos camponeses pobres sem terra ou com pouca terra. Isso é a Revolução Agrária e seu sucesso dependerá do avanço da luta dos camponeses em todo o país pela aplicação do Programa Agrário e da união com os trabalhadores da cidade.

RC: Como os camponeses participam disso? Qual o método para se fazer a Revolução Agrária?

Joaquim: O trabalho da Liga é fundamentalmente o de mobilizar, politizar e organizar as massas dos camponeses pobres para a tomada da terra. Nosso trabalho vai até a fase de acampamento. Após esta fase nós estimulamos os companheiros a se organizarem para tocar prá frente a luta, temos novas e mais famílias para se organizar e tomar outras terras. Na maioria dos casos as famílias já estão organizadas em Assembleias nos acampamentos, elas continuam organizadas e aumentando sua organização. É uma luta dura. Os companheiros se organizam por famílias em grupos de base de 10 a 15 famílias. A grande questão é elevar a Assembleia ao nível de uma Assembleia Popular, com funcionamento regular e mensal para decidir tudo sobre a vida daquela comunidade. O órgão dirigente da AP é o Comitê de Defesa da Revolução Agrária. Inclusive já tem muitas famílias que criam estes Comitês para organizar a tomada de alguma fazenda. Toda essa organização parte dos mesmos princípios que a Liga tem adotado e se baseia na democracia popular e na prática da crítica e autocrítica para enfrentar e corrigir os erros e desvios que se cometem.

RC: Como estão se desenvolvendo estas Assembleias Populares?

Joaquim: O que observamos é que no início os camponeses ficaram meio em dúvida para entender o que eram as AP e os CDRA. Mas hoje, sentem a necessidade de construir estes instrumentos para tomar as decisões. Porque é uma decisão coletiva. O que a maioria decide, é aplicado, a minoria se submete a maioria, mas a opinião da minoria também é levada em conta. As AP elaboram, debatem e aprovam um estatuto de normas e regras de funcionamento para todos que moram na área, naquela comunidade que está se formando ali.

Por exemplo, na área do Capivari temos 35 crianças em idade escolar, os moradores cansados de esperar pelo governo se organizaram e construíram a escola. Ano passado fizeram uma sala provisória, coberta de lona e palha, este ano já colocaram telhas, cercaram com tábua, piso. Isso é a AP. Entre uma assembleia e outra, quem organiza e garante a aplicação das decisões é o Comitê de Defesa da Revolução Agrária – CDRA. Ele é responsável por formar comissões de trabalho envolvendo todos nas tarefas.

Existem assembleias por área e a assembleia geral que discute a região toda. Por exemplo, com todos esses ataques que estão acontecendo a assembleia deve discutir qual a maneira mais correta de dar resposta a essa situação.

RC: Como são eleitos os membros do Comitê de Defesa da Revolução Agrária?

Joaquim: Os companheiros são indicados nos GBs – Grupos de Base e eleitos pela AP. Os critérios para escolha deve levar em conta a honestidade e a justa conduta moral. No CDRA os mandatos são revogáveis, ou seja, qualquer membro pode ser destituído a qualquer hora pela maioria dos votos da AP. Se um membro eleito fizer um ato contra os interesses do coletivo ele é afastado imediatamente e outro assume seu lugar.

É o contrário da “democracia burguesa” onde o povo apenas tem o “direito” de votar de 4 em 4 anos em eleições viciadas, cheia de corrupção e movida por muita grana, onde os políticos roubam fazem o que querem e não são punidos ou retirados. Na AP o povo decide sobre tudo e todo dia, é a verdadeira democracia.

RC: Nos últimos anos está crescendo o número de pessoas que não votam ou votam nulo e branco por não acreditarem nesses políticos, o que vocês pensam sobre isso?

Joaquim: Nossa posição em relação às eleições é que elas são uma farsa. Dizem que o voto é um direito, mas por que somos obrigados a votar? Ou é dever ou é direito, não pode ser os dois! É um processo viciado onde manda quem tem dinheiro; a corrupção e todo tipo de podridão imperam. O povo está desacreditando de tudo isto, está cansado de tantas mentiras!

O principal é que a eleição não muda nada, apenas escolhemos quem vai nos chicotear por mais quatro anos. Se para alguma coisa o governo Lula está servindo, além de encher a pança dos banqueiros e magnatas, é mostrar a farsa de democracia que existe no país. Veja bem que ele passou vinte anos dizendo que faria reforma agrária. E o que fez quando se elegeu? Nada. Nada não, ele até conseguiu ser pior que o bandido do FHC. Porque está lá para garantir os interesses das classes que estão no poder. Então nós somos contra essas eleições farsante, elitista e porcas e apontamos como única saída para salvação do país, a Revolução Agrária como parte duma grande revolução democrática que crie um outro sistema de poder. O poder popular das classes exploradas e oprimidas. Os camponeses devem se unir é com os operários e demais trabalhadores e formar uma grande frente junto com os pequenos e médios proprietários, os estudantes e demais intelectuais e artistas honestos.

RC: Fale um pouco sobre a produção, as formas de se organizar para produzir?

Grupo de ajuda mútua colhendo arrozJoaquim: Em primeiro lugar objetivamos a produção para o sustento das famílias. O que colocamos para os camponeses é que devemos plantar de tudo um pouco, diversificar. Porque o cultivo de uma única produção os torna dependentes e empobrece a alimentação.

Além disso, tem a construção de estradas, pontes, açudes, escolas, casas, melhorias e benfeitorias de utilidade coletiva. Por exemplo, recentemente construímos pontes numa área que ficava isolada no período das chuvas.

A melhor forma de produzir é organizando as famílias em grupos, que chamamos de Grupos de Ajuda Mútua – GAM. Cada um faz seu grupo, baseado na confiança, companheirismo e amizade e se juntam para roçar, plantar e colher coletivamente. Já fizemos a conta e ficou comprovado que assim produzimos muito mais.

RC: Como os camponeses sustentam sua luta?

Joaquim: A LCP defende que os camponeses precisam bancar sua luta, não depender de ninguém. Se cada um dá um pouco conseguimos o suficiente para nossas atividades. Definimos a contribuição através de um carnê, que não é obrigatório como dos sindicatos, mas voluntário, que seja consciente de acordo com a condição de cada família. As pessoas contribuem o mínimo de R$ 2,00 por mês e temos um controle de quanto arrecadamos para depois prestarmos conta de como foi utilizado este dinheiro. Muitos companheiros também contribuem com arroz, feijão, café e outros alimentos.

RC: Qual a necessidade de se fazer alianças e com quais classes os camponeses devem se aliar?

Joaquim: A principal classe da gente criar aliança é a classe operária. Temos lutado para realizar atividades em conjunto com operários, participamos em encontros, congressos, recebemos companheiros que visitam as áreas e passam ali uma ou duas semanas. Eles entendem melhor o problema camponês e a necessidade da revolução agrária para a classe operária, pois libertar as terras do latifúndio significa reduzir a oferta de mão-de-obra barata nas cidades, criando melhores condições para as lutas reivindicativas dos operários.

Existem outros aliados como os pequenos e médios comerciantes que sofrem com os monopólios, os pequenos e médios proprietários de terra que também são oprimidos pelo latifúndio. Ainda existem os estudantes e professores que são de grande importância para nossa luta aqui no campo, intelectuais e artistas honestos, profissionais liberais que fazem parte da pequena burguesia urbana.

RC: Qual a preocupação com a cultura?

Placa na entrada de acampamento adverte sobre proibição de bebidas e drogasJoaquim: Hoje o que predomina é a cultura do latifúndio e da burguesia, das classes dominantes. E uma classe atrasada e podre como os latifundiários é incapaz de produzir algo de bom. Nas cidades vemos as festas e as músicas que são distorcidas da realidade do povo. Nas áreas, buscamos resgatar músicas antigas e novas de cantores populares que falam da vida do camponês, de seus valores, as músicas revolucionárias e de luta, além de teatralizações. Procuramos incentivar, principalmente a juventude a criar grupos musicais e de teatros, a prática de esportes e educação física. Mas não é tarefa fácil, pois, o lixo cultural é enorme. Mas é preciso desenvolver desde já uma nova cultura que sirva ao povo.

RC: Como é tratado o problema do alcoolismo e demais drogas?

Joaquim: O álcool é a principal droga no meio dos camponeses. O alcoolismo é muito grande e traz muita desgraça para o povo pobre. Conversamos com os companheiros que sofrem com este problema e indicamos o AA, pois eles têm uma experiência grande no assunto. Sobre outras drogas, tentamos mostrar o que a droga faz, o prejuízo que causa às famílias. Em todas as áreas em que atuamos o uso de bebidas alcoólicas e demais drogas é proibido. Este é um ponto que as famílias e principalmente as mulheres apoiam. Se encontramos alguém portando ou usando, damos uma advertência e se continua levamos o caso para a AP que decidirá por uma nova chance ou pela sua expulsão da comunidade. A LCP entende que as classes dominantes usam todas estas drogas para anestesiar a revolta do povo e impedir que lutem para resolver seus problemas. Não podemos entrar na onda das propagandas que usam imagens de mulheres seminuas e insinuantes pra falar que bebida é coisa boa, não tem nada de bom.

RC: Gostaria de fazer alguma consideração final?

Joaquim: Ficamos agradecidos pela oportunidade de expor nossas opiniões e pelo apoio para a luta camponesa. Nós usamos muito o Jornal RC no trabalho de politização no nosso movimento. É um jornal muito bom e importante pra nossa causa.