Defender a posse pelos camponeses da fazenda Santa Elina

Recentemente, foi divulgado que “o Incra concluiu o processo de aquisição da fazenda Santa Elina, em Corumbiara” e que “em 90 dias a área de 14 mil e 800 hectares será transformada no mais novo projeto de assentamento do Estado”. Por incrível que pareça em nenhum momento é feito qualquer tipo de referência a prolongada luta empreendida pelo CODEVISE – Comitê de Defesa das Vítimas de Santa Elina e LCP – Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia e Amazônia Ocidental, e muito menos que parte da área já foi cortada e as famílias já estão produzindo em seus lotes há quase um ano. Esta é a forma encontrada pelo Incra de Rondônia e pela Fetagro (Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Rondônia) para deturpar a luta dos camponeses. Por isso é preciso esclarecer que:

1. Em agosto de 2007 as vítimas de Santa Elina ficaram acampadas em Brasília por 23 dias onde foram realizadas reuniões na Comissão de Direitos Humanos, com o Ministro de Direitos Humanos Paulo Vanucci e com o chefe do gabinete civil da presidência Gilberto Carvalho. Na ocasião Lula se negou a receber as vítimas de Corumbiara.

Nestas reuniões ficou acertado a vinda do ministro Vanucci a Rondônia para reuniões em Palmares do Oeste em Theobroma, Corumbiara e Rio Crespo para tratar diretamente com as vítimas sobre o problema das indenizações e o corte imediato da fazenda Santa Elina. Mas o que ocorreu foi uma reunião em Ji-Paraná com 440 camponeses, entre eles vítimas, parentes e amigos. O ministro Vanucci passou por cima de todas as promessas feitas ao Codevise em Brasília de que o governo federal resolveria o problema. Ele saiu da reunião de fininho, sem deixar ninguém falar. E passou a responsabilidade das indenizações para o governo de Rondônia.

Sem que houvesse discussão com as vítimas reconheceu a Fetagro (entidade governista) como intermediadora e responsável pelo levantamento de informações e triagem das vítimas. Só para fazer este trabalho a Fetagro embolsou R$ 94 mil reais.

2. Cansados de esperar pelas promessas dos políticos, os camponeses iniciaram a mobilização para retomarem as terras da fazenda Santa Elina. No dia 11 de maio de 2008, cerca de 250 pessoas entraram na área. Novamente, 8 dias após a entrada a justiça já havia dado reintegração de posse, mesmo com os laudos apontando ser terra improdutiva e possuir uma dívida de milhões por multas de desmatamento.

O Incra de Rondônia, através do seu superintendente fez de tudo para impedir que as famílias permanecessem nas terras. Utilizaram “lideranças” escoladas em extorquir e enganar trabalhadores para desmobilizar o acampamento prometendo dinheiro, lona e cestas básicas. Diante de todas as denúncias feitas à época e da disposição de luta dos acampados estes elementos foram expulsos do acampamento.

Após meses de provocações e ataques de pistoleiros ao acampamento, em setembro de 2008 as famílias foram despejadas das terras, mas mantiveram-se acampadas na área vizinha do assentamento Adriana. Os bandos armados do latifúndio continuaram os ataques, inclusive a alguns moradores deste assentamento por apoiarem a tomada de terra.

3. No início de 2010 o Incra propôs ação judicial para desapropriação da fazenda Santa Elina, segundo esta ação apenas uma parte da fazenda seria cortada. Para tentar impedir tomadas de terra na área realizaram várias ameaças em notas publicadas na internet e através de discussões com lideranças camponesas dizendo que qualquer tentativa seria reprimida pela Polícia Federal e que o Incra não reconheceria nenhum cadastro de famílias realizado por movimentos sociais, sindicatos ou associações.

4. No mês de abril de 2010, o Codevise apoiado pela LCP iniciou a mobilização das vítimas de Corumbiara e de famílias de camponeses sem terra para retomar a fazenda Santa Elina. Após quase dois meses de mobilização as famílias entraram na área no dia 25 de julho as vésperas de completar 15 anos da histórica e heroica resistência de Corumbiara.

5. Nos dias 2, 3 e 4 de dezembro de 2010 mais de 500 camponeses vindos de várias partes de Rondônia e entidades classistas de várias partes do país participaram da Festa do Corte Popular realizada na antiga sede da fazenda. Nesta celebração as famílias receberam o certificado de posse das terras e aprovaram homenagear o líder camponês Francisco Pereira do Nascimento (Zé Bentão) assassinado em março de 2008 por bandos armados do latifúndio em Buritis, dando seu nome a área. Desde então a antiga fazenda Santa Elina passou a ser chamada pelos camponeses de área Zé Bentão.

6. Hoje uma parte da antiga fazenda Santa Elina está cortada em mais de 250 lotes de 12 alqueires pela mão dos próprios camponeses que vivem e produzem diversos cultivos há quase um ano. Nesses 250 lotes, mais de 30 % foram entregues a  remanescentes das famílias vítimas de Santa Elina. Dentro da área já funciona uma escola de 1ª a 4ª série com cerca de 30 alunos matriculados. E a estrada que hoje é usada como acesso principal foi reformada com o uso de tratores custeados pelos próprios camponeses. Durante esse último ano os camponeses já realizaram diversas festas e celebrações dentro da área onde participaram em cada um desses eventos centenas de pessoas da região. Reconhecidamente o desenvolvimento dos municípios e localidades em torno tem ganhado impulso desde a retomada da área.

Portanto se existem a luta e discussão em torno da desapropriação da fazenda Santa Elina, isso se deve principalmente a luta das vítimas e seus apoiadores que ao longo desses anos nunca se cansaram de lutar por seus direitos. Foram incontáveis manifestações, panfletagens, idas em Brasília, reuniões, mobilizações, ocupações, resistência às tentativas de despejo e intimidação da polícia, ataques de bandos armados do latifúndio e de todo tipo de elementos oportunistas.

Reafirmamos que estamos dispostos a lutar para que todos os esforços das vítimas de Santa Elina, não seja usado mais uma vez para fins oportunistas e eleitoreiros de quem quer que seja.

As famílias que há mais de um ano tomaram legitimamente posse de suas terras exigem o reconhecimento de seu direito de ter terra para trabalhar e sustentar sua família exigem que o corte realizado pelos camponeses seja respeitado e estão dispostas a permanecer nessas terras custe o que custar.

Comitê de Defesa das Vítimas de Santa Elina – CODEVISE

Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia e Amazônia Ocidental – LCP

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