Cana: o amargo açúcar do povo brasileiro

“Os tratores invadiram as terras, enormes monstros de ferro a moverem-se como insetos. Os tratores rastejavam pelas terras, imprimindo nelas as marcas de suas correntes. Monstros de nariz chato, a levantar poeira, enfiando nela o focinho, marchando firmes pelas terras duras, arrancando cercas, não respeitando cabanas, demolindo tudo na sua rota implacável. Ignoravam colinas e vales e cursos de água, cercados e casas.”

(Trecho do livro Vinhas da Ira, descrevendo o sofrimento do campesinato com a mecanização do campo dentro do sistema capitalista)

Andar pelas estradas do Centro Oeste, Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba é visualizar uma única paisagem: extensas plantações de cana de açúcar. Este panorama se estende por todo o país enquanto o arroz, o feijão, a carne, as verduras, frutas e leguminosas se tornam mais caros. Além da degradação do solo e do meio ambiente, causado pela monocultura, estão substituindo os pastos para os bovinos e a plantação de culturas de primeira necessidade para plantar cana. Esta é uma das explicações do aumento dos preços dos produtos que comemos.

A luta dos camponeses pobres pelo direito a um pedaço de terra para sustentar e alimentar suas famílias é uma forma de resistência contra a imposição do imperialismo, principalmente o norte americano, que determina o que tem que ser plantado no nosso país para atender suas necessidades de “lucro máximo”. Porém é acima de tudo uma luta contra o latifúndio que os oprime e explora numa relação semifeudal. De posse do seu pedaço de terra os camponeses podem plantar, e onde poderia estar arrendado para as usinas de cana de açúcar estarão sendo produzidos pelos camponeses alimentos que poderão ser vendidos a preços melhores nas cidades.

O governo e os usineiros, com seus discursos demagógicos, falam que para o povo haverá vários benefícios do plantio da cana e do aumento na exportação do álcool. Cacarejam sobre diminuição do desemprego e desenvolvimento da economia brasileira. Mas na realidade para quem serão estes tais benefícios? Já somam milhares os casos de morte de cortadores de cana por exaustão física, péssimas condições de trabalho e baixos salários. Além de inúmeros casos de trabalho escravo em vários locais do país.

Um estudo recente da Universidade de São Carlos (SP) dá conta que no Estado de São Paulo, que é o maior produtor de cana do país, revela que ao dia cada trabalhador percorre 9 quilômetros a pé, desfere 72 mil golpes de facão, se abaixa 36 mil vezes carregando 800 montes de 15 kg cada. Ainda de acordo com esse estudo “de cada 100 acidentes com gente que tem carteira assinada, cinco ocorrem no setor sucroalcooleiro (indústria de açúcar e álcool). De 2002 a 2005, foram 83 mil casos.” Isto sem contabilizar os trabalhadores sem carteira assinada.

São os crimes deste Estado e deste sistema falido que suga o suor e o sangue do povo para alimentar os grandes burgueses, os latifundiários e os imperialistas. Para o povo existe as esmolas do “bolsa família” e do “fome zero”. Já para os latifundiários são empréstimos, financiamentos e perdão de dívidas, ou seja, para eles é “bolsa usineiro” e “prejuízo zero”.

Num dos períodos mais lucrativos para os usineiros de cana-de-açúcar no país, o Banco do Brasil concedeu ao setor perdão de dívidas superior a R$ 1 bilhão. De 2003 para cá, o banco selou acordo com pelo menos 20 produtores, a maior parte do Nordeste. O grupo pernambucano União, por exemplo, pagou apenas 1,77% (R$ 3,7 milhões) dos R$ 208,63 milhões que devia originalmente.

É o governo implantando o PAC (Projeto de Aceleração do Crescimento), acelerando os privilégios aos latifundiários com o suor do povo. Este é o tal espetáculo do crescimento! Quando o povo se conscientiza desta situação e se rebela é criminalizado e mostrado como baderneiro pelos monopólios de comunicação.

Greves e manifestações estouram em todo o país por parte dos trabalhadores rurais contra esta situação. Neste ano na região centro-oeste estouraram várias lutas dos cortadores de cana. Em Ituiutaba os trabalhadores fizeram várias manifestações e em Goiás 25 mil canavieiros entrarem em greve. Goiás é o quarto maior produtor de etanol do país e das 16 usinas em funcionamento no estado, dez tiveram corte e moagem da cana parados por conta da greve.

Em Campina Verde (MG) tivemos recentemente o falecimento do trabalhador Francisco de Assis Ferreira da Usina Campina Verde Bioenergia, que por estafa física e após ingerir um suco energético, que a usina os obriga a tomarem todos os dias, sofreu uma parada cardíaca. No mesmo dia outros 3 trabalhadores, desta mesma empresa, deram entrada no Pronto Socorro da cidade com os mesmos sintomas de Francisco. Após o falecimento a sua esposa foi pressionada pelos chefes e assistentes sociais da empresa para agilizar o enterro, sem autópsia. Como os trabalhadores reivindicaram providências e exigiram que o caso fosse investigado, foi encaminhado para o IML para estes procedimentos médicos.

Esta é uma expressão viva da semifeudalidade no campo. É a isto que é necessário rebelar-se e lutar com muito vigor: por um novo país, justo e livre de opressão e exploração. Por uma verdadeira democracia popular e não a demagogia de nossos governantes e da imprensa burguesa, porta-voz do latifúndio e demais classes dominantes, que tenta passar os camponeses como baderneiros. O que eles chamam de baderna nada mais é do que a consciência das massas avançadas em luta contra o seu cativeiro. Somente destruindo o latifúndio é que haverá democracia para os camponeses pobres em nosso país.

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