Há 39 anos em posse, família do município de Campinaçu (GO) é despejada

Imagens:  Arquivo da família

Já são quase quatro décadas na terra situada no norte do estado de Goiás. Mas do ano de 1999 para cá, os conflitos se intensificaram: ameaças de expulsão e de morte, agressão física, e até inundação da terra por uma barragem. Depois do despejo, ocorrido recentemente, os posseiros lutam na Justiça para ter a terra de volta, e reconstruir o que foi destruído após serem retirados da localidade. Outras pessoas na região vivenciam a mesma realidade conflituosa. 

Por Elvis Marques

Assessoria de Comunicação da CPT

Mineiro, Pedro dos Santos*, 70 anos, chegou em Goiás em 1968, mais especificamente na região norte do estado. Alguns anos depois, em 1980, ele e a família começaram a vida numa posse intitulada Córrego da Vaca, na então Fazenda Boa Sorte, também conhecida como Palmeiras do Maranhão, na região de Campinaçu, distante 439 da capital Goiânia (GO). 

São 39 anos de posse, mais tempo inclusive que a fundação do município, que tem dois anos a menos. “Nós não compramos de ninguém. Entramos na área que estava abandonada”, conta o idoso. Ao longo desses anos, Pedro e Judite* dos Santos criaram 11 filhos e filhas nessa terra. Na área, antes da reintegração de posse, residiam o casal e o filho Tiago dos Santos*, 45.

Davi dos Santos*, também filho de Pedro, não reside mais na propriedade, mas é quem acompanha o pai na capital de Goiás em busca de Justiça. “Ele sempre está lá comigo, pois eu não aguento muito mais trabalhar”, afirma o senhor.

Reintegração de posse e usucapião

No dia 11 de junho de 2019, foi publicada pela Comarca de Minaçu a decisão do processo de reintegração de posse, iniciado em 2006, contra a família de Pedro e Judite. Depois de tanta luta, as quase quatro décadas naquela terra tinha dia e hora para se encerrar. A juíza Hanna Lídia Rodrigues deu ganho de causa para Edwaldo de Paulo Peres e Regina Vitória Nicolau Morhy Peres, ambos residentes em Brasília. Na decisão, a juíza determinou a reintegração das duas áreas de mesmo nome, Fazenda Palmeiras do Maranhão – uma com cerca de 50 alqueires e a outra com 35. 

A família despejada contesta a versão da Justiça local de que foi notificada com antecedência para sair da terra e retirar seus pertences. “Não ocorreu de jeito nenhum. Não falaram nada para a gente”, denuncia Pedro, que ainda não conseguiu retirar o gado do local. “A polícia não fez nada, e a gente também não reagiu”, relembra. O filho Tiago ficou  na casa de um vizinho na região para cuidar do gado, e o pai e a mãe estão em outra localidade.

Após o despejo, a casa da família, a granja de porcos (que foi construída a partir de um projeto de compensação por a família ter sido atingida pela Usina de Serra da Mesa), e o pasto foram completamente destruídos. “Ele (o pretenso proprietário) botou o trator lá e destruiu minhas coisas tudo. Passou por cima da casa, da granja que estava quase acabando de construir”, recorda o senhor. 

Edwaldo de Paulo, segundo consta no processo de reintegração de posse, possui um título das terras do Instituto de Desenvolvimento Agrário de Goiás (Idago), e caso se comprove isso, configura, conforme a  Comissão Pastoral da Terra em Goiás (CPT-GO), que acompanha o caso, abandono da terra, podendo se aplicar um processo de usucapião em favor de Pedro dos Santos.

Na imagem, o local onde era a granja de porcos da família, que foi completamente destruído após a reintegração de posse.

A casa da família de posseiros também foi destruída após a reintegração de posse ocorrida em junho deste ano.

Para a Pastoral da Terra, esse é mais um caso, entre muitos outros que ocorrem na região. Além da família de Pedro e Judite, a CPT identificou, num raio de 200 quilômetros, pelo menos outras cinco situações de expulsões em decorrência de grilagem de terras. De acordo com a CPT em Goiás, denunciar casos como esse é importante para ajudar a “coibir a violência e restabelecer a justiça, afinal, se forem terras com matrícula de particulares, cabe usucapião. E se tratar de terras devolutas, o governo estadual tem o dever de regularizar as famílias que estavam na posse da terra por dezenas de anos”.

Lesão corporal

O caso de maior violência contra a família neste longo processo de luta para permanecer na posse ocorreu recentemente, por volta das 12 horas do dia 06 de julho, quando Tiago dos Santos, que é deficiente de audição e de fala, foi agredido por três homens com chutes e socos em todo o corpo. Os agressores ainda dispararam vários tiros pŕoximos a Tiago, mas nenhum o acertou. “Deram vários tiros ao redor dele”, relata o pai, que não estava presente na área no momento da agressão. Esse caso ocorreu em uma propriedade vizinha, que também sofre com ação de grileiros de terra, segundo a Pastoral.

No Boletim de Ocorrência, registrado em Campinaçu, o trabalhador contou que estava a cavalo e procurava por uma novilha na fazenda vizinha, quando foi atacado pelos homens. De acordo com a vítima, o suposto proprietário da área não o agrediu, mas observou tudo de perto. “Ele ficou acompanhando as agressões, deixando a entender que são pessoas a mando dele”, afirmou a vítima no boletim. A denúncia por Lesão Corporal foi registrada contra o fazendeiro. 

Barragem

Além dos conflitos recentes, a família de Pedro e Judite também foi atingida pela construção da Usina de Serra da Mesa, o quinto maior reservatório de água do país. Com a chegada da barragem, a posse diminuiu consideravelmente. Cerca de 200 alqueires foram inundados, e a terra onde reside a família ficou em cerca de 94. “Me tomaram muita terra e não me pagaram o suficiente. Os 94 alqueires foi o que sobrou da inundação. Me pagaram na época uns R$ 6 mil pela destruição do curral, do chiqueiro de porcos, um barraco. Depois de 10 anos que estava tudo inundado que me pagaram”, conta Pedro. 

Depois disso ele conta que não teve mais problemas com a Usina, “pois acabou com tudo. E aí começamos uma corrida com o MAB [Movimento dos Atingidos por Barragens]”, relembra o idoso. 

A CPT estima que cerca de 500 famílias continuam impactadas pela usina. “E agora, o pedacinho que sobrou o grileiro vai e toma”, lamenta o trabalhador rural.

*Por segurança da família de posseiros, que está ameaçada e sofreu situações de violência, seus respectivos nomes nesta matéria são fictícios.

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