Audiência Pública exige investigação e punição dos assassinos de Renato

Em 9 de abril, foi realizada, na Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia, uma Audiência Pública a respeito do Inquérito 070/2012, DP de Buritis/RO, referente ao assassinato do dirigente camponês Renato Nathan Gonçalves Pereira.

Felipe Nicolau, presidente da Associação Brasileira dos Advogados do Povo (Abrapo), presidiu a mesa e iniciou a audiência com os questionamentos que envolvem o inquérito: quem matou Renato? Por que o inquérito sobre o professor não anda?

A mesa da Audiência Pública foi composta por representantes da Abrapo, Cebraspo, Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (Renap), Ordem dos Advogados do Brasil – Rondônia, Comitê Estadual de Combate à Tortura, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Liga dos Camponeses Pobres (LCP) de Rondônia e Movimento Estudantil Popular Revolucionário (MEPR). O deputado estadual Ribamar Araújo também foi convidado pela Abrapo para se fazer presente na Audiência Pública.

Irregularidades e ilegalidades

José Pimenta, representando o Cebraspo, fez a leitura das moções das instituições e organizações como a Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ e do Grupo Tortura Nunca Mais – RJ que saudavam a Audiência Pública e criticavam a negligência do judiciário e do estado de Rondônia em relação ao inquérito do assassinato do professor Renato Nathan.

Lenir Correa, representando a Renap, apresentou a situação atual do inquérito e lembrou que ao se levantar e questionar o assassinato de Renato Nathan, levantam-se todos assassinatos no campo e os desmandos dentro deste contexto. A apresentação incluiu slides sobre o histórico do professor Renato e detalhes do inquérito. Dentre várias irregularidades, uma que particularmente chama a atenção é que são apontados vários horários diferentes para a morte de Renato. A perícia técnica não chega ao local, porém o carro da funerária consegue chegar. Além disso, não houve preservação do local do crime, evidências de tortura foram analisadas em fotos tiradas do corpo.

Ao invés de investigar o assassinato, a polícia invadiu a casa da vítima, retirou vários bens da casa, como livros e aparelhos de uso pessoal que até o presente momento não foram devolvidos sob a alegação de que são “objetos de guerrilha”. O aparelho GPS da vítima, que estava entre os objetos, desapareceu da delegacia.

O laudo cadavérico não precisa os pontos de entrada e saída dos projéteis no corpo de Renato. Comprova que dois projéteis atingiram sua cabeça e esses projéteis, entregues pela funerária na delegacia, até hoje não foram periciados. Foi citado o fato de que o Dr. Nilo Batista, um dos mais destacados criminalistas do Brasil, quando analisou o laudo, declarou que: “Só viu um laudo tão porco assim na época da ditadura”.

Criminalizam Renato para acobertar assassinos

A Audiência Pública apontou que o delegado agrário agiu de modo a criminalizar o trabalho de Renato junto aos camponeses ao ligar, em suas declarações, o professor Renato com outros crimes nada relacionados com a luta dos camponeses pela terra da região. Foi lembrado o fato de que apesar de o tenente Regis Wellington confessar ter invadido a casa de Renato Natan, até o momento ele sequer foi ouvido pelo judiciário.

Os advogados e organizações presentes na audiência levantaram inúmeros questionamentos como: por que o corpo não foi periciado? Por que não foram identificados os sinais cruciais de tortura do dirigente camponês? Por que seus livros e DVDs foram apreendidos? Por que o tenente-coronel Enedy, da PM, inimigo declarado dos camponeses de Rondônia e da LCP, foi acompanhar a invasão da casa de Renato pessoalmente e isso não consta no inquérito? Por que a polícia não contatou a família? Por que o agente funerário até hoje não foi ouvido?

O representante da OAB/RO, Gustavo Dandolini, destacou que situações como essas do inquérito de Renato Nathan acontecem “em geral quando existem agentes públicos envolvidos”. E “essa tentativa de criminalização é muito comum principalmente em situações fundiárias”. E ainda destacou que “a polícia tenta legitimar sua ação através de comoção social. O primeiro ato é violar o local do fato. O código do processo penal é claro e diz que o local precisa ser preservado, pois existem elementos naquele contexto que ajudam a elucidar os fatos. Se a perícia não consegue chegar ao local a própria polícia pode fazer, em partes, este trabalho. E quando se remove o corpo, inevitavelmente se altera a cena, isso acontece quando se vai prestar socorro, ou na tentativa de descaracterizar as evidências do crime”. E ressaltou que “a OAB e Assembleia Legislativa devem cobrar das autoridades investigação dos autores. Com a situação já avançada, é imprescindível ouvir o Ministério Público de RO. Questionar se o promotor que recebeu esse inquérito com tantas falhas está fazendo alguma coisa para buscar responsabilização a quem cabe”.

Liliana Von Ancken, representando da CPT/RO, destacou que “no caso Renato, além de não ter sido investigado como se deve; percebe-se a tentativa da criminalização da vítima. Tantos tombaram e nenhum culpado é punido. Queremos a apuração”.

Vinicius Valentin, do Comitê Estadual de Combate à Tortura, destacou que “na atuação do Comitê, tem sido visto que agentes da tortura são agentes do poder público. Desse universo, dos 109 julgados, uma pequena minoria teve punição. Se você tem um corpo de perícias veiculado a esses órgãos compromete esse processo”. Destacou que a tortura avança no país e que casos como o de Renato Nathan não podem ser “acobertados pelo Estado”.

No encerramento da Audiência Pública, as entidades e personalidades presentes assinaram os seus encaminhamentos: oficiar o MP para acompanhamento do inquérito; sugestão da Abrapo e Renap: oficiar o governo do estado de Rondônia sobre as irregularidades e descaso com o inquérito Renato Nathan e que o mesmo tome as devidas providências para que o inquérito seja devidamente apurado; seja oficiado a Secretaria Nacional de Direitos Humanos para que intervenha e acompanhe o inquérito; que seja oficiado a OAB/RO para que acompanhe todas as violações de direitos humanos praticadas nesse inquérito; que a Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia peça esclarecimentos às autoridades competentes sobre as irregularidades apontadas e, se possível, também realize uma nova audiência pública para tratar do inquérito.


O povo não esquece

Durante a Audiência Pública, José Gonçalves, membro da LCP e irmão de Renato, destacou que os dois são filhos de uma família camponesa muito pobre e que se indignavam toda vez que viam uma injustiça. Foi isso que os levou a entrar em contato com o movimento camponês e a luta pela terra. Afirmou que o que aconteceu com Renato não fez parar a luta naquela região e exigiu que o crime cometido contra o irmão seja apurado e os executores e mandantes punidos.

Durante a audiência algumas pessoas pediram a palavra, não houve como registrar o nome de todos, mas foram depoimentos sinceros do povo da região.

Um camponês disse:

“Boa tarde, não poderia deixar de falar de uma pessoa que eu conheci em 2004. Os dois irmãos chegaram apoiando a gente. Quando chegava o momento de turbulência, ele chegava e acalmava. A caminhonete da polícia acompanhou ele na linha para assassiná-lo. Estamos aqui pra cobrar, pois esse tipo de crime ainda continuara acontecendo.”

Um estudante também se pronunciou:

“Não conheci o Renato, mas conheci o exemplo que ele deixou”.

Em Belo Horizonte, também em 9 de abril, quando completaram-se dois anos do assassinato de Renato Nathan, atendendo a convocação da Frente Revolucionária de Defesa dos Direitos do Povo (FRDDP), ativistas da LCP, MEPR, Liga Operária, Movimento Feminino Popular (MFP) e do Sindicato Marreta reuniram-se para celebrar o Dia dos Mártires. Essa data proposta pela FRDDP foi incorporada no calendário de lutas de várias organizações populares e democráticas de todo o país e será celebrada todo 9 de abril para resgatar a memória de Renato Nathan e de todos os ativistas e dirigentes populares tombados na luta em defesa dos direitos do povo no campo e nas cidades do Brasil.

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