No dia 27 de janeiro João Pedro Stédile, dirigente nacional do MST concedeu uma entrevista ao jornal Zero Hora, principal porta voz do latifúndio no Rio Grande do Sul, onde decreta o fim das ocupações e a necessidade de novas alianças políticas para o movimento. Abaixo transcrevemos alguns trechos desta entrevista que achamos mais significativos e que expressam melhor a traição do MST.
Ao responder a primeira pergunta sobre o que mudou no MST, Stédile diz: “Não foi o movimento que mudou. Foi a luta pela terra. Nos anos 70 e 80, uma parcela da burguesia nos apoiava porque apostava em um modelo de desenvolvimento industrial que precisava de mercado interno para vender os seus produtos.”
Logo em seguida afirma que: “Estamos em um momento de reflexão, pensando em um novo modelo para seguir. Nos anos 70 e 80, bastava ocupar terras e se conseguia apoios que resultavam em pressão política. Hoje, a ocupação de terra não soma aliados. Portanto, não interessa mais. Estamos buscando novas alternativas para fazer aliados. E a que está se mostrando mais compatível é a aliança com trabalhadores da cidade”.
A declaração do mais importante dirigente do MST é grave, pois tenta acabar, como num passe de mágica, com a principal contradição em nosso país, a que opõem o sistema latifundiário e camponeses pobres sem terra. Ao fazer isso joga pela janela a única tática efetiva com que os camponeses têm conquistado a terra. Inclusive foi com as ocupações, que ora Stédile renega, que o MST conquistou todo seu prestígio, prestígio este que cada vez mais desmorona, não por um suposto radicalismo de que lhes acusam a imprensa reacionária e os cabeças dos senhores de terra, mas sim em função da capitulação vergonhosa frente às dificuldades da luta e à reação.
Mas ao contrário do que diz Stédile, a luta pela terra existe não porque a burguesia apoia, mas pelo fato de existirem milhões de camponeses que necessitam da terra para trabalhar e produzir. É uma contradição antagônica, ou seja, os latifundiários não abrem mão das terras e os camponeses só a conseguem com muita luta e resistência.
O problema agrário nunca foi resolvido em toda a história de nosso país e está entre as três montanhas que oprimem e esmagam nosso povo (o imperialismo e a grande burguesia são as outras duas), é a contradição mais atrasada e que demanda superação imediata através da destruição de todo o latifúndio.
A falência da reforma agrária
No início de sua gerência Lula afirmou que no Brasil havia espaço para o agronegócio e para a chamada agricultura familiar. Era o sinal para negar a contradição principal em nosso país e abandonar de vez a promessa que fez durante mais de 20 anos, de que se fosse eleito presidente e pudesse mudar uma única coisa apenas, esta seria realizar a distribuição de terras. O que vimos, no entanto foram cortes sucessivos nos gastos para realização da tal reforma agrária em nome de saldar dívidas com o FMI e um aumento da repressão e criminalização ao movimento camponês.
Com o MST a frente do ministério do Desenvolvimento Agrário e nas estruturas do Incra o governo iniciou a desmobilização dos camponeses dizendo que não era mais preciso lutar pela terra, pois Lula realizaria a tal reforma agrária, era só os camponeses terem paciência e esperar.
Da aliança com o latifúndio a negação da luta pela terra
Em 2004 diante dos enormes investimentos para os grandes exportadores de soja, cana, carne e etc. a direção nacional do MST anunciou que o principal inimigo dos camponeses era o agronegócio. Buscando uma aliança com os setores do latifúndio que produziam para o mercado interno e que tinham sido secundarizados pelo governo. Na verdade o agronegócio é o latifúndio de novo tipo, com uma cara moderna, mas baseado na secular concentração de terras, condições precárias de trabalho e assalariamento, e em muitos casos trabalho escravo ou semi-escravo.
Nos últimos anos o MST abandonou passo a passo as ocupações de terra, concentrando em mobilizações e atos que serviram mais como propaganda do que realmente a atacar o latifúndio. Suas ações como o “abril vermelho” de fazer grandes ocupações para sair logo em seguida das terras, ou ficar eternamente à beira de estrada foram murchando, ao mesmo tempo em que eram atropeladas pelas massas camponesas que insistiam em resistir.
Outros episódios recentes que refletem a postura traidora da direção do MST foram as ações de justiçamento de pistoleiros fortemente armados no nordeste e a ocupação da fazenda Cutrale no interior de São Paulo. No primeiro caso sequer defenderam a legitimidade das ações dos camponeses acampados diante das agressões do latifúndio. No segundo não explicaram a justa revolta dos camponeses quando descobriram que as terras da fazenda eram griladas da União. Em ambos os casos a direção oportunista silenciou diante dos ataques histéricos da reação encabeçada pelo latifundiário e ministro do STF Gilmar Mendes, Lula e todo monopólio de imprensa.
O caminho é a Revolução Agrária
Por estas e outras razões o MST tem perdido terreno para movimentos combativos e também o controle de suas bases mais radicalizadas. Com a traição da direção, a crise que Stédile chama de “momento de reflexão“ se agravará abrindo uma luta entre ativistas e militantes sobre qual caminho seguir: continuar na burocracia do governo traindo a luta camponesa ou se lançar na destruição do latifúndio.
Como não poderia deixar de ser a traição da direção do MST significa um duro golpe aqueles que dedicaram suas vidas lutando contra todas as dificuldades para fazer avançar a luta pela terra. Por isso foi tão festejada e elogiada pelos latifundiários, pois joga mais água no moinho de toda esta ofensiva de criminalização, perseguição e assassinatos dos camponeses em luta pela terra.
Mas se por um lado serve para atacar a todos que defendem, apoiam e lutam pela terra em todo o Brasil, por outro serve para mostrar aos camponeses pobres e seus aliados que o caminho reformista e conciliador dos oportunistas, só conduz a derrotas e fracassos. Mais que nunca é preciso levantar ainda mais alto a bandeira de que é justo a rebelião dos camponeses para tomar todas as terras do latifúndio e de que só sua organização de forma independente e combativa baseada na aliança operário-camponesa e das demais classes revolucionárias pode fazer avançar a Revolução Agrária, cortando e distribuindo as terras, organizando a produção e o exercício do poder político no local onde vivem e trabalham.