Camponeses são torturados na RESEX Cajari no Amapá

Policiais militares e civis do município de Vitória do Jari estão sendo acusados por agricultores da comunidade de São Tomé, Reserva Extrativista do Rio Cajari (Resex-CA), localizada entre Laranjal e Vitória do Jari, de constrangimento ilegal, tortura física e psicológica, prisão ilegal, invasão de domicílio sem mandado judicial, ameaça de morte e extorsão.

As vítimas estiveram presentes na sessão especial da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Amapá. Na ocasião, relataram essas e outras barbaridades cometidas, segundo afirmaram, a mando do fazendeiro Feliciano Gomes da Rocha, o “Filico Rocha”.

As prisões e torturas dos trabalhadores aconteceram no dia 12 de janeiro, com homens e mulheres algemadas e amarradas com cordas nas pernas, braços e pescoço, colocadas em paus-de-araras e transportados de barco por mais de 15 horas até a delegacia de Vitória de Jari, onde foram submetidos a torturas físicas por várias horas.

O caso mais grave foi do camponês Salomão da Silva, 25 anos, que após ser preso foi agredido na cabeça com o cano de uma espingarda empunhada por um policial militar. Mesmo sangrando muito, foi amarrado e conduzido a socos e pontapés para um pequeno barco atracado nas proximidades de sua casa.

Salomão, que há sete meses foi empregado de “Filico”, também denunciou a prática de trabalho escravo e tratamento desumano por parte do fazendeiro. De acordo com o camponês, “Filico” contrata trabalhadores nas outras áreas da reserva, oferecendo bons salários, alimentação e alojamento. Após convencê-los e levá-los para suas terras, passa a torturá-los psicologicamente, não cumpre os acordos firmados e impede, sob ameaça, que retornem para seus locais de origem.

Acusações e ameaças

A contenda na Reserva do Rio Cajari ganhou contornos de tragédia em dezembro, após “Filico Rocha” acusar “Zelão” do furto de gado. Conhecido pelo temperamento explosivo, Feliciano invadiu a propriedade de “Zelão” armado de espingarda calibre 12, revólver e terçado, e abordou a mulher dele, Maria Diolena, acusando-a de cumplicidade no hipotético “crime”. Mesmo sob ameaça, a camponesa reagiu contra a violência do latifundiário.

A segunda refrega protagonizada por “Filico” foi mais implacável, conforme relatos no dia 12 de janeiro, policiais militares armados com revólveres e pistolas, e usando coletes à prova de bala, invadiram a residência de José Cardoso “Zelão” e Maria Diolena (pais de Salomão), vasculharam os cômodos do imóvel, reviram móveis e eletrodomésticos, em seguida, sempre sob ameaças, tentaram “arrancar” informações de “Zelão” e da mulher dele sobre os fictícios furtos de gado.A ação atabalhoada e truculenta dos policiais, coordenada por “Filico Rocha”, revoltou os demais moradores da reserva. Reunidos decidiram defender a família, enquanto acusavam o latifundiário de usar a PM e a Polícia Civil para intimidar os agricultores. No entanto, a reação coletiva não impediu “Filico” de agir novamente, segundo depoimentos recolhidos pelos integrantes da Comissão de Direitos Humanos. Dessa vez, com mais violência.

Prisões e torturas

Sem nenhum mandado, os policiais prenderam Salomão, e um amigo dele, identificado por Reginaldo. Os dois rapazes foram algemados e conduzidos sob espancamento para uma embarcação, ancorada às proximidades da casa da família.

Maria Diolena tentou ajudar o filho mas, sob a mira de revólveres e pistolas, foi ameaçada pelos policiais e advertida para desobstruir o caminho “(…) se não quisesse ter o mesmo fim”. Temendo ser presa ou até mesmo baleada, a camponesa recuou para o lado, deixando que o grupo, liderado por “Filico”, seguisse em direção ao barco.

“Zelão” garante que as acusações de furto de gado são infundadas. No entender dele, o verdadeiro objetivo do desafeto é intimidar e amedrontar os agricultores da Reserva Extrativista do Cajari para obrigá-los a vender as terras as quais ocupam há mais de 30 anos “por um valor irrisório”.

Testemunhas ouvidas durante sessão especial da CDH no plenário da Assembleia Legislativa, contaram que o clima na reserva extrativista é tenso por causa das atitudes belicosas de “Filico Rocha” e podem ficar ainda piores se as autoridades se mantiverem omissas.

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