Carta Aberta à Ouvidoria Agrária Nacional e de Pernambuco

No dia 08 de julho último, a Liga dos Camponeses Pobres – Nordeste recebeu pelos Correios ofício do Ministério do Desenvolvimento Agrário assinado pelo Ouvidor Agrário Nacional Gercino José da Silva Filho, datado de 30 de abril de 2009. O Desembargador Gercino inicia o ofício com uma extensa e enfadonha descrição de suas atribuições e das punições aplicáveis aos camponeses em luta. Donde se destaca: “Será excluído do Programa de Reforma Agrária do Governo Federal quem (…) for efetivamente identificado como participante direto ou indireto em conflito fundiário que se caracterize por invasão ou esbulho de imóvel rural (…).” Gercino se vale de uma lei de 1993 para ameaçar não só os camponeses organizados pela LCP, mas todos os que lutam ou já conquistaram seu pedaço de terra, e o faz em nome da “defesa do Estado democrático de direito”.

Mas o motivo do ofício da Ouvidoria Agrária Nacional é o “loteamento realizado pela LCP” na fazenda Riachão de Dentro na cidade de Lagoa dos Gatos, Pernambuco.

Em sua carta Gercino reclama: “foram distribuídos panfletos no mencionado município convidando a população para a ‘Festa do Corte Popular’, e ato de entrega das parcelas”. A referida festa, cujos convites parecem ter chegado até Brasília, ocorrera no dia 26 de abril, quatro dias depois Gercino nos enviava sua “carta”. No entanto, a agilidade da Ouvidoria Agrária Nacional em condenar o Corte Popular não é vista quando se trata do assassinato de camponeses e de lideranças como ocorreu recentemente com a brutal e covarde morte do dirigente nacional da LCP, o companheiro Luis Lopes no sul do Pará.

Para sermos justos: a atitude de Gercino não é única entre os mandatários do governo Lula. A política é sempre a mesma: dois pesos e duas medidas. O próprio gerente Lula se apressou a chamar de assassinos os camponeses de São Joaquim do Monte que, em legítima defesa, justiçaram os pistoleiros na fazenda Jabuticaba. Agora, quando cinco camponeses foram chacinados enquanto construíam suas casas em um assentamento em Brejo da Madre de Deus, nenhuma voz de Brasília foi ouvida para “comentar o fato”.

O que incomoda o Ouvidor Agrário Nacional é que os camponeses estão resolvendo de maneira muito mais eficiente do que o “Estado democrático de direito” a questão da democratização da terra em nosso país. Se fossem esperar pela vagareza do Incra estas famílias penariam no mínimo mais cinco anos até receberem seus lotes. E esta é uma previsão otimista, pois em Quipapá, por exemplo, há três anos a fazenda Jussara foi desapropriada e até hoje as famílias não receberam suas parcelas. E como falar em “Plano Nacional de Reforma Agrária”, Dr. Gercino, quando o governo Lula acaba de reduzir o orçamento da “reforma agrária” de R$ 957 milhões para R$ 561?

No entanto, o mais absurdo no ofício da Ouvidoria Agrária Nacional é a estapafúrdia acusação de que: “… trabalhadores rurais integrantes da LCP expulsaram as famílias ligadas ao MST que se encontravam acampadas na fazenda Riachão de Dentro, localizada no município de Lagoa dos Gatos, aguardando a finalização das negociações do Incra com o proprietário, e ocuparam o imóvel em seu lugar…”. Acusação falsa, desprovida de quaisquer fundamentos ou mesmo de informações elementares como a data na qual teria ocorrido este conflito. Lançar esta vil mentira contra a LCP, quando na verdade se quer atacar o Corte Popular, é a tentativa torpe de levantar falsas imoralidades contra aqueles que tomam atitudes justas e honestas. Afinal de contas, em cima de quais argumentos morais poderia o Ouvidor Agrário condenar o Corte Popular? Como condenar famílias que decidiram cortar um latifúndio, em processo de desapropriação diga-se de passagem, para alimentar seus filhos ao invés de esperar anos pelo moroso Incra?

O que procura, mais uma vez, a Ouvidoria Agrária Nacional é criminalizar a Liga dos Camponeses Pobres. Desafiamos que provem sua acusação! Afirmamos categoricamente: nenhuma família acampada na fazenda Riachão de Dentro foi expulsa pela Liga dos Camponeses Pobres! A bandeira da LCP foi levantada unanimemente pelas famílias de Riachão, logo após a libertação do companheiro José Ricardo Rodrigues em abril de 2008. Ricardo era o líder inconteste daquele povo desde que começaram a lutar pela conquista da fazenda em 2003. Por isto reafirmamos: nenhuma família foi expulsa. Quem nunca mais apareceu por lá foram as lideranças repudiadas do MST. Se alguém duvida da satisfação daquelas massas com a justa direção da LCP, basta que pergunte a qualquer camponês de Riachão.

Antes de fazer sua falsa acusação Gercino previamente se defende e aponta: “Esclareço que faço a advertência com fundamento em informação prestada pela ouvidora agrária regional do Incra de Pernambuco, doutora Elisabete Rafael Moreira da Silva”. Se for verdade esta afirmação de Gercino, grande parte da responsabilidade por esta mentira seria da Ouvidora Agrária estadual Drª Bete. Pois, recebendo ela esta denúncia o mínimo que deveria ter feito era se dirigir ao Acampamento Riachão para averiguar os fatos antes de transmiti-los a Brasília.

Nós sabemos quem soprou a denúncia falsa no ouvido da Ouvidora Agrária estadual, que prontamente transmitiu o recado ao Dr. Gercino. Outro não foi que Jaime Amorim dirigente nacional do MST, que esteve em Lagoa dos Gatos dias antes da já famosa Festa do Corte Popular tentando inutilmente convencer alguns camponeses a não plantarem em suas parcelas. Mais uma vez dois pesos e duas medidas… A mesma Ouvidoria que tão prontamente acatou a falsa denúncia contra a LCP, não agiu com tanta velocidade quando as famílias do Acampamento Riachão denunciaram o roubo de 150 cestas básicas pela antiga dirigente do MST em junho do ano passado, afinal até hoje nada foi feito.

A atitude da direção do MST de dedurar ao Incra e à Ouvidoria Agrária os camponeses de Riachão que realizaram a iniciativa avançada do Corte Popular – coisa que aliás eles nunca conseguiram fazer – não surpreende quem vem acompanhando, durante os últimos anos, a trajetória do referido movimento. Na verdade, apesar de internacionalmente se posar de radical, desde a eleição de Lula em 2002 o MST não mobiliza massas para as ocupações de latifúndios. Controlando praticamente toda a burocracia do Incra, o MST tenta através da perseguição, ameaças, extorsões e expulsões daqueles que se opõem a sua direção, controlar bases camponesas que cada dia mais se revoltam contra seus desmandos. Como se deu em 2007 quando 9 famílias foram expulsas do Assentamento localizado na antiga fazenda Mitacoré, São Miguel do Iguaçu, Paraná. Onde a direção do MST forjou uma falsa denúncia de tráfico de drogas contra famílias camponesas que há dez anos trabalhavam em suas parcelas. Detalhe: estas 9 famílias faziam parte de um grupo de 33 assentados que haviam denunciado a direção do movimento por desvios de verbas do Assentamento.

A denúncia do MST de que a LCP teria expulsado famílias supostamente ligadas ao movimento na fazenda Riachão tem um objetivo claro. Tentam assim criar um conflito virtualreal do MST na área para “defender famílias injustiçadas”. E o fariam acobertados pela carta da Ouvidoria Agrária Nacional e as ameaças do Dr. Gercino. Na verdade, quando a Ouvidoria acusa a LCP de ter retirado as antigas famílias que ocupavam a fazenda Riachão, na prática está colaborando com o plano do MST para, de fato, expulsar estas famílias que há um ano ergueram a bandeira da Liga. Em Lagoa dos Gatos é corrente o boato de que o MST trará pessoas de outras cidades para invadir a área, mas para isto a Ouvidoria tem ouvidos mocos. O MST, escondido sob o anonimato da Ouvidoria Nacional, acusa a LCP de ter feito exatamente aquilo que eles pretendem fazer. Mas a farsa está desfeita e mais uma vez: “a língua se volta para o dente que dói”!

Quem necessita de “prudência”, portanto, não é a LCP e sim a Ouvidoria Agrária Nacional e estadual, que na pressa de beneficiar seus aliados políticos acabam cometendo injustiças e afirmando mentiras. E principalmente, acabam prejudicando as famílias a quem por direito, por luta e trabalho, pertence aquela fazenda. Famílias que cresceram e se criaram ali, que desde gerações viviam exploradas pelo famigerado Coronel Cordeirinho, que tanto humilhou os camponeses de Cafundó, Riachão de Fora e de Dentro, Lagoa de Souza, Lagoa dos Patos, Xicá e outros vilarejos, que hoje fazem justiça com sua força e organização. O que estas famílias querem hoje é produzir. Se aos governantes de plantão faltou a presteza para atender as justas reivindicações destes brasileiros honestos e trabalhadores que ao menos deixem que vivam em paz!
que justificasse a invasão

Liga dos Camponeses Pobres
Coordenação Nordeste


15 de julho de 2009

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