Abrapo denuncia violações e violências contra camponeses do Acampamento Tiago dos Santos em Rondônia

O Acampamento Tiago dos Santos está localizado nas fazendas NorBrasil e Arco-Íris, em Nova Mutum, Distrito de Porto Velho/RO, faz parte de um grande latifúndio de mais de 57 mil hectares, cujo suposto proprietário seria a empresa Leme Empreendimentos Ltda, de propriedade de Antônio Martins (Galo Velho).

Essa área teve uma ação de reintegração de posse encerrada em 2017 (autos: 0012311.86.2014.4.01.4100 e 0003261-31.2017.4.01.4100 – 5ª Vara Federal do TRF1), processo devidamente arquivado e que prova que se trata de área de conflitos agrários desde o ano de 2014, cuja origem dominial não foi esclarecida e frente ao histórico do Galo Velho no Estado de Rondônia pode se tratar de área pública grilada.

Galo Velho (Antônio Martins), utilizando de empresas, como a Leme Empreendimentos, tem um histórico de grilagem de terras no Estado de Rondônia, constando na CPI da grilagem como grileiro do Lote São Sebastião, localizado em Porto Velho/RO, num total de 83.221 hectares de terras (fls. 361 do Relatório da CPI destinada a investigar a ocupação de Terras Públicas na Região Amazônica – 2001), entre outras grilagens devidamente comprovadas como as terras da região de Cujubim, onde hoje é o Assentamento Sol Nascente.

Em 23 de julho de 2020, através da Operação da PF: “Operação Amicus Regem cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços de investigados em Porto Velho (RO), Brasília (DF), Cuiabá (MT), São Paulo e Itaituba (PA) em busca de provas e bens de interesse das investigações contra empresários, advogados, servidores públicos e empresas envolvidas na formação de uma organização criminosa (orcrim) que conseguiu lucrar mais de R$ 330 milhões por meio grilagem de terras e fraudes no estado de Rondônia ocorridas entre 2011 e 2015. (…) orcrim seria liderada por Antônio Martins o Galo Velho, auxiliado pelo irmão dele, o advogado Sebastião Martins, pelo sócio Dorival Baggio e por seu filho José Carlos Gouveia Alves (também conhecido por José Carlos Gouveia Martins dos Santos). Além deles, havia a participação do então juiz federal Herculano Martins Nacif, do servidor da Justiça Federal Everton Gomes Teixeira e do perito judicial nomeado Paulo César de Oliveira, os quais praticariam atos para favorecer o grupo de Antônio Martins em processos de desapropriação.” (disponível . Acessado em 12/08/2020). O que reforça o caráter de grilagem de terras públicas com a conivência do Estado que esse senhor vem praticando há anos no Estado.

Isso demonstra que o Galo Velho não é fazendeiro ou proprietário de terras, mas sim, grileiro, organizado em quadrilha com a participação até mesmo de funcionários do Estado. Fato amplamente divulgado, reforçando a relação entre Galo Velho e Estado. As grilagens de terras só são possíveis com apoio do aparato repressor do Estado e parece que essa proteção o Galo Velho tem recebido até então, mesmo com uma operação policial dessa envergadura não foi ainda possível restituir as terras griladas pelo Galo Velho ao patrimônio da União.

A ocupação do imóvel pelas famílias camponesas do Acampamento Tiago dos Santos1 foi realizada em 22 de junho de 2020, num processo de pressionar o INCRA a resolver a situação do imóvel e dar ao mesmo a destinação correta.

O imóvel possui uma área de mais de 57 mil hectares, tinha mais de 600 famílias no imóvel e toda uma vida social e coletiva estruturada, que compreendia espaço de estudo para as crianças, inclusive com acesso a internet para as crianças que precisavam realizar aula online; farmácia com atendimento básico, cozinha coletiva, espaço da igreja e organicidade interna para garantir que não entrasse armas, drogas e bebidas no Acampamento, permitindo a valorização das famílias que realmente querem terra para produzir.

No dia 24/07/2020 foi protocolado requerimento no INCRA/SR-17 solicitando acesso e cópia dos processos administrativos das fazendas para verificar a cadeia dominial da mesma e sua origem. Até o presente momento o INCRA não entregou e nem permitiu o acesso, se negando as dar as informações necessárias sobre o imóvel. (Processo administrativo n. 54.300.000774/2013-16).

No dia 03 de outubro de 2020 é assassinado perto do Acampamento Tiago dos Santos o policial da reserva: Tenente José Figueiredo Sobrinho, no que passaram a acusar os camponeses (sem terras), sem qualquer prova concreta, de o terem executado. Nessa noite mesmo, o referido Acampamento foi cercado pela PM, que efetuou diversos disparos de arma de fogo, que resultou em mais um policial assassinado: Sargento Rodrigues da Força Tática do 5º Batalhão da PM. Por fim, os corpos só foram retirados no dia 04 de outubro de 2020.

No dia 04 de outubro de 2020, utilizando-se de helicóptero, a PM dispara contra camponeses que estavam perto do Acampamento, inclusive, vindo a atingir a moto de um pai de família que estava com sua esposa e filho no veículo, tendo sofrido somente algumas escoriações. Os camponeses se protegem e o isolamento do Acampamento é feito.

Não há questionamento sobre o motivo do policial da reserva estar na área de conflito, pois, a alegação de que estaria pescando é muito pueril, já que os conflitos agrários sempre foram públicos e notórios na região, inclusive, o próprio grileiro havia ingressado com pedido de reintegração de posse e estava forçando a concessão de uma liminar: (Autos: 7030469-20.2020.822.0001- 7ª Vara Cível da Comarca de Porto Velho/RO), sendo que após o assassinato do PM, o advogado do Galo Velho, no dia 05/10/2020, fez juntada de matérias jornalísticas sensacionalistas nos autos e petição para comover o juiz a conceder liminar de reintegração de posse, já determinando que as mortes teriam sido ocasionadas pelos camponeses e que a liminar deveria ser concedida com urgência. Nessa linha criminalizadora há discursos inflamados de autoridades policiais e políticas, inclusive com pedido ao Governo Federal de uma GLO para os camponeses , Acessado em 07/10/2020).

E no dia 09/10/2020, às 17:42 horas, de forma clandestina, já que foi disponibilizado para visualização somente no dia 19/10/2020, depois que todas as violações tinham ocorrido, que mantido sob o manto de “Segredo de Justiça”, o juiz concedeu “liminar de manutenção de posse”, que foi cumprida no dia 10/10/2020, sem intimação do Ministério Público, da Defensoria Pública, sem aviso às autoridades competentes para acompanhar a ação, sem fixação de prazo para as famílias saírem do imóvel; cumprimento sumário, sem acionar o Conselho Tutelar e Equipe de Saúde, enfim, violando todas as orientações e preceitos jurídicos que emanam da proteção à vida em situação de conflitos agrários.

Os camponeses já relatavam que desde o assassinato dos policiais, a PM já estava na região praticando atos ilegais como atirar nas pessoas que estavam na estrada, impedindo o ingresso de leite para as crianças e de alimentos, voos rasantes de helicópteros sob o acampamento, onde os policiais jogavam cartuchos de balas para incriminar os camponeses e outras práticas de terror psicológico, mas, nada se compara ao que aconteceu no dia 10/10/2020 sob o manto de proteção do Judiciário que no afã de atender ao latifundiário concedeu uma “ordem de liminar desrespeitando o devido processo legal”.

Durante o cumprimento da liminar de manutenção de posse, os camponeses relataram diversas violências sofridas. Os depoimentos foram colhidos por advogados da Associação dos Advogados do Povo – ABRAPO, no dia 11/10/2020, na Vila da Penha, para onde foram “despejadas as famílias” e no dia 19/10/2020 no Acampamento Tiago. Os relatos colhidos juntos aos camponeses apontam destruição de patrimônio particular, destruição de alimentos, roubo de materiais de trabalho e pertences pessoais, desaparecimentos de documentos e dinheiro, queima de veículos, entre outras ações caracterizadoras de violência extrema, tanto física, patrimonial, quanto psicológica. Num total desrespeito às próprias normas estaduais para cumprimento de reintegração de posse em situação de conflitos agrários.

As famílias do Acampamento Tiago foram impedidas de retirarem seus pertences, tiveram a cozinha coletiva destruída, assim como a alimentação que estava em seus barracos, tudo destruído, pisoteado. As perdas para essas famílias são irreparáveis. Os danos morais e materiais são incalculáveis.

Essa atuação da PM com um contingente de mais de 300 policiais sem identificação em seus uniformes, com o aval do Poder Judiciário, que deveria fazer cumprir as leis e garantir o devido processo legal precisa ser denunciado e mais ainda, tais atitudes precisam ser apuradas e devidamente responsabilizados. Não podemos naturalizar as violências contra os camponeses e camponesas em luta por um pedaço de terra.

Os policiais tiraram foto dos documentos dos camponeses, dos seus rostos, ameaçaram fazer “montagem”, entre outras ameaças o que impedem os camponeses de comparecerem em Delegacias de Polícia Civil para efetuar registro de ocorrência.

Circula uma lista de pessoas que estariam envolvidas nos assassinatos dos policiais, incluindo até camponeses mortos, o que faz com que o temor dos camponeses seja real e implique em não confiança no Estado na garantia dos seus direitos. Tal fato fez com que os advogados da ABRAPO fizessem o recolhimento dos depoimentos, mantendo sob proteção a identidade dos depoentes, que poderão ser apresentadas se as garantias de vida forem asseguradas.

Por isso, que encaminhamos as denúncias para conhecimento e solicitamos dessa organização/entidade que na medida de suas atuações atuem no sentido de pedir esclarecimentos ao Estado de Rondônia sobre as denúncias apontadas e mais ainda, que ajudem na divulgação dos fatos para que essa realidade não mais ser repita em outros espaços de luta pela terra.

Em anexo, depoimentos dos camponeses, transcrições de vídeos e áudios com relatos do ocorrido, fotos do acampamento e suas atividades, assim, como algumas fotos das destruições promovidas pela PM no Acampamento Tiago.

É preciso que o Estado de Rondônia apure as denúncias apresentadas, investigue e puna os responsáveis. No que contamos com vossas valiosas contribuições para que a verdade prevaleça e seja devolvido a dignidade a esses camponeses e camponesas que sofreram as violências da PM à serviço do Estado de Rondônia.

Porto Velho/RO, 26 de outubro de 2020.

1 – Tiago dos Santos foi um dos camponeses assassinados pelo PM em 2018 na região onde se encontra o Acampamento 2 Amigos, acampamento vizinho ao Acampamento Tiago, portanto, área do conflito atual ).

DEPOIMENTOS COLETADOS PELOS ADVOGADOS DA ABRAPO:

DEPOIMENTO – ACAMPAMENTO TIAGO DOS SANTOS- TRANSCRIÇÃO DE ÁUDIO 01

Às 9hrs, mais ou menos esse horário, escutamos de início um helicóptero sobrevoando por cima do acampamento e logo em seguida escutamos o segundo helicóptero sobrevoando em cima do acampamento. No princípio, pensamos que era normal, porque o dia anterior, na sexta-feira tinha um helicóptero voando por cima do acampamento e não houve nada, a gente achou que era algo normal mas a partir do momento que a gente ouviu o segundo helicóptero a gente já desconfiou que tinha alguma coisa errada. Escutamos foguetes que foram soltados pra avisar o pessoal do acampamento que a polícia estava vindo até nós, esse é o procedimento que a gente faz. Nesse procedimento eu e muitas pessoas estávamos na cozinha, no momento também eu estava trabalhando e nisso, nesse procedimento nós saímos, fomos direto para a guarita que é o local onde a gente fica para se reunir, todos nós. Nos reunimos lá e nesse intervalo os helicópteros sobrevoavam por cima de nós, baixava e subia, a todo tempo demonstravam intimar a gente ali dentro, com voos muito baixos e muito altos às vezes. Nesse processo, cerca mais ou menos de uns 30 minutos, a tropa de choque veio se aproximando de nós até a guarita. Nesse procedimento a gente estava lá aguardando, cantamos o hino nacional, estávamos lá reverentes, mas ao mesmo tempo lutando pela causa. E nisso daí eles já chegaram soltando bombas, explosivos, soltando logo de início. Jogaram bomba de gás lacrimogêneo, gás de pimenta, aqueles gases que ficam fumaça no ar. Eu estava na retaguarda orientando as outras pessoas que estavam muito assustadas. Tinha muitas mulheres e crianças assustadas, aterrorizadas com a situação, porque nós pedimos para eles tranquilizarem-se (policiais) pois tinham crianças e mulheres ali e a gente não queria brigar, não queria lutar, nem agredir ninguém ou agir de forma nada mal, porque a gente ali no momento, em ocasião nenhuma estávamos armados, estávamos de mãos limpas, simplesmente lutando por aquilo que a gente precisa, quer e busca, a terra. E nisso daí eles pegaram e continuaram tacando bomba de gás e pimenta em nós e aí as pessoas começaram a se desesperar, saíram correndo, mulheres e mães com crianças no colo saíram correndo desesperadas. E nós que estávamos ali ao redor tentando acalmar, mas o desespero era tanto, porque tinham muitas crianças, muitas mulheres na frente e nisso daí as mães começaram a se desesperar querendo proteger seus filhos. Em um instante a gente recuou para trás um pouco mas aí eles continuaram, foram se aproximando mais ainda, a gente recuando e eles se aproximando e nisso a gente começou a gritar, falando ‘’por favor, parem que aqui tem crianças e mulheres, tem crianças passando mal, tem crianças desmaiando, tem crianças que não aguentam, não suportam isso’’. E nisso tiveram pessoas que tomaram iniciativa e pediram para eles (policiais) se acalmarem, para eles darem um tempo para a gente e se organizar para a gente conversar, porque a gente queria paz. Nesse instante foi terror total. Super terror. Pessoas começaram a falar e tal e eles disseram para as pessoas recuarem, que eles queriam apenas fazer o trabalho deles. E nisso daí fomos recuando. Os policiais não apresentaram nenhum papel nem nada, simplesmente foram entrando e tacando bomba e gases e coisas de pimenta e nesse desespero que a gente estava passando a gente foi recuando por causa de que tinham muitas pessoas passando mal, desmaiando, crianças desmaiando e aí a gente foi recuando e nisso a gente foi recuando e recuando e recuando para trás para dar espaço para eles entrarem, para mostrar para eles que a gente não estava querendo briga, não estava querendo discussão. E nisso daí fomos recuando até que chegamos no centro do acampamento e eles foram pedindo para nós nos sentarmos, tirarmos a máscara, porque no momento estávamos nos protegendo do gás. E pediram para a gente tirar as máscaras dos nossos rostos. Não deixaram ficar de máscara. E aí a gente foi sentando, todos sentando e eles nos intimidando por causa que a gente via muitos policiais em volta de nós e isso era um desespero para a gente. Eram cerca de uns 200 policiais. E aí fomos sentando e nos acalmando e nos organizando e aí pessoas ali tentando ajudar aquelas crianças, aquelas pessoas que estavam ali passando mal em desespero. Eram mais ou menos umas 300 ou 400 pessoas no Acampamento que estavam ali.

Esperamos sentados eles se organizarem, e eles foram se organizando ao redor de nós, ao nosso redor, escoltando. E nós nos sentimos cercados, ao nosso redor todinho a gente estava cercado e nisso, cercados, eles pegaram e fizeram o procedimento de drone e identificando se o ambiente realmente estava seguro e nós mostramos desde o início que a gente queria paz e tranquilidade. Nisso daí ficamos todos quietos e algumas pessoas estavam filmando a ação, filmando no momento, de boa tranquilo, por causa da ação policial e aí fizemos todo o procedimento de acalmar as pessoas, as mulheres, as crianças, os homens, todos. Eles começaram a dizer por qual motivos eles estavam ali, que era para fazer busca e apreensão de armas por questão do procedimento do acontecimento que teve do policial que faleceu. E nisso daí estávamos tranquilos e achando que era só isso mesmo, no início achamos que era só isso mesmo, que era somente isso, esse tipo de procedimento. Nós todos estávamos tranquilos de que eles não encontrariam nada desse tipo ali, que nós ali não fizemos nada, que nós estávamos em um momento de paz e tranquilidade. Nisso eles começaram a falar, ao início pareceu ser amigável mas aí eles começaram a dizer de outras formas, um dos comandantes começou a dizer que estava ali e precisava de um líder, questionava se tinha algum líder ali no acampamento. E no momento nós não dissemos nada por causa que nós estávamos muito assustados com o que estava acontecendo e porque estava acontecendo daquela forma aquela situação, e nós não falamos nada. Eles falaram assim ‘’nós vamos dar 30 minutos para vocês falarem quem é líder de vocês’’ e saiu. Mas a tropa continuou ali ao nosso redor e aí a gente ficou mais tranquilo, demos água para as crianças e mulheres. Nesses 30 minutos ele voltou e continuou nos intimidando: ‘’não tem nem um homem ou uma mulher, uma liderança aqui não? Já que sabemos que vocês fazem reuniões todos os dias’’.

DEPOIMENTO – ACAMPAMENTO TIAGO DOS SANTOS- TRANSCRIÇÃO DE ÁUDIO 03

Em determinado momento eles (polícias) pediram para que se levantasse uma pessoa e essa pessoa depois que se prontificasse teria que escolher mais uma ou duas pessoas, tanto homem quanto mulher e a partir daí levariam essa três pessoas para um determinado lugar lá do acampamento para que se fossem feitas as perguntas, afastados dos outros, e se não obtevessem as respostas que eles desejavam ouvir ou ter eles retornavam e davam um tempo. A princípio ele deu um minuto, depois o comandante deu uma hora para que se levantasse alguém e tomasse a mesma iniciativa e estivesse pronto a responder as perguntas que eles queriam ouvir. Por último deram meia hora para que se levantassem as pessoas e aí como ninguém mais respondeu eles tomaram a iniciativa de falar para que todos começassem a pegar os seus pertences, na verdade fizessem uma trouxa, a palavra que ele falou foi trouxa, uma trouxa para cada um. A gente se prontificou a ficar em fila para que eles pudessem preparar a retirada dos pertences e alguns objetos que a gente pudesse levar para passar alguns dias. Eles interrogaram ao todo umas 6 pessoas, que não me falha a memória. Quando não conseguiram as respostas que queriam, eles começaram esse processo de pedir para nós retirarmos uma trouxa de cada barraco, uma trouxa por família. Em determinado momento perguntaram se havia líder, onde estava o pessoal líder que comandavam as assembleias, se ninguém falaria mais nada. Aí foi onde começou o processo de arrumarem as trouxas. Eu não vi essas pessoas interrogadas apanhando e eles falavam que essas pessoas não sofreram maus tratos nem opressão nenhuma e elas relataram para nós que não tinham sofrido nada. Mas houve um rapaz e um senhor que foi vítima de tortura, levou tapa na cara e no rosto e eles batiam só em um lado do rosto, dois chutes nas costas e várias pressões psicológicas. A polícia mostrou um vídeo para essas pessoas que foram violentadas, era um vídeo do Bolsonaro e diziam ‘’olha aí o que o seu presidente tá mandando fazer com vocês’’ e aí era o Bolsonaro falando as barbáries contra os camponeses. Teve outro cidadão que me relatou que sofreu golpes na barriga e estava sentindo muita dor. Tiveram outros casos de violência lá também. Eles fizeram muita bagunça, jogaram muita coisa no chão, roupas. Desfizeram sacolas e tudo o que estava arrumadinho nos barracos eles destruíram, de barraco em barraco fazendo isso, um por um. E depois de ter feito tudo isso aí que ele determinou que cada família fosse em seu barraco acompanhada com os policiais, se fossem três integrantes de uma família só eram três policiais que iriam acompanhando por cada barraco. E depois de terem feito esse processo todo com todos os familiares aí que começou a retirada de todos. Eles pegaram nossos celulares, dizendo que era objeto de investigação. Devolveram depois que já estávamos na Vila da Penha. Para alguns eles devolveram os celulares e para outros não. Alguns relatam que pegaram dinheiro e documentos, sumiu tudo. A retirada das famílias foi de integrante por integrante de cada família. E seguimos sentido a saída do acampamento. Embarcaram as trouxas em uma caminhonete e algumas pessoas dando preferência para as senhoras e crianças embarcarem primeiro na carroceria de um caminhão ¾. E os homens aguardariam próxima. Os ônibus demoraram a chegar. Tinha um oficial de justiça que só falou depois da entrada dos policiais dentro do acampamento. Primeiro chegou a polícia fazendo a contenção com gás e bomba, spray de pimenta e aí só depois que o comandante conversou e falou que era o chefe daquela operação e que tudo dependeria dele. Aí depois desse momento que ele pediu para o oficial anunciar a reintegração de posse. Lá no Acampamento ficou coisas que nós não pudemos tirar: vasilhas de cozinha, roupas que não coube na trouxa, ferramentas de trabalho, foice, martelo, facão, enxada e outros. Eles apreenderam os instrumentos de trabalho. Muitos pertences ficaram para trás pois eles falaram que não dava para trazer muitas coisas apenas o que coubesse em uma trouxa. Ficaram também e carros e motos das pessoas bem como animais de criação, que eles não deixaram tirar. A princípio o comandante falou que poderia retirar depois mas naquele momento não poderia mexer. Quando chegou nessa Vila da

Penha ele falou que não poderia mais voltar no acampamento para retirar nada, que isso era um problema dos camponeses e que eles não resolveriam. Que a partir daquele momento quem tivesse algo a buscar não seria problema da polícia. Não tinha necessidade deles terem feito isso. Preocupação maior é com pessoas desaparecidas que ficaram para tráslá no acampamento., se ocorreu algum tipo de repressão com quem ficou lá e com quem desapareceu.

DEPOIMENTO – ACAMPAMENTO TIAGO DOS SANTOS – TRANSCRIÇÃO DE ÁUDIO 04

Quando eles chegaram foram todo mundo para frente, para esperar eles. As crianças, as mães, os idosos, todo mundo, tinha muita gente mesmo. Quando eles (a polícia) desceram do carro a gente começou a cantar o hino nacional e eles começaram a tacar bomba em nós. Tinha tudo quanto é polícia, exército, força nacional e tudo. Nós cantando o hino e eles jogando bomba, aquelas bombas de gás, de pimenta. Mulheres e crianças desmaiaram. Muita gente se apavorou. Fizeram a gente sentar todos aqui no banco da igreja e fizeram a gente tirar as máscaras, todo mundo amontoado e sem máscara. E ficamos mais ou menos das 9h da manhã até as 4h da tarde sentados. Quando um queria ir ao banheiro eles começavam a torturar as pessoas que iam. Teve um homem que apanhou no banheiro porque eles (polícia) queriam que falasse quem matou os policiais. E aqui ninguém matou os policiais. Nós falávamos isso e que nós não matamos, que estamos aqui porque precisamos da terra e somos trabalhadores. Teve gente aqui que ficou sem comer por conta disso tudo. Escoltou todo mundo, jogava nossas coisas para todo lado, jogou moto, foi uma confusão. Eles ameaçavam a gente, falavam um monte de coisas pra gente falar quem foi que matou os policiais mas nós não sabemos quem matou ninguém. Passamos a maior humilhação aqui dentro. Chegando na Vila de Penha foi a hora que eles ameaçaram, o comandante falou bem assim: ‘’agora todo mundo tem que ir pra suas casas de origem porque se voltarem para trás, para o acampamento, nós vamos matar todo mundo, não vai ser pacífico que nem dessa vez, próxima vez vamos chegar e matar todo mundo que estiver dentro do acampamento.’’ Lá na Vila da Penha não teve nenhuma assistência, tiveram muitos que dormiram ali no chão mesmo, com fome, crianças chorando de fome. E teve muitos que resolveram ir embora a noite mesmo e quando essas pessoas chegaram na BR a polícia abordou eles e bateram neles, deixaram ajoelhados no asfalto e tomaram e jogaram as motos. Teve gente que apanhou indo embora para casa. As nossas coisas ficaram no acampamento porque eles não deixaram pegar. Só deixaram pegar uma trouxa por pessoa, só um pouquinho de coisa, então a maioria de tudo o que a gente tinha ficou lá. Nem colocar nas bolsas eles deixaram, teve que fazer uma trouxa com pouca coisa. E só tinha a polícia, não vi Conselho Tutelar, Assistente Social, Prefeitura, não vi ninguém, só polícia e o Oficial de Justiça. Nós não tivemos tempo de tirar nada das coisas da gente, eles já chegaram mandando a gente sair, a gente não teve tempo de preparar nada, guardar nada. A gente não levou nada. Na cozinha tinha muita mercadoria e eles cataram e colocaram em cima da caçamba e levaram a comida embora e o resto jogaram no chão. Roupa para todo lado, pertence de todo mundo jogado, tudo bagunçado.

DEPOIMENTO – ACAMPAMENTO TIAGO DOS SANTOS – TRANSCRIÇÃO DE ÁUDIO 05

O que mais deixa a gente sentido é a forma como eles chegaram no acampamento, que estava cheio de crianças e idoso, eles já chegaram soltando aquelas bombas de pimenta, fazendo as mulheres desmaiarem, deram tiro para o auto. Depois fizeram a gente sentar no chão, ficamos cumprindo essa ordem eles perguntando quem era o líder e não tem líder, ali todo mundo decidi. Nós lutamos todos juntos para conseguir um pedaço de terra, não somos bandidos. Eles chegaram pensando que a gente era bandido, pior até do que bandido, pois eles fizeram a maior baderna. Rasgaram documento, levaram as coisas que a gente tinha no barro, reviraram tudo o que a gente tinha deixando a maior bagunça. Eu perdi todos os meus documentos e tudo o que eu tinha lá dentro foi pisoteado. Não respeitaram nada. Levaram até o dinheiro que eu tinha que estava na carteira. As coisas dos nossos amigos que já estavam nos lotes ficaram tudo preso lá, não deixaram soltar nem as criações. Tem gente lá que desapareceu. Não sabemos como estão ainda. A gente fica aborrecido com isso, não deveria ser assim. Os ônibus que saíram com o povo de lá parecia gado. Todo mundo perdeu praticamente tudo, eu mesmo não tirei nem a metade, eles não deixaram levar nada além de uma trouxa. Todo mundo praticamente perdeu tudo do que tinha lá. Pegaram motosserra e outros instrumentos de trabalho. Todo mundo tem instrumentos como esse porque somos trabalhadores da terra. Eles levaram nossos instrumentos. Eles não deram nenhum aviso anterior para a gente sair, não precisava ser assim, se tivessem avisado nos sairíamos, se tivesse dado um prazo, mas chegou lá na violência já fazendo todo mundo sair e pisoteando todos os nossos pertences. Eles achavam que estavam atrás de bandido e lá não tinha nenhum bandido, tinha trabalhador, mulheres e crianças, a maioria passando mal por causa das bombas de pimenta. Ficamos sentados no chão das 9hrs até as 4hrs da tarde. Mulheres indo no banheiro e aí ia dois policiais atrás dela pra fazer junto. Quando liberou para pegar as coisas no barraco eles disseram que tinha que ir com pressa, não conseguimos pegar nada. Eles fizeram a maior bagunça com tudo o que era da gente, jogou o arroz tudo no chão, tudo o que a gente tinha comprado de comida. Não precisava disso. Enquanto isso as crianças chorando e com fome, querendo mamar. E eles (a polícia) não se importava com isso. Eles deveriam ter chegado e dado um prazo para gente sair e organizar nossos pertences, não podiam fazer o que fizeram, cortaram e rasgaram barraco e lona, bagunçaram tudo, pegaram meu dinheiro. A covardia que fizeram com a gente foi enorme. Trouxeram a gente para a Vila da Penha e não deram nada, falaram para gente não entrar mais lá no acampamento senão ia morrer. Teve gente que dormiu aqui na rua, sem ter pra onde ir e agora já passa de meio dia e estamos aqui ainda, sem comer e sem dormir. Não sabemos que horas vamos chegar em casa hoje. Eles deveriam ter feito tudo diferente, lá não tinha nenhum bandido. Foram covardes.

VIDA SOCIAL DO ACAMPAMENTO TIAGO ANTES DO CUMPRIMENTO DA LIMINAR ATIVIDADES COM MULHERES

FARMÁCIA COM ATENDIMENTO BÁSICO DE SAÚDE

AULAS DE REFORÇO ESCOLAR PARA AS CRIANÇAS

ESPAÇO DE REUNIÕES E ASSEMBLEIAS

PORTARIA DE ENTRADA E CONTROLE DO ACAMPAMENTO – PROIBIDO BEBIDAS E DROGAS

MORADIAS PROVISÓRIAS NO ACAMPAMENTO

DESTRUIÇÃO PROMOVIDA PELA PM À SERVIÇO DO ESTADO: COMIDAS JOGADAS FORA, ROUPAS DESTRUÍDAS, CARROS QUEIMADOS, FOGÕES E DEMAIS OBJETOS DESTRUÍDOS

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