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“Tentamos dialogar, a resposta foi mais disparos”, denuncia em carta o povo Kinikinau

Sem ordem judicial, cerca 130 policiais, apoiados por dois helicópteros, despejaram de forma violenta os Kinikinau de uma retomada, no MS. A truculenta operação atingiu crianças, idosos e mulheres

Três gerações do povo Kinikinau, mais de 100 anos de luta pelo reconhecimento de seu território tradicional. Foto: Lidia Farias Oliveira/Cimi

Lideranças do povo Kinikinau e Terena denunciam, em carta, a
violência sofrida no dia 1º de agosto por parte das Polícias Militar e
Federal, quando cerca de 500 lideranças do povo Kinikinau, no Mato
Grosso do Sul, realizaram uma retomada na Fazenda Água Branca, município
de Aquidauana. Mesmo com a posse da área pelos indígenas consolidada
desde a madrugada, ao final do dia a polícia agiu sem ordem judicial
para retirá-los da fazenda retomada.

“Nossas lideranças tentaram dialogar, até porque não existia ordem
judicial, mas não houve intenção alguma da polícia de nos ouvir.
Tentamos dialogar, a resposta foi mais disparos”, relatam em carta os
indígenas. Cerca 130 homens da Polícia Militar, apoiados por dois
helicópteros, realizaram o despejo de forma violenta,
com bombas e tiros de bala de borracha contra crianças, idosos e
mulheres. Sem ordem judicial, necessária quando a posse de uma área está
consolidada, os indígenas foram surpreendidos pela ação policial
truculenta.

“Todos sabiam que éramos crianças, mulheres e idosos em nossa maioria”

A ação policial contou com cerca de cerca 130 homens. Foto: Povo Kinikinau

Na carta, os indígenas ainda registram a luta que o povo tem travado
ao longo de cem anos. “Fomos arrancados pelo Estado de nossas terras e
temos vivido muitas violências desde então. Ontem [1° de agosto]
decidimos entrar na nossa terra tradicional”, afirmam os Kinikinau. Os
indígenas denunciam que “o próprio prefeito de Aquidauana e o poder
público garantiram a estrutura da ação ilegal dos policiais”, apontando
que ônibus escolares foram utilizados para transportar os policiais
militares, “garantindo alimento e estadia nas fazendas”.

Atualmente, a demarcação da Terra Indígena (TI) Agachi, reivindicada
pelo povo Kinikinau, encontra-se ainda sem nenhuma providência do Estado
para que seja realizada sua identificação e delimitação, procedimento
técnico que cabe à Fundação Nacional do Índio (Funai). Apesar disso,
estudiosos e pesquisadores já identificaram diversos elementos que
apontam para a tradicionalidade da ocupação indígena na região, também
comprovada por meio de documentos históricos.

Confira, abaixo, o documento na íntegra:

Carta do Povo Kinikinau e Terena no Mato grosso do Sul

Nós lideranças dos povos Kinikinau e Terena queremos demonstrar e
denunciar a ação de violência feita contra nosso povo, dentro da nossa
terra tradicional, por parte das polícias Militar e Federal a mando do
prefeito de Aquidauana.

Há mais de 100 anos fomos arrancados pelo Estado de nossas terras,
temos sofrido muitas violências desde então. Ontem, decidimos entrar nas
nossas terras tradicionais, já identificadas.

Entramos pacificamente e antes de montar o acampamento fomos até o
gerente da fazenda e explicamos que nossa ação não era violenta, e demos
24 horas para que os pertences fossem retirados de nossa terra. Depois a
Polícia Federal esteve lá e também explicamos o movimento a ela. A
Polícia Federal partiu. Duas horas depois sofremos um ataque covarde e
ilegal da Polícia Militar de Agachi. Enquanto estávamos na entrada da
fazenda, o helicóptero da Polícia Militar sobrevoou nossa terra e
atirando com intenção de nos acertar. Enquanto isso a polícia veio por
trás, pela Fazenda Bela Vista, já disparando contra crianças, mulheres e
idosos. Nossas lideranças tentaram dialogar, até porque não existia
ordem judicial, mas não ouve intensão alguma da polícia de nos ouvir. A
resposta do polícia foi mais disparos e violência. Nós já estávamos
sendo expulsos da área, nos retirando e a polícia continuava atirando
contra nosso povo até atingir com bala de borracha uma de nossas
lideranças.

Sabemos que o próprio prefeito de Aquidauana e o poder público
garantiram a estrutura da ação ilegal dos policiais. Foram usados ônibus
escolares para transportar os policiais militares, garantindo alimento e
estadia nas fazendas.

Todos sabiam que éramos crianças, mulheres e idosos em nossa maioria,
desde o início do dia drones passavam sobre a área. Mesmo assim, a
polícia usou toda violência sem ordem judicial.

O sangue e as lagrimas derramadas sobre nossa terra, só fortalecem
ainda mais nossa determinação em recuperar nosso território tradicional.
Exigimos do Ministério Público Federal que inicie uma investigação
contra o prefeito de Aquidauana e a polícia. Exigimos também, que a DPU
garanta a ação de reparação para nosso povo e pedimos para todos
defensores e órgão de direitos humanos, o Povo Kinikinau não quer sofrer
violência.

Povos Kinikinau e Terena. Data 02/08/2019.