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Carta aberta a 748ª Reunião da “Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo”

A realização, em Montes Claros, de reunião de número 748 da denominada “Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo” aparenta grande preocupação, esforço e empenho da gestão Lula/Dilma/PT, há 12 anos no gerenciamento de turno do Estado genocida brasileiro, com os problemas que afetam a vida dos camponeses. Mas na verdade, o fato de se chegar a tantas reuniões só atesta, de forma trágica, a existência e principalidade do problema agrário-camponês e da contradição que a expressa, entre os camponeses pobres sem terra ou com pouca terra e o latifúndio. Ao tratarem a questão desta forma os atuais gerentes e burocratas do velho Estado, sem se darem conta, acabam por atestar a existência da realidade de grande tragédia histórica nunca alterada de nossa sociedade, que como administradores do Estado dos grandes burgueses e latifundiários empenham-se em negar e minimizar. Afinal, realizar 748 reuniões só confirma a gravidade do que chamam de “conflitos no campo” e que é na verdade a situação de concentração da propriedade da terra, da preservação secular das relações de propriedade da terra a favor de uma minoria de senhores de terra e do seu poder oligárquico em detrimento da imensa maioria do povo do campo e de suas imensas massas expulsas para as cidades pela miséria, pela exploração e pela violência dos latifundiários, do Estado e de seus gerenciamentos de turno.

Impossível não nos lembrarmos dos debates da recente farsa eleitoral, particularmente entre os dois candidatos que participaram do segundo turno, quando o candidato da facção PSDB do partido único defendia que os programas assistenciais foram criados por FHC e a candidata das facções PT/PMDB/PCdoB dizia que não se podia comparar tais programas pela diferença dos números e da dimensão em que foram aplicados. Se a obrigação constitucional “Reforma Agrária” ao menos tivesse sido citada nestes debates e propagandas eleitorais, certamente ouviríamos algo parecido. Afinal, a Ouvidoria Agrária Nacional que promove estas reuniões foi criada por FHC, e o Ouvidor Agrário é o mesmo, Gercino Filho. Será que um problema tão grave, tão candente, que originou 748 reuniões sabe-se lá a que custo, é tão insignificante que não merece ser tratado em um processo que se diz democrático de definição dos rumos do país?

Queremos aqui nesta oportunidade enumerar algumas questões que resumem a ação deste governo, que ao contrário de toda sua propaganda, inclusive de suas “audiências públicas”, está é a serviço do vigente sistema de exploração e opressão. Que enquanto opera uma “Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo”, sob nome tão pomposo, o que faz é promover, encobrir, avalizar e favorecer a violência do Estado e dos latifundiários contra os pobres do campo. Qual tem sido as soluções apontadas para o que chamam genericamente de “conflitos” que não seja enviar tropas cada vez mais armadas para guerra? Não criaram a Força de Segurança Nacional e até unidade de choque da Polícia Federal para reprimir camponeses, indígenas e outros trabalhadores? O remédio para os “conflitos” de enviar forças policiais não tem sido o de sempre: tomar espingardinhas e motosserras dos camponeses, além de apreenderem suas motos? Onde e quando, em qual “conflito” que as forças repressivas enviadas tanto pela “Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo” quanto por outro órgão do Estado em que latifundiários ou seus gerentes foram presos, em que os arsenais de armas que possuem foram apreendidos?

Se os números revelam a gravidade da situação, o pomposo nome dado pelo PT a esta “comissão” se encarrega de esconder a realidade. Violência no campo? Qual violência? De quem contra quem? Quantos camponeses, indígenas e quilombolas assassinados nestes anos? Quantos latifundiários, donos de mineradoras e de grandes empreiteiras assassinados? Quantos camponeses, indígenas e quilombolas presos? Quantos diretores e gerentes e funcionários de INCRA, Institutos estaduais de terras, juízes e outros órgãos do Estado que prevaricam, dão documentos falsos e favorecem latifundiários, estão presos? Quantas operações militares complexas e com todo aparato policial-militar do Estado, escutas telefônicas, etc., contra camponeses, indígenas e quilombolas? Quantas operações do mesmo porte e com a mesma publicidade para prender latifundiários ladrões de terra, assassinos e grileiros?

Só para ficar em um exemplo atual, enquanto os latifundiários assassinos de Cleomar, com todos antecedentes de denúncias e testemunhas das ameaças de morte que sofreu, nem sequer se cogitou intimá-los, companheiros de Cleomar são alvo de inquérito da PF, por uma ocupação pacífica da sede do INCRA, em BH no dia 9 de setembro de 2013.

E qual é o resultado desta mentira que é o “combate à violência no campo”, senão a mesma história de sempre, que apesar das denúncias das ameaças são os camponeses e suas lideranças que são alvos de investigação policial e ao final terminam assassinados, tal como se repete agora com o assassinato do dirigente nacional da LCP e Coordenador Político da LCP Norte de Minas e Sul da Bahia Cleomar Rodrigues de Almeida? Mas infelizmente Cleomar não foi o primeiro e não será o último!

Mas para deixar bem patente o significado de tudo isto, da mentira e jogo de cena que é a atuação desta “Comissão”, mostremos mais alguns casos gritantes: Os camponeses Elcio e Gilson, em Rondônia (2010), sequestrados, torturados e assassinados após serem identificados em uma reunião no INCRA. Lá estavam convidados pela Ouvidoria Agrária, reunião na qual estavam presentes, além de representantes de todo tipo de aparato repressivo, agentes da ABIN, o latifundiário que havia alardeado por toda parte que iria eliminar dirigentes da LCP, acompanhado de seu gerente e outros pistoleiros. E quem era figura carimbada nestas reuniões, posando dezenas de vezes junto ao ouvidor agrário? O Major Enedy, do 7.º batalhão da PM de Ariquemes, notório protetor de latifundiários e declarado perseguidor da LCP, identificado pela própria corporação como chefe de um grupo de policiais para “segurança privada” para latifundiários.

E o caso de Josias Paulino de Castro e sua companheira Irene da Silva? Lideranças da Associação de Produtores Rurais de Nova União, MT, assassinados na estrada rural do distrito de Guariba, Colniza (MT), dias após participarem de “audiência pública” na capital Cuiabá, onde expuseram as ameaças que vinham sofrendo.

E a indígena guarani kaiowa, Marinalva Manoel, de Dourados-MS, assassinada a facadas dias após se reunir com procuradores do Ministério Público Federal em Brasília, em 1º de novembro de 2014?

Todos participaram de algum tipo destas reuniões antes de serem assassinados.

O latifúndio, com o gerenciamento petista/Dilma nas mãos, aprendeu a fazer nestas reuniões desta “comissão” a identificação dos que devem ser assassinados. E mais, a legitimar todas as decisões liminares de reintegração de posse, cujos cumprimento de despejos passou a ser sua “reforma agrária”.

Nenhum estudo de cadeia dominial, de documentação falsa, nada! As decisões fraudulentas de primeira instância chegam como verdade absoluta, e os latifundiários alcançam a condição de “homens de bem”. E os assassinatos são só uma parte dos resultados desta ação do Estado.

Pudemos verificar numa destas reuniões no Pará, por ocasião do despejo na fazenda Forkilha, a Ouvidoria Agrária negociando valores para “indenizar” os camponeses para que deixassem a área que reivindicavam.

É tudo muito podre e perverso!

Os que se dizem “governo” e membros de tal “Comissão”, céleres em identificar lideranças e manifestantes em menos de 24 horas, para o que tem a disposição aparatos de serviços de inteligência chegam ao desplante de solicitar aos camponeses agredidos para que estes identifiquem latifundiários para participarem da presente reunião.

Quem matou Cleomar? Não existe latifundiário? E foi por causa de uma briga por estrada? A presente “audiência” tem como principal objetivo sacramentar e tentar legitimar ante a presença de trabalhadores o golpe contra as famílias que o companheiro Cleomar liderava na luta há mais de 8 anos pela conquista das terras das fazendas Pedras de Maria; Pedras de São João e fazenda São Pedro, que passaram (após mais de 6 anos de sua ocupação pelo Acampamento Unido com Deus Venceremos, onde o processo de desapropriação iniciado sob a gestão do superintendente do INCRA-MG senhor Marcos Heleno e que fora repentinamente travado na burocracia em Brasília) a objeto de criação de suposto “Território Pesqueiro”, retirando destas terras os 1.660,71 hectares formados e banhados por vazantes. Ou seja, a melhor parte das terras que permitem aos camponeses tirarem o sustento para suas famílias. E pretendem fazer isto com demagogias sobre o assassinato covarde de nosso companheiro Cleomar.

Manifestamos mais uma vez a exigência da conclusão imediata do processo de desapropriação iniciado das terras das fazendas que correspondem ao Acampamento Unidos com Deus Venceremos: Pedras de Maria; Pedras de São João e fazenda São Pedro, respectivamente de propriedade de Pedra de Maria Agropecuária Ltda, Pedra de São João Agropecuária e São Pedro Agropecuária Ltda; ademais das fazendas Boa Vista e Pioneira de propriedade de Antonio Aureliano Ribeiro de Oliveira, latifundiário este envolvido nas ameaças ao companheiro Cleomar e outros, cujo gerente de suas fazendas citadas, Marcos Gusmão, é um dos acusados pelo assassinato do companheiro Cleomar.

 Cleomar Vive! Morte ao latifúndio!

Comissão Nacional das Ligas de Camponeses Pobres

 Montes Claros, 20 de Novembro de 2014