Articulação Nacional de Quilombos realiza encontro no Maranhão e divulga documentos políticos

Confira, abaixo, a Moção de Repúdio e a Carta aos Povos:

Moção de Repúdio

Nós, comunidades quilombolas, reunidas no II Encontro da Articulação Nacional de Quilombos, nos dias 18 a 21 de julho de 2019:

REPUDIAMOS e DENUNCIAMOS o Racismo Religioso que ameaça e destrói os nossos Terreiros de Culto Ancestral de Religião de Matriz Africana. Não podemos tolerar que “pastores de igrejas cristãs” incentivem e promovam essas ações terroristas que afrontam os princípios do Evangelho de Jesus de Nazaré.

Exigimos do Estado a punição de tais práticas e que assegure Direitos Fundamentais inscritos na Constituição Federal para os Povos de Terreiros em especial os presentes nos artigos 215 e 216 da mesma , bem como, a liberdade de culto.

Território Quilombola Cocalinho / Parnarama – Maranhão

Carta aos Povos

Nós, Quilombolas de todas as regiões do Brasil, reunidos no Território Quilombola Cocalinho, município de Parnarama – MA, nos dias 18 a 21 de julho de 2019, ao som dos nossos tambores, pedindo licença aos nossos ancestrais, reafirmamos nosso direito à auto-organização que se consolida na Articulação Nacional de Quilombos (ANQ), em construção desde 2011, tendo como princípio os processos de resistências e lutas rumo à uma sociedade construída no respeito às diversidades étnicas, religiosas, culturais e de gêneros.

Registramos a presença e o apoio de: CPT, CIMI, CSP-CONLUTAS, CPP, NERA-UFMA, MPP, MIQCB, CNDH, Movimento de Hip Hop Organizado do Maranhão, povo indígena Akroá-Gamella e Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão.

Diante da atual conjuntura social e política em nosso país, agravada com o governo de Jair Bolsonaro, se acentua o desmonte das políticas de regularização fundiária, o discurso que incentiva e promove as diversas formas de violência, racismo, sexismo e LGBTQIfobia e a expansão de um modelo mono agro minero exportador, que se materializa através de:

  • Racismo estrutural, ambiental e religioso que refletem o genocídio do povo negro através da expansão das fronteiras da violência, no campo e nas periferias da cidade, adicionando políticas públicas voltadas diretamente à justificativa dessa violência, tais como: encarceramento em massa da população negra, Lei Anticrime, guerra às drogas, venda de nossos territórios para os grupos internacionais e ameaças e ataques aos Terreiros de Culto de matriz africana;
  • Reforma Trabalhista e da Previdência que caminham para a precarização e escravização dos trabalhadores e trabalhadoras, sobretudo as mulheres negras;
  • MP 870/2019, que promove uma reforma administrativa no Estado, atingindo diretamente a pauta fundiária com a sua transferência para o Ministério da Agricultura, que está sob o controle e a serviço dos ruralistas; assim como a militarização do INCRA e demais órgãos governamentais responsáveis pela pauta ambiental e de Direitos Humanos que, além disso, também estão sendo ocupados pelos nossos inimigos seculares;
  • Expansão das fronteiras agrícolas através do MATOPIBA e os diversos projetos e empreendimentos que, aliados ao Estado, promovem impactos socioambientais e ameaça a existência e permanência dos povos e comunidades tradicionais em seus territórios;
  • Criminalização, ameaça de morte e cooptação de lideranças e dos movimentos sociais.

No entanto, diante de todas essas violações e negações de direitos, reafirmamos que não estamos parados, estamos de pé e em luta, reacendendo em nós nossa identidade ancestral e retomando nossos territórios e territórios livres. As experiências de insurgências estão presentes em todo o país, a Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão e da Bahia, Assembleia dos Povos no Rio Grande do Sul, a retomada dos territórios pesqueiros e quilombolas no Recôncavo Baiano, retomada da educação quilombola no Quilombo Nazaré em Serrano do Maranhão, Quilombo São Raimundo, Santa Helena, Maranhão, criação do Fórum de Educação em Laje dos Negros em Campo Formoso – BA, resolução da educação que prioriza a contratação de professores quilombolas, a resistência dos territórios na região do MATOPIBA, aos monocultivos do Eucalipto no Quilombo Cocalinho – MA, Vale do Jequitinhonha –MG e Recôncavo Baiano, resistência das comunidade das águas frente à criação de um estaleiro naval em São Roque do Paraguaçu e do Porto de Aratu na Bahia, a resistência das comunidades quilombolas do Baixo Sul da Bahia, frente ao cercamento promovido pelo empreendimento KNAUF, enfrentamento das comunidades contra as empresas de carcinicultura, as eólicas e os resort no Nordeste, a mineração, as hidrovias, ferrovias, hidrelétricas o latifúndio e a pistolagem de Norte a Sul do Brasil.

O momento é de unidade do povo negro e povos originários que compõe a nação pluriétnica para a luta nacional contra a nação de “povo branco”, de cultura europeia, da elite racista e violenta e sua oligarquia política e pela libertação das condições de vida, nas quais há séculos se encontram negros e indígenas. Por isso, chamamos nosso povo a construir um projeto político a partir de nossa visão de mundo, com base em nossa ancestralidade, resistência e organização para construção do bem-viver e a reparação histórica e humanitária aos povos vítimas da escravização e da violência colonial.

“O escravo que mata o seu senhor, independente das circunstâncias, age sempre em legítima defesa”. Como aponta o abolicionista negro Luiz Gama, vivemos em permanente estado de legítima defesa. Em luta pelo território livre e bem-viver, porque nós somos nossas raízes!

Comunidades Quilombolas, Às Margens da Lagoa do Cocalinho

Território Cocalinho / Parnarama – Maranhão

Julho de 2019

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