O primeiro contato que tive com a fazenda Santa Elina e a luta camponesa de Rondônia foi através de um cartaz que denunciava o massacre de camponeses ocorrido em Corumbiara em 1995. Na época eu era estudante e me causou profunda revolta ver tanta violência e covardia do latifúndio contra os camponeses. Queria logo fazer alguma coisa pra ajudar, peguei um punhado de cartazes e sai pregando na universidade junto com outros estudantes.
Por ironia do destino alguns anos mais tarde, tive a oportunidade de trabalhar em Corumbiara ajudando na organização da Escola Família Camponesa e pude conhecer de perto os camponeses que lutaram tão heroicamente por aquelas terras, aprender com suas histórias de vida e trabalho.
Uma das primeiras pessoas que conheci foi o Tonho, era um sábado e reunimos alguns camponeses para roçar a área onde seria construído o barracão da escola. Tonho era calado, e como camponês observava tudo com aquele jeito desconfiado, mas também era muito gozador e lembro como ficava agachado na beira da estrada enrolando um cigarro e vendo eu barriga verde pegar na foice pra roçar, bastou ele dizer “parece que você tá roçando de cima do cavalo” e os outros companheiros caíram na gargalhada.
Logo fiquei sabendo que alguns daqueles companheiros, inclusive o Tonho, apareciam naquela foto histórica de Santa Elina, sentados, enfileirados e com cabeças baixas e rodeados por policiais encapuzados.
O Tonho participou desde 1999 das discussões para a construção da escola junto com camponeses dos assentamentos Adriana, Vanessa, Verde Seringal e VP-14, participou dos vários mutirões de construção da estrutura, na organização das festas para arrecadar materiais, e depois participou na direção da escola junto com os professores, alunos e outros pais para avaliar as atividades realizadas, discutir os problemas dos moradores do local como produção, estradas, energia elétrica etc.
Por tudo isto o Tonho era muito querido por todos os professores, técnicos agrícolas e alunos que passaram pela Escola, tanto pela sua simplicidade e alegria, mas também pelo seu caráter e senso de justiça e dedicação ao trabalho. Quando a escola foi invadida pela Policia Militar em maio de 2001 sob a acusação de estar organizando tomadas de terra na região ele foi um dos poucos pais que mantiveram os filhos estudando mesmo com toda pressão da prefeitura, policia militar e conselho tutelar para fechá-la. Ele tinha 5 filhos que estudavam na escola e sua companheira também chegou a trabalhar como cozinheira da escola.
Mas nem isso lhe tirava o bom humor e seu espírito de companheirismo. Da última vez que nos vimos ele tinha acabado de passar pela cirurgia que amputou uma das pernas, fiquei todo sem jeito com aquela situação, não sabia o que dizer, mas ele logo tratou de quebrar o gelo e fomos colocando as conversas em dia.
Em abril do ano passado quando ele soube do assassinato do professor Renato ficou indignado com as falsas acusações da imprensa de Rondônia e decidiu gravar um depoimento sobre a importância do trabalho da Escola Popular na educação de seus filhos e o quanto Renato era querido por todos que o conheceram.
Tamanha foi minha tristeza quando fiquei sabendo de seu falecimento no dia 19 de março passado que se deu por complicações da amputação que sofrera, uma trombose lhe tirou a vida repentinamente. Por ser uma pessoa muito querida sua morte foi sentida por muitos companheiros, amigos e familiares que conviveram com ele e que nunca vão esquecer seu exemplo de alegria e simplicidade.
Tonho nasceu no dia 10 de novembro de 1957 no município de Paranavaí-PR, morou com seus pais e irmãos em São Paulo, Mato Grosso e no Paraguai. Aos 25 anos veio para Rondônia morar na cidade de Colorado do Oeste e depois para Corumbiara, que na época ainda se chamava Vila Nova Esperança, onde viveu 26 anos. Aos 28 anos casou-se com sua companheira Erminda e tiveram 6 filhos e 5 netos.
Trabalhou em quase todas as fazendas da região, fazendo serviço braçal e serviços gerais. Nos últimos anos mesmo com os problemas de saúde estava muito animado e orgulhoso de produzir milho, batata, mandioca, abobora e outros alimentos em seu sitio.
Tonho era uma pessoa do povo, um camponês como muitos outros que vieram de várias partes do Brasil para Rondônia em busca de uma vida melhor, chegando aqui tiveram que passar por todo tipo de sacrifícios para conquistar seu pedaço de terra.
Em 1995 na fazenda Santa Elina ele sofreu espancamentos, foi preso e humilhado junto com sua família e companheiros pela Policia Militar de Rondônia, mas nunca se arrependeu de ter lutado. Pelo contrário seguiu ajudando e apoiando de várias formas a luta dos camponeses e da LCP em Corumbiara acreditando em nosso juramento de que um dia a fazenda Santa Elina seria cortada e entregue para o povo. Depois de tantos anos uma das filhas do companheiro Tonho, que era uma criança no acampamento de Santa Elina 1995, conseguiu finalmente um pedaço de terra na mesma fazenda transformando em realidade o sonho pelo qual tantos camponeses foram torturados e assassinados naquela dia 9 de agosto.
Viva o Companheiro Antônio Dias! Companheiro Tonho! Presente!
Viva os mártires de Santa Elina!